TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 4ª R              CONTRATO DE ESTÁGIO – OBRIGAÇÃO DE RESCINDIR – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 4ª R CONTRATO DE ESTÁGIO – OBRIGAÇÃO DE RESCINDIR – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba

 

 

 

 

 

 

PROCESSO Nº 405/2008.101.04.00-6 (RO)

 

4ª Turma

 

Relator: Exmo. Juiz Fernando Luiz de Moura Cassal (convocado)

 

1ª Vara do Trabalho de Pelotas

 

Recte:  Município de Pelotas

 

Recdo:  Ministério Público do Trabalho

 

 

 

EMENTA

 

 

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – CONTRATO DE ESTÁGIO FIRMADO COM MENORES DE DEZESSEIS ANOS – VIOLAÇÃO DE PRECEITO CONSTITUCIONAL. A Constituição da República, no seu art. 7º, XXXIII, proíbe qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, excepcionando tão-somente o contrato de aprendizagem, o que faz ilícita a contratação de menores de dezesseis anos como estagiários.

 

 

 

Vistos e relatados estes autos de recurso interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz Luís Carlos Pinto Gastal, da 1ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente Município de Pelotas e recorrido Ministério Público do Trabalho.

 

(...)

 

Isto posto:

 

(...)

 

 

 

CONTRATOS DE ESTÁGIO. OBRIGAÇÃO DE RESCINDIR. OBRIGAÇÃO DE PAGAR.

 

DANO MORAL COLETIVO.

 

O Juiz, ao sentenciar o feito, proferiu sentença de parcial procedência, condenando o recorrente a rescindir todos os contratos de estágio firmados com adolescentes menores de dezesseis anos e se abster de contratar estagiários menores de 16 anos de idade, sob pena de multa diária de R$ 500,00 por estagiário encontrado em situação irregular, bem assim a pagar aos adolescentes menores de dezesseis anos, nos últimos 5 anos, às diferenças salariais que forem apuradas entre o valor Piso Padrão do Município e o valor do salário mínimo nacional, saldo de salário que houver, aviso prévio indenizado, 13º salário, indenização de férias de FGTS com 40%, além de indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00 em favor do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Isso tudo sob o fundamento de que o art. 7º, XXXIII, da CF, proíbe qualquer trabalho ao menor de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, não sendo este o caso dos autos, tendo em vista que o recorrente manteve contratos de estágio com os menores, entendendo o Juiz, também, que o disposto no art. 227, § 3º, II, da CF sobrepõe-se aos efeitos restritos admitidos pela jurisprudência dominante para os casos de contrato nulo no âmbito público.

 

O recorrente, conforme relatado, pretende a reforma da sentença, alegando, em síntese, que não há, na Lei nº 6.494/77, que versa acerca do contrato de estágio (e tampouco no Dec. nº 87.497/82, que a regulamenta, ou, ainda, em resoluções do Conselho Nacional de Educação), qualquer referência à idade mínima para o aluno ingressar no estágio.

 

Tais normas, de fato, não fazem nenhuma alusão à idade mínima para que o aluno possa firmar contrato de estágio. Todavia, o art. 7º, XXXIII, da CF, veda, expressamente, sob qualquer hipótese (salvo na condição de aprendiz), o trabalho aos menores de dezesseis anos: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz.” (sublinhei), o que torna irrelevante o fato de não haver regulação, na legislação infraconstitucional, quanto à idade mínima para o ingresso no estágio, uma vez que, se assim o fizesse, por óbvio não poderia contrariar o disposto na Constituição da República. Isso porque as normas constitucionais constituem a lei fundamental do sistema jurídico brasileiro, encontrando fundamento de validade em si mesmo e não podendo serem contrariadas por nenhuma norma infraconstitucional. No dizer de J. J. Gomes Canotilho:

 

“O carácter das normas de direito constitucional como normas de normas ou fonte primária da produção jurídica implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores. No quadro deste processo de criação, concebido verticalmente como um “processo gradual”, as normas superiores constituem fundamento de validade das normas inferiores e determinam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas. Daí a existência de uma hierarquia das fontes do direito, isto é, uma relação hierárquica, verticalmente ordenada, à semelhança de uma “pirâmide jurídica” (in Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, pp. 138 – sublinhei).

 

Nesse contexto, não havendo controvérsia quanto ao fato de que a relação jurídica havida com os adolescentes menores de dezesseis anos foi de estágio, e não de aprendizagem, não comporta reparo a sentença ao determinar ao recorrente que rescinda todos os contratos de estágio mantidos com menores de dezesseis anos e também que se abstenha de contratar novos estagiários menores de dezesseis anos.

 

A expressa vedação constitucional quanto a qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos (salvo na condição de aprendiz, o que não é o caso dos autos), torna dispensável qualquer debate acerca da natureza jurídica e traços distintivos entre os contratos de aprendizagem e de estágio, máxime porque, como já dito, é incontroverso o fato de que os menores foram contratados mediante estágio.

 

Quanto à aplicação da Súmula nº 363 do TST, todavia, tenho que a sentença comporta reforma.

