SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL – I

SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL – I

SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL

SÚMULA Nº 01

SUCESSÃO TRABALHISTA - ALIENAÇÕES DE ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DECORRENTES DA EXECUÇÃO DO PROER - PROGRAMA DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO - CARACTERIZAÇÃO (REQUISITOS)

Nas alienações de estabelecimentos bancários decorrentes da execução do PROER - Programa de Apoio à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema financeiro, caracteriza-se sucessão trabalhista (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo nas hipóteses em que o bancário não tenha prestado trabalho ao sucessor, sendo, outrossim, irrelevante a tal configuração o fato de a instituição sucedida não ter sido extinta, ou seja, de estar submetida a regime de liquidação extrajudicial.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

SÚMULA Nº 02

BANCÁRIO - CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS À DATA DA ADMISSÃO - EXEGESE DOS ARTIGOS 224 E 225 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento).

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

 

SÚMULA Nº 03

DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO DE REPOUSOS SEMANAIS - NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO - MATÉRIA DISCIPLINADA PELO ARTIGO 10 DO REGULAMENTO APROVADO PELO DECRETO Nº 27.048, de 12 DE AGOSTO DE 1949

As diferenças de remuneração de repousos semanais, decorrentes de horas extras, implicam o direito à complementação do pagamento de aviso prévio indenizado, férias, gratificação natalina e depósitos de fundo de garantia do tempo de serviço - FGTS, em razão da natureza salarial definida pelo artigo 10, caput, do regulamento aprovado pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949".

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

 

SÚMULA Nº 04

JUROS DE MORA - DEPÓSITO EM GARANTIA DO JUÍZO - EXEGESE DO ARTIGO 39, § 1º, DA LEI 8.177/91 - RESPONSABILIDADE DA PARTE EXECUTADA

Independentemente da existência de depósito em conta, à ordem do Juízo, para efeito de garantia, de modo a possibilitar o ingresso de embargos à execução e a praticar atos processuais subseqüentes, os juros de mora - que são de responsabilidade da parte executada - devem ser calculados até a data da efetiva disponibilidade do crédito ao exeqüente.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 04/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/06/2001

 

SÚMULA Nº 05

(Cancelado pela RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 003/2003 DOE/PE: 25.02.03)

CUSTAS PROCESSUAIS – PAGAMENTO – IMPOSIÇÃO À PARTE VENCIDA EM JULGAMENTO DE AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE

Tratando-se de espécie de tributo cuja exigência depende de previsão legal, e havendo os artigos 702, inciso I, alínea "g", e 789, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho sido revogados pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – conforme proclamado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.208-2, de que foi relator o Eminente Ministro Moreira Alves -, não há possibilidade de o magistrado trabalhista, em julgamento de ação de embargos de terceiro, condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 19/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/12/2001

SÚMULA Nº 06

FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO – FGTS – PRESCRIÇÃO

Durante a vigência do contrato de trabalho e até dois anos após a sua extinção, é trintenária a prescrição do direito de reclamar a efetivação dos depósitos do FGTS, relativamente às parcelas de natureza salarial percebidas pelo empregado.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

SÚMULA Nº 07

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS

Em consonância com o disposto no artigo 457 da CLT, a gratificação percebida habitualmente em razão do exercício de função tem natureza salarial e, por conseqüência, integra a base de cálculo das horas extras prestadas.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

 

SÚMULA Nº 08

GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – QUITAÇÃO EM PARCELAS MENSAIS

Inclusão na base de cálculo para remuneração das horas extras. A parcela denominada gratificação semestral, quando paga mensalmente, possui natureza salarial, consoante diretriz traçada no artigo 457, § 1º da CLT, integrando a base de cálculo das horas extras.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

SÚMULA Nº 09

TAXA ASSISTENCIAL – EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS – INEXIGIBILIDADE

É nula, por afrontar o princípio da liberdade sindical, a cláusula de instrumento normativo que obriga empregados não sindicalizados ao pagamento da taxa assistencial.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 10

MANDADO DE SEGURANÇA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE CRÉDITO –

Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT, bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 11

AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – COMPETÊNCIA FUNCIONAL

Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não extrapolem a sua circunscrição.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 15/2005  Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 12

CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS

Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e tolerada pelo Poder Público.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2008 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/01/2009

SÚMULA Nº 13

EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. ÍNDICE DE REAJUSTE

Ao empregado público, que adquiriu o direito à incorporação de gratificação pelo exercício de função comissionada, em razão do princípio da estabilidade financeira, assegura-se o reajuste salarial geral, mas não a vinculação aos mesmos índices e critérios de revisão aplicados à remuneração dos cargos e funções comissionados.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/08/2009

SÚMULA Nº 14

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA.

A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento, após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária aplicável a espécie.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009

SÚMULA Nº 15

HORAS DE PERCURSO. SUPRESSÃO MEDIANTE NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE

É inválida a cláusula de instrumento coletivo que suprime direito à remuneração das horas de percurso (artigo 58, § 2º da CLT).

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 12/2011 - 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011

(*) Republicada por haver saído com incorreção.