 

Sobre a questão jurídica, sempre entendi pleno de efeitos o contrato de trabalho celebrado sem observância do referido requisito constitucional, sendo devidas ao trabalhador assim recrutado todas as vantagens tituladas pelo empregado em condição de contrato de trabalho válido, e não apenas aquelas de que trata a Súmula nº 363 nº do TST “Contrato nulo – Efeitos – Nova redação – Res. nº 121/2003, DJ 21.11.2003. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.

 

Presentemente, todavia, por razão absoluta de segurança jurídica que deve ser dada à jurisdição e aos jurisdicionados, seja em face do entendimento majoritário da Turma, seja em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Eminente Ministro Marco Aurélio Mello no agravo de instrumento AI 323867/BA, nos termos a seguir explicitados, não tem sentido manter entendimento contrário, notadamente estando a matéria sedimentada na Súmula de Jurisprudência do TST, conforme a Súmula nº 363 daquela Corte, razão porque concluo devidos salários à razão das horas trabalhadas, calculadas sobre o salário contratual (a expressão “respeitado o valor da hora do salário mínimo”, segundo interpreto o contido no referido entendimento jurisprudencial, define o “piso” do valor da hora a ser pago ao trabalhador nesta situação, equivalendo a dizer que este não receberá valor inferior ao salário-mínimo nacionalmente unificado, nada impedindo, todavia, que receba a hora trabalhada de acordo com o salário contratual praticado), além dos valores alusivos ao FGTS.

 

Assim está assentada a referida decisão da Excelsa Corte:

 

“DECISÃO EMPREGO PÚBLICO – CONCURSO – INEXISTÊNCIA – NULIDADE – CESSAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA – CONSECTÁRIOS – AGRAVO DESPROVIDO. 1. O recurso extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar foi interposto, com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho que implicou o não-acolhimento de pedido formulado em agravo, mantendo-se o ato mediante o qual negara-se seguimento a embargos, pelos seguintes fundamentos: Insiste o agravante que o não-acolhimento de seu recurso de revista ofende os arts. 896 e 894 da CLT e 7º, XXXIV e 37, II, da Lei Maior por entender que a contratação sem concurso público acarreta o pagamento dos salários, aviso prévio, férias, décimo-terceiro proporcional, FGTS e outras obrigações sociais. Como bem explicitado no r. despacho embargado, não foi aviltado o art. 37, II, da Lei Maior, ao contrário, a decisão recorrida está em consonância com o dispositivo constitucional que exige prévia realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, sendo nulo o contrato de trabalho e devido apenas o saldo de salários. Também não se encontra ofendido o art. 7º, XXXIV, da Constituição Federal, pois o que se discute nestes autos são os efeitos da decretação de nulidade do contrato de trabalho firmado com a Administração Pública sem o indispensável concurso público, e o mandamento em exame somente determina a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo permanente. Assim, o empregador somente deve indenizar os dias efetivamente trabalhados através do pagamento do saldo de salários, evitando-se, assim, o enriquecimento sem causa da Administração Pública, já que o Município-reclamado não pode restituir ao empregado a prestação de trabalho que este executou em virtude do contrato nulo. Ademais, os dispositivos constitucionais, alegados como violados não se contrapõem literalmente ao entendimento de que não gera o direito ao pagamento de verbas rescisórias o contrato de trabalho firmado com ente público, sem concurso, após a Constituição Federal de 1988, face à sua nulidade. Por fim, a decisão atacada encontra-se de acordo com a jurisprudência da c. Seção de Dissídios Individuais e das Turmas desta Corte que, por sucessivas decisões, vem entendendo que a contratação de empregados por órgãos da Administração Pública, após a Constituição Federal de 1988, sem prévia aprovação em concurso público encontra óbice no art. 37, II, da Carta Magna, sendo nula de pleno direito, não gerando nenhum efeito trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados (folhas 88 e 89). Insiste-se na vulneração dos arts. 7º, inciso XXXIV, e 37, inciso II, da Carta Política da República e reafirma-se o direito às verbas rescisórias, em face ao reconhecimento da prestação de serviços ao Município. Alude-se ao cabimento do recurso de revista (folhas 91 a 102). O Juízo primeiro de admissibilidade disse da natureza infraconstitucional da discussão (folha 106). Conforme certificado à folha 114, o Agravado não apresentou contraminuta. 2. Na interposição deste agravo foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A Agravante providenciou o traslado das peças previstas no art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil, e os documentos de folhas 20, 54, 108 e 109 evidenciam a regularidade da representação processual e do preparo. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 14 de março de 2000, terça-feira (folha 107), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 24 imediato, sexta-feira (folha 2), no prazo assinado em lei. Nota-se que a Corte de origem apreciou a controvérsia a partir da falta de adequação dos recursos de revista e embargos interpostos, cujas regências não estão na Carta da República, mas na Consolidação das Leis do Trabalho. Ao fazê-lo, disse do acerto da decisão do Regional no que apontou a nulidade da relação jurídica ante a falta de observação de formalidade essencial, ou seja, o concurso público. Descabe ter como infringidos os preceitos constitucionais evocados pela Agravante. No tocante ao inciso II do artigo 37, a Corte decidiu de forma consentânea com a norma inserta no preceito. 3. Por tais razões, conheço do pedido formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida. 4. Publique-se. Brasília, 10 de abril de 2001. Ministro MARCO AURÉLIO Relator.”

 

Sinalo, por importante, que não afasta a mencionada nulidade, e tampouco os efeitos da Súmula nº 363 do TST ao disposto no art. 227, § 3º, II, da CF uma vez que tão-somente assegura aos adolescentes proteção especial, garantindo direitos previdenciários e trabalhistas, não tendo o condão, contudo, de se sobrepor à vedação constante no art. 37, II, também da CF, norma de idêntica hierarquia.

 

Por tudo isso, a condenação pecuniária expressa no início só pode subsistir quanto ao FGTS, sem a multa de 40% e eventual saldo de salário calculado com base no valor-hora do salário-mínimo.

 

Já quanto ao dano moral coletivo, o recorrente sustenta ser indevido, sob os seguintes argumentos: a) não há, na legislação pertinente ao estágio, limitação quanto à idade mínima para a contratação de estagiários; b) não houve intenção em burlar a legislação trabalhista ou princípios constitucionais, tendo agido de boa-fé, tanto que solicitou à sua procuradoria parecer para avaliar a questão; c) não houve repetição do ato dito irregular, porquanto até que exista um julgamento definitivo proferido pelo Poder Judiciário, o ato não pode ser considerado ilegal. O recorrente alega, ainda, ser excessivo o valor arbitrado à indenização, uma vez que conta com apenas três estagiários menores de dezesseis anos.

 

Dano é prejuízo sofrido por alguém, em conseqüência da violação de um direito. A teor do preceituado no art. 5º, V e X, da CF, é assegurada indenização por dano moral, quando violadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa humana. É possível, outrossim, a lesão à honra de uma coletividade, como se infere do art. 81, parágrafo único, do CDC (subsidiariamente aplicável, no aspecto), o qual dispõe acerca da defesa dos direitos e interesses dos consumidores e das vítimas:

 

“Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

 

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;

 

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria, ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

 

III – interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

 

Carlos Alberto Bittar Filho, ao conceituar o instituto jurídico em comento, sentencia que:

 

“(...) pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” (in Pode a Coletividade Sofrer Dano Moral? Repertório IOB de Jurisprudência, nº 15/96).

 

O dano moral coletivo exige para a sua conformação, além da presença dos três suportes fáticos indispensáveis à caracterização do dano moral individual (quais sejam, a existência do ato praticado e dito ilícito, o dano, propriamente dito, e a relação de causa e efeito entre o dano e o ato), a ofensa ao patrimônio jurídico de uma coletividade, ou seja “a ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas titular de tais interesses protegidos pela ordem jurídica” (Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 138).

 

No caso dos autos, é incontroverso que houve a contratação de estagiários menores de dezesseis anos, o que inegavelmente atinge a integridade moral dessa coletividade. Isso porque a vedação constitucional tem razão de ser, de cunho jurídico-sociológico, de afastar o menor do trabalho precoce, não permitindo que assuma encargo incompatível e prejudicial à sua faixa etária, sendo nesse sentido a lição de Segadas Vianna, verbis:

 

“(...) a Carta Política assim o faz movida pela compreensão de que nessa tenra idade é imperiosa a preservação de certos fatores básicos, que forjam o adulto de amanhã, como o convívio familiar e os valores fundamentais que aí se transfundem, o inter-relacionamento com outras crianças, que molda o desenvolvimento psíquico, físico e social do menor, a formatação da base educacional sobre a qual sobre a qual incidirão aprimoramentos posteriores, o convívio com a comunidade para regular as imoderações próprias da idade etc. Os afazeres do trabalho não podem comprometer esses fatores estruturantes, que lapidam a personalidade da pessoa. Tudo a seu tempo” (in Instituições de Direito do Trabalho, v. 2. São Paulo: LTr, 2000, p. 995).

 

Nesses termos, ante a prova de que o recorrente contratou, no mínimo, seis estagiários menores de dezesseis anos (fl. 87), tenho que está plenamente evidenciado o dano moral coletivo, por inequívoca afronta a direito social constitucionalmente assegurado, tal como fundamentado na origem. Sinalo, por oportuno, que não há qualquer prova no sentido de que atualmente o recorrente tenha somente três estagiários com menos de dezesseis anos, como alegado em recurso.

 

Alusivamente ao quantum da indenização, o recorrente foi condenado ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a serem recolhidos ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

 

A partir da promulgação da Constituição da República de 1988, a reparação do dano moral pode, e deve, ocorrer de forma pecuniária, incumbindo ao julgador definir o quantum necessário à reparação do dano, segundo as circunstâncias, a sua natureza e extensão.

 

O mestre Pontes de Miranda, ainda antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que constitucionalizou o direito à reparação pecuniária por dano moral, definiu de forma brilhante o cabimento da indenização, bem assim o que seria indenizável no ato atentatório à moral, lecionando que:

 

“É preciso que se não confunda o dano moral, em senso largo ou estrito, com o dano patrimonial oriundo do dano moral. Os autores que exprobram à indenização do dano moral o ser indenização, pelo dinheiro, do que é dano pela dor, física ou psíquica, não atendem a que não é a dor, em si, que se indeniza, é o que a dor retira à normalidade da vida, para pior, e pode ser substituído por algo que o dinheiro possa pagar” (in Tratado de Direito Privado, vol. 26, p. 32).