 

SÚMULA Nº 16

URB. PAGAMENTO DE QUINQUÊNIOS. SUPRESSÃO. LEGALIDADE DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL

A supressão do pagamento de quinquênios aos empregados da Empresa de Urbanização do Recife (URB), decorrente da revogação de dispositivo de lei municipal, mediante a incorporação dos valores até então pagos como vantagem pessoal nominalmente identificável, não configura alteração contratual ilegal.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 12/2011 - 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011

(*) Republicada por haver saído com incorreção.

 

SÚMULA Nº 17

AGRAVO DE PETIÇÃO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 897, § 1º, DA CLT

A exigência da delimitação justificada dos valores impugnados (artigo 897, § 1º, da CLT) dirige-se apenas ao 
executado, não se aplicando ao exequente, por ter como objetivo viabilizar a execução imediata da parte remanescente”.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 15/2011 - 3ª divulgação no DEJT EM 18/11/2011

 

 

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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 1

Revista do

Tribunal Regional do Trabalho

7ª Região

Doutrina    Provimentos    Jurisprudência    Decisões

Justiça do Trabalho

Ceará

Ano XXXII - Nº 32 - janeiro a dezembro de 2009

ISSN 1980-99132 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Revista do TRT da 7ª Região

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Impressão

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O Conteúdo dos artigos doutrinários publicados nesta Revista, as afirmações e os

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Desembargador José Antonio Parente da Silva - Diretor da EJTRT7

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B823r Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 7ª.

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.

Fortaleza: 7ª Região, Ano XXXII, nº 32 - jan./dez. 2009.

386 p.; 21cm.

Anual

ISSN 1980-9913

1. Direito _ Periódico I. CEARÁ. Tribunal Regional

do Trabalho da 7ª Região

CDD 340.05

CDU 34 (05) Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 3

DESCARTES GADELHA (Fortaleza-CE 1943)

Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas,

destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1963), “Pintores do

Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador-BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965),

“O Circo”, no Paço das Artes (São Paulo-SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países LatinoAmericanos”, na Casa do Congresso de Angostura (Caracas –Venezuela 1982). Obteve

prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza-CE 1964), no I e II Salões Nacionais

de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em

Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições,

destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro-RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo-SP 1968), Instituto Goethe (Salvador-BA 1974) e as expressivas mostras

“Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1986), “De um Alguém para

Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” - com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões,

além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio

Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no

Palácio da Abolição (Fortaleza-CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração

do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do

museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha

retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará,

sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.

Fonte: <http://www.casadoceara.org.br>

DESCARTES GADELHA, Preparando o chão, óleo sobre eucatex, 61cm x 76cm, 1982COMPOSIÇÃO DO TRT DA 7ª REGIÃO......................................................... 7

COMPOSIÇÃO DAS VARAS DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO .................. 9

DOUTRINA

“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM ESTÁ NO PASSADO” - JOSÉ ANTONIO

PARENTE DA SIlvA............................................................................................................19

“O FENÔMENO DA JUDICIAlIZAÇÃO DA POlÍTICA: TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONAlISMO” - EMMANUEl TEÓFIlO FURTADO E CARlOS HENRIqUE

DE ARAgÃO CAvAlCANTE..................................................................................................25

“A INTERNAlIZAÇÃO DAS CONvENÇÕES DA OIT COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS” - KONRAD SARAIvA MOTA ..........................47

“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO JUSTO AO ACRÉSCIMO

DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,

CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS, À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA” - RODOlFO PAMPlONA FIlHO E HERMANO FABRÍCIO OlIvEIRA

gUANAIS E qUEIROZ .........................................................................................................65

“A ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA COMO MECANISMO EFETIvO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E DE ACESSO À JUSTIÇA” - CARlOS HENRIqUE

BEZERRA lEITE.................................................................................................................87

“A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DAS RElAÇÕES TRABAlHISTAS”

- ElBA MARINA ÁlvAREZ FONTENElE .................................................................................91

“A TEORIA DO CONglOBAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DAS ClÁUSUlAS

NEgOCIAIS COlETIvAS FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABAlHO”

- CARlOS CAvAlCANTE MElO..........................................................................................107

PROVIMENTOS.........................................................................................................133

JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAIS SUPERIORES ............................................................................... 181

ACÓRDÃOS DO TRT DA 7ª REGIÃO

DESEMB. MANOEl ARÍZIO EDUARDO DE CASTRO ........................................... 197

DESEMB. JOSÉ RONAlD CAvAlCANTE SOARES ............................................... 206

DESEMB. lAÍS MARIA ROSSAS FREIRE ........................................................... 215

DESEMB. ANTONIO CARlOS CHAvES ANTERO ............................................... 222

DESEMB. ANTONIO MARqUES CAvAlCANTE FIlHO......................................... 233

DESEMB. DUlCINA DE HOlANDA PAlHANO ................................................... 244

Sumário6 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

DESEMB. JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SIlvA .................................................. 257

DESEMB. ClÁUDIO SOARES PIRES ................................................................. 264

JUÍZA CONvOCADA REgINA glAUCIA C. NEPOMUCENO