 

Não obstante isto, há, ainda, o caráter punitivo, indissociável da indenização por dano moral, que tem por finalidade evitar que o empregador continue a cometer excessos no gerenciamento do negócio, a ponto de fazer passar pelos mesmos constrangimentos os demais empregados, sob o manto da impunidade, pois a simples retratação, particular ou pública, como é consabido, é “pena” ineficaz para tal desiderato.

 

A propósito do valor arbitrado à indenização, a C. 3ª Turma deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que “O dano moral é indenizável independentemente da maior ou menor extensão do prejuízo econômico, embora deva ser proporcional a ele. Sob uma perspectiva funcional, tem um caráter satisfatório para a vítima e punitivo para o ofensor, o que impõe ao julgador considerar a gravidade da lesão, fundada no comportamento doloso ou culposo do agente, a situação econômica do lesante, as circunstâncias de fato, a situação social do lesado” (Acórdão 00567.521/98-2 RORA, 30.05.2001, Relator Juiz Pedro Luiz Serafini).

 

Nesse sentido vale transcrever parte das razões de decidir de acórdãos proferidos pelas Turmas deste Tribunal:

 

“Estabelece o art. 1.553 do Código Civil, aplicável subsidiariamente, que a indenização resultante de obrigação de reparar atos ilícitos será fixada por arbitramento, tendo como primeiro objetivo, é consabido, o de compensar a dor sofrida pela vítima, ainda que inviável a perfeita equivalência face à impossibilidade de dimensioná-la. Há que atender, ainda, dito arbitramento, a finalidade de desestimular o cometimento de nova agressão. Por outro lado, há de se fazer com a observância de certos critérios que Maria Helena Diniz classifica como ‘subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender, culpa ou dolo) e objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa)’. Diz ainda a eminente jurista que: ‘na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável’ (In Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, editora saraiva, São Paulo, 1984, 7º volume, pp. 78 e 79)” (Acórdão 01167.521/96-0 RO, 1ª Turma, 24.03.99, Relatora Juíza Rosa Maria Weber Candiota da Rosa).

 

“Quanto à fixação do valor da indenização, o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema aberto e não o tarifário, ficando, portanto, ao arbítrio responsável do julgador. Sobre o assunto, merece transcrição a doutrina do Exmo. Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região Francisco Antonio de Oliveira: ‘O arbitramento para aferir em pecúnia a lesão do dano moral deverá fazer âncora na razoabilidade, levando-se em conta fatores outros tais como as seqüelas psíquicas impostas à vítima bem assim a posse patrimonial do agressor. Temos na doutrina que à vítima de uma lesão a alguns daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva’, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições, Forense, Rio, 1972, vol. II, nº 176)... não mais encontram lugar no mundo atual as condenações simplesmente pedagógicas, em valores inexpressivos que, em última análise, resultariam em mais uma ofensa moral ao ofendido, posto que diante de tais condenações era inevitável a conclusão de que o seu sofrimento, a sua angústia, a sua tristeza pelo ato do agressor nada valiam ou valiam quase nada” (in Revista LTr. 62-01, p. 28). Postula o recorrente o pagamento de indenização não inferior a quinhentos salários mínimos, quantia que, segundo ele, “está de acordo com reiterado entendimento dos pretórios trabalhistas e do TST” (fl. 10). Não é este valor (um pouco elevado), todavia, que se verifica nas decisões prolatadas. Assim, tendo em vista o dano causado, o tempo de serviço do recorrente e a situação financeira da recorrida, fixa-se a indenização em R$ 50.000,00 (...)” (Acórdão nº 00178.016/96-9 RO, 3ª Turma, 14.09.98, Relator Juiz Mário Chaves).

 

Tenha-se em conta, ainda, que a hipótese trata de dano projetado a uma coletividade, atingindo indiretamente todo o meio social, com inegáveis efeitos nos critérios de fixação do valor da indenização. É que “nessas hipóteses de inequívoca gravidade não há de se falar unicamente em reparação em favor do grupo de pessoas ou comunidade lesada, no sentido de compensá-los pelo dano sofrido. (...) É imperioso, portanto, fazer o lesante apreender, pela sanção (em dinheiro) imposta, a força da reprovação social e os efeitos deletérios decorrentes da sua conduta. Somente assim é que se poderá atender ao anseio de justiça que deflui do sentir coletivo (...)” (Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Op. cit., p. 164).

 

No caso dos autos, em consonância com a gravidade e repercussão do ato, bem assim com o fato do recorrente ter persistido com a contratação de menores de dezesseis anos mesmo após a notificação recomendatória 002/2008, do Ministério Público do Trabalho (fl. 22), além da natureza do princípio constitucional violado (o que faz somenos o fato de existirem apenas seis estagiários menores de dezesseis anos), entendo razoável o valor arbitrado.

 

Dou parcial provimento ao recurso ordinário para excluir da sentença a determinação de escrituração das CTPS dos menores e excluir da condenação o pagamento das diferenças salariais, aviso prévio indenizado, 13º salário, indenização de férias e multa de 40% do FGTS.

 

(...) FGTS.

 

 

RDT nº 11 - novembro de 2008

 

Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba
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PROCESSO Nº 405/2008.101.04.00-6 (RO)

 

4ª Turma

 

Relator: Exmo. Juiz Fernando Luiz de Moura Cassal (convocado)

 

1ª Vara do Trabalho de Pelotas

 

Recte:  Município de Pelotas

 

Recdo:  Ministério Público do Trabalho

 

EMENTA

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MUNICÍPIO DE PELOTAS – CONTRATO DE ESTÁGIO FIRMADO COM MENORES DE DEZESSEIS ANOS – VIOLAÇÃO DE PRECEITO CONSTITUCIONAL. A Constituição da República, no seu art. 7º, XXXIII, proíbe qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, excepcionando tão-somente o contrato de aprendizagem, o que faz ilícita a contratação de menores de dezesseis anos como estagiários.

 

Vistos e relatados estes autos de recurso interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz Luís Carlos Pinto Gastal, da 1ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente Município de Pelotas e recorrido Ministério Público do Trabalho.

 

(…)

 

Isto posto:

 

(…)

 

CONTRATOS DE ESTÁGIO. OBRIGAÇÃO DE RESCINDIR. OBRIGAÇÃO DE PAGAR.

 

DANO MORAL COLETIVO.

 

O Juiz, ao sentenciar o feito, proferiu sentença de parcial procedência, condenando o recorrente a rescindir todos os contratos de estágio firmados com adolescentes menores de dezesseis anos e se abster de contratar estagiários menores de 16 anos de idade, sob pena de multa diária de R$ 500,00 por estagiário encontrado em situação irregular, bem assim a pagar aos adolescentes menores de dezesseis anos, nos últimos 5 anos, às diferenças salariais que forem apuradas entre o valor Piso Padrão do Município e o valor do salário mínimo nacional, saldo de salário que houver, aviso prévio indenizado, 13º salário, indenização de férias de FGTS com 40%, além de indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00 em favor do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Isso tudo sob o fundamento de que o art. 7º, XXXIII, da CF, proíbe qualquer trabalho ao menor de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, não sendo este o caso dos autos, tendo em vista que o recorrente manteve contratos de estágio com os menores, entendendo o Juiz, também, que o disposto no art. 227, § 3º, II, da CF sobrepõe-se aos efeitos restritos admitidos pela jurisprudência dominante para os casos de contrato nulo no âmbito público.

 

O recorrente, conforme relatado, pretende a reforma da sentença, alegando, em síntese, que não há, na Lei nº 6.494/77, que versa acerca do contrato de estágio (e tampouco no Dec. nº 87.497/82, que a regulamenta, ou, ainda, em resoluções do Conselho Nacional de Educação), qualquer referência à idade mínima para o aluno ingressar no estágio.

 

Tais normas, de fato, não fazem nenhuma alusão à idade mínima para que o aluno possa firmar contrato de estágio. Todavia, o art. 7º, XXXIII, da CF, veda, expressamente, sob qualquer hipótese (salvo na condição de aprendiz), o trabalho aos menores de dezesseis anos: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz.” (sublinhei), o que torna irrelevante o fato de não haver regulação, na legislação infraconstitucional, quanto à idade mínima para o ingresso no estágio, uma vez que, se assim o fizesse, por óbvio não poderia contrariar o disposto na Constituição da República. Isso porque as normas constitucionais constituem a lei fundamental do sistema jurídico brasileiro, encontrando fundamento de validade em si mesmo e não podendo serem contrariadas por nenhuma norma infraconstitucional. No dizer de J. J. Gomes Canotilho:

 

“O carácter das normas de direito constitucional como normas de normas ou fonte primária da produção jurídica implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores. No quadro deste processo de criação, concebido verticalmente como um “processo gradual”, as normas superiores constituem fundamento de validade das normas inferiores e determinam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas. Daí a existência de uma hierarquia das fontes do direito, isto é, uma relação hierárquica, verticalmente ordenada, à semelhança de uma “pirâmide jurídica” (in Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, pp. 138 – sublinhei).

 

Nesse contexto, não havendo controvérsia quanto ao fato de que a relação jurídica havida com os adolescentes menores de dezesseis anos foi de estágio, e não de aprendizagem, não comporta reparo a sentença ao determinar ao recorrente que rescinda todos os contratos de estágio mantidos com menores de dezesseis anos e também que se abstenha de contratar novos estagiários menores de dezesseis anos.

 

A expressa vedação constitucional quanto a qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos (salvo na condição de aprendiz, o que não é o caso dos autos), torna dispensável qualquer debate acerca da natureza jurídica e traços distintivos entre os contratos de aprendizagem e de estágio, máxime porque, como já dito, é incontroverso o fato de que os menores foram contratados mediante estágio.

 

Quanto à aplicação da Súmula nº 363 do TST, todavia, tenho que a sentença comporta reforma.

 

Sobre a questão jurídica, sempre entendi pleno de efeitos o contrato de trabalho celebrado sem observância do referido requisito constitucional, sendo devidas ao trabalhador assim recrutado todas as vantagens tituladas pelo empregado em condição de contrato de trabalho válido, e não apenas aquelas de que trata a Súmula nº 363 nº do TST “Contrato nulo – Efeitos – Nova redação – Res. nº 121/2003, DJ 21.11.2003. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.

 

Presentemente, todavia, por razão absoluta de segurança jurídica que deve ser dada à jurisdição e aos jurisdicionados, seja em face do entendimento majoritário da Turma, seja em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Eminente Ministro Marco Aurélio Mello no agravo de instrumento AI 323867/BA, nos termos a seguir explicitados, não tem sentido manter entendimento contrário, notadamente estando a matéria sedimentada na Súmula de Jurisprudência do TST, conforme a Súmula nº 363 daquela Corte, razão porque concluo devidos salários à razão das horas trabalhadas, calculadas sobre o salário contratual (a expressão “respeitado o valor da hora do salário mínimo”, segundo interpreto o contido no referido entendimento jurisprudencial, define o “piso” do valor da hora a ser pago ao trabalhador nesta situação, equivalendo a dizer que este não receberá valor inferior ao salário-mínimo nacionalmente unificado, nada impedindo, todavia, que receba a hora trabalhada de acordo com o salário contratual praticado), além dos valores alusivos ao FGTS.

 

Assim está assentada a referida decisão da Excelsa Corte:

 

“DECISÃO EMPREGO PÚBLICO – CONCURSO – INEXISTÊNCIA – NULIDADE – CESSAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA – CONSECTÁRIOS – AGRAVO DESPROVIDO. 1. O recurso extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar foi interposto, com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho que implicou o não-acolhimento de pedido formulado em agravo, mantendo-se o ato mediante o qual negara-se seguimento a embargos, pelos seguintes fundamentos: Insiste o agravante que o não-acolhimento de seu recurso de revista ofende os arts. 896 e 894 da CLT e 7º, XXXIV e 37, II, da Lei Maior por entender que a contratação sem concurso público acarreta o pagamento dos salários, aviso prévio, férias, décimo-terceiro proporcional, FGTS e outras obrigações sociais. Como bem explicitado no r. despacho embargado, não foi aviltado o art. 37, II, da Lei Maior, ao contrário, a decisão recorrida está em consonância com o dispositivo constitucional que exige prévia realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, sendo nulo o contrato de trabalho e devido apenas o saldo de salários. Também não se encontra ofendido o art. 7º, XXXIV, da Constituição Federal, pois o que se discute nestes autos são os efeitos da decretação de nulidade do contrato de trabalho firmado com a Administração Pública sem o indispensável concurso público, e o mandamento em exame somente determina a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo permanente. Assim, o empregador somente deve indenizar os dias efetivamente trabalhados através do pagamento do saldo de salários, evitando-se, assim, o enriquecimento sem causa da Administração Pública, já que o Município-reclamado não pode restituir ao empregado a prestação de trabalho que este executou em virtude do contrato nulo. Ademais, os dispositivos constitucionais, alegados como violados não se contrapõem literalmente ao entendimento de que não gera o direito ao pagamento de verbas rescisórias o contrato de trabalho firmado com ente público, sem concurso, após a Constituição Federal de 1988, face à sua nulidade. Por fim, a decisão atacada encontra-se de acordo com a jurisprudência da c. Seção de Dissídios Individuais e das Turmas desta Corte que, por sucessivas decisões, vem entendendo que a contratação de empregados por órgãos da Administração Pública, após a Constituição Federal de 1988, sem prévia aprovação em concurso público encontra óbice no art. 37, II, da Carta Magna, sendo nula de pleno direito, não gerando nenhum efeito trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados (folhas 88 e 89). Insiste-se na vulneração dos arts. 7º, inciso XXXIV, e 37, inciso II, da Carta Política da República e reafirma-se o direito às verbas rescisórias, em face ao reconhecimento da prestação de serviços ao Município. Alude-se ao cabimento do recurso de revista (folhas 91 a 102). O Juízo primeiro de admissibilidade disse da natureza infraconstitucional da discussão (folha 106). Conforme certificado à folha 114, o Agravado não apresentou contraminuta. 2. Na interposição deste agravo foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A Agravante providenciou o traslado das peças previstas no art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil, e os documentos de folhas 20, 54, 108 e 109 evidenciam a regularidade da representação processual e do preparo. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 14 de março de 2000, terça-feira (folha 107), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 24 imediato, sexta-feira (folha 2), no prazo assinado em lei. Nota-se que a Corte de origem apreciou a controvérsia a partir da falta de adequação dos recursos de revista e embargos interpostos, cujas regências não estão na Carta da República, mas na Consolidação das Leis do Trabalho. Ao fazê-lo, disse do acerto da decisão do Regional no que apontou a nulidade da relação jurídica ante a falta de observação de formalidade essencial, ou seja, o concurso público. Descabe ter como infringidos os preceitos constitucionais evocados pela Agravante. No tocante ao inciso II do artigo 37, a Corte decidiu de forma consentânea com a norma inserta no preceito. 3. Por tais razões, conheço do pedido formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida. 4. Publique-se. Brasília, 10 de abril de 2001. Ministro MARCO AURÉLIO Relator.”

 

Sinalo, por importante, que não afasta a mencionada nulidade, e tampouco os efeitos da Súmula nº 363 do TST ao disposto no art. 227, § 3º, II, da CF uma vez que tão-somente assegura aos adolescentes proteção especial, garantindo direitos previdenciários e trabalhistas, não tendo o condão, contudo, de se sobrepor à vedação constante no art. 37, II, também da CF, norma de idêntica hierarquia.

 

Por tudo isso, a condenação pecuniária expressa no início só pode subsistir quanto ao FGTS, sem a multa de 40% e eventual saldo de salário calculado com base no valor-hora do salário-mínimo.

 

Já quanto ao dano moral coletivo, o recorrente sustenta ser indevido, sob os seguintes argumentos: a) não há, na legislação pertinente ao estágio, limitação quanto à idade mínima para a contratação de estagiários; b) não houve intenção em burlar a legislação trabalhista ou princípios constitucionais, tendo agido de boa-fé, tanto que solicitou à sua procuradoria parecer para avaliar a questão; c) não houve repetição do ato dito irregular, porquanto até que exista um julgamento definitivo proferido pelo Poder Judiciário, o ato não pode ser considerado ilegal. O recorrente alega, ainda, ser excessivo o valor arbitrado à indenização, uma vez que conta com apenas três estagiários menores de dezesseis anos.

 

Dano é prejuízo sofrido por alguém, em conseqüência da violação de um direito. A teor do preceituado no art. 5º, V e X, da CF, é assegurada indenização por dano moral, quando violadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa humana. É possível, outrossim, a lesão à honra de uma coletividade, como se infere do art. 81, parágrafo único, do CDC (subsidiariamente aplicável, no aspecto), o qual dispõe acerca da defesa dos direitos e interesses dos consumidores e das vítimas:

 

“Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

 

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;

 

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria, ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

 

III – interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

 

Carlos Alberto Bittar Filho, ao conceituar o instituto jurídico em comento, sentencia que:

 

“(…) pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” (in Pode a Coletividade Sofrer Dano Moral? Repertório IOB de Jurisprudência, nº 15/96).

 

O dano moral coletivo exige para a sua conformação, além da presença dos três suportes fáticos indispensáveis à caracterização do dano moral individual (quais sejam, a existência do ato praticado e dito ilícito, o dano, propriamente dito, e a relação de causa e efeito entre o dano e o ato), a ofensa ao patrimônio jurídico de uma coletividade, ou seja “a ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas titular de tais interesses protegidos pela ordem jurídica” (Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 138).

 

No caso dos autos, é incontroverso que houve a contratação de estagiários menores de dezesseis anos, o que inegavelmente atinge a integridade moral dessa coletividade. Isso porque a vedação constitucional tem razão de ser, de cunho jurídico-sociológico, de afastar o menor do trabalho precoce, não permitindo que assuma encargo incompatível e prejudicial à sua faixa etária, sendo nesse sentido a lição de Segadas Vianna, verbis:

 

“(…) a Carta Política assim o faz movida pela compreensão de que nessa tenra idade é imperiosa a preservação de certos fatores básicos, que forjam o adulto de amanhã, como o convívio familiar e os valores fundamentais que aí se transfundem, o inter-relacionamento com outras crianças, que molda o desenvolvimento psíquico, físico e social do menor, a formatação da base educacional sobre a qual sobre a qual incidirão aprimoramentos posteriores, o convívio com a comunidade para regular as imoderações próprias da idade etc. Os afazeres do trabalho não podem comprometer esses fatores estruturantes, que lapidam a personalidade da pessoa. Tudo a seu tempo” (in Instituições de Direito do Trabalho, v. 2. São Paulo: LTr, 2000, p. 995).

 

Nesses termos, ante a prova de que o recorrente contratou, no mínimo, seis estagiários menores de dezesseis anos (fl. 87), tenho que está plenamente evidenciado o dano moral coletivo, por inequívoca afronta a direito social constitucionalmente assegurado, tal como fundamentado na origem. Sinalo, por oportuno, que não há qualquer prova no sentido de que atualmente o recorrente tenha somente três estagiários com menos de dezesseis anos, como alegado em recurso.

 

Alusivamente ao quantum da indenização, o recorrente foi condenado ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a serem recolhidos ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

 

A partir da promulgação da Constituição da República de 1988, a reparação do dano moral pode, e deve, ocorrer de forma pecuniária, incumbindo ao julgador definir o quantum necessário à reparação do dano, segundo as circunstâncias, a sua natureza e extensão.

 

O mestre Pontes de Miranda, ainda antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que constitucionalizou o direito à reparação pecuniária por dano moral, definiu de forma brilhante o cabimento da indenização, bem assim o que seria indenizável no ato atentatório à moral, lecionando que:

 

“É preciso que se não confunda o dano moral, em senso largo ou estrito, com o dano patrimonial oriundo do dano moral. Os autores que exprobram à indenização do dano moral o ser indenização, pelo dinheiro, do que é dano pela dor, física ou psíquica, não atendem a que não é a dor, em si, que se indeniza, é o que a dor retira à normalidade da vida, para pior, e pode ser substituído por algo que o dinheiro possa pagar” (in Tratado de Direito Privado, vol. 26, p. 32).

 

Não obstante isto, há, ainda, o caráter punitivo, indissociável da indenização por dano moral, que tem por finalidade evitar que o empregador continue a cometer excessos no gerenciamento do negócio, a ponto de fazer passar pelos mesmos constrangimentos os demais empregados, sob o manto da impunidade, pois a simples retratação, particular ou pública, como é consabido, é “pena” ineficaz para tal desiderato.

 

A propósito do valor arbitrado à indenização, a C. 3ª Turma deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que “O dano moral é indenizável independentemente da maior ou menor extensão do prejuízo econômico, embora deva ser proporcional a ele. Sob uma perspectiva funcional, tem um caráter satisfatório para a vítima e punitivo para o ofensor, o que impõe ao julgador considerar a gravidade da lesão, fundada no comportamento doloso ou culposo do agente, a situação econômica do lesante, as circunstâncias de fato, a situação social do lesado” (Acórdão 00567.521/98-2 RORA, 30.05.2001, Relator Juiz Pedro Luiz Serafini).

 

Nesse sentido vale transcrever parte das razões de decidir de acórdãos proferidos pelas Turmas deste Tribunal:

 

“Estabelece o art. 1.553 do Código Civil, aplicável subsidiariamente, que a indenização resultante de obrigação de reparar atos ilícitos será fixada por arbitramento, tendo como primeiro objetivo, é consabido, o de compensar a dor sofrida pela vítima, ainda que inviável a perfeita equivalência face à impossibilidade de dimensioná-la. Há que atender, ainda, dito arbitramento, a finalidade de desestimular o cometimento de nova agressão. Por outro lado, há de se fazer com a observância de certos critérios que Maria Helena Diniz classifica como ‘subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender, culpa ou dolo) e objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa)’. Diz ainda a eminente jurista que: ‘na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável’ (In Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, editora saraiva, São Paulo, 1984, 7º volume, pp. 78 e 79)” (Acórdão 01167.521/96-0 RO, 1ª Turma, 24.03.99, Relatora Juíza Rosa Maria Weber Candiota da Rosa).

 

“Quanto à fixação do valor da indenização, o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema aberto e não o tarifário, ficando, portanto, ao arbítrio responsável do julgador. Sobre o assunto, merece transcrição a doutrina do Exmo. Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região Francisco Antonio de Oliveira: ‘O arbitramento para aferir em pecúnia a lesão do dano moral deverá fazer âncora na razoabilidade, levando-se em conta fatores outros tais como as seqüelas psíquicas impostas à vítima bem assim a posse patrimonial do agressor. Temos na doutrina que à vítima de uma lesão a alguns daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva’, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições, Forense, Rio, 1972, vol. II, nº 176)… não mais encontram lugar no mundo atual as condenações simplesmente pedagógicas, em valores inexpressivos que, em última análise, resultariam em mais uma ofensa moral ao ofendido, posto que diante de tais condenações era inevitável a conclusão de que o seu sofrimento, a sua angústia, a sua tristeza pelo ato do agressor nada valiam ou valiam quase nada” (in Revista LTr. 62-01, p. 28). Postula o recorrente o pagamento de indenização não inferior a quinhentos salários mínimos, quantia que, segundo ele, “está de acordo com reiterado entendimento dos pretórios trabalhistas e do TST” (fl. 10). Não é este valor (um pouco elevado), todavia, que se verifica nas decisões prolatadas. Assim, tendo em vista o dano causado, o tempo de serviço do recorrente e a situação financeira da recorrida, fixa-se a indenização em R$ 50.000,00 (…)” (Acórdão nº 00178.016/96-9 RO, 3ª Turma, 14.09.98, Relator Juiz Mário Chaves).

 

Tenha-se em conta, ainda, que a hipótese trata de dano projetado a uma coletividade, atingindo indiretamente todo o meio social, com inegáveis efeitos nos critérios de fixação do valor da indenização. É que “nessas hipóteses de inequívoca gravidade não há de se falar unicamente em reparação em favor do grupo de pessoas ou comunidade lesada, no sentido de compensá-los pelo dano sofrido. (…) É imperioso, portanto, fazer o lesante apreender, pela sanção (em dinheiro) imposta, a força da reprovação social e os efeitos deletérios decorrentes da sua conduta. Somente assim é que se poderá atender ao anseio de justiça que deflui do sentir coletivo (…)” (Medeiros Neto, Xisto Tiago de. Op. cit., p. 164).

 

No caso dos autos, em consonância com a gravidade e repercussão do ato, bem assim com o fato do recorrente ter persistido com a contratação de menores de dezesseis anos mesmo após a notificação recomendatória 002/2008, do Ministério Público do Trabalho (fl. 22), além da natureza do princípio constitucional violado (o que faz somenos o fato de existirem apenas seis estagiários menores de dezesseis anos), entendo razoável o valor arbitrado.

 

Dou parcial provimento ao recurso ordinário para excluir da sentença a determinação de escrituração das CTPS dos menores e excluir da condenação o pagamento das diferenças salariais, aviso prévio indenizado, 13º salário, indenização de férias e multa de 40% do FGTS.

 

(…) FGTS.

 

RDT nº 11 – novembro de 2008

 

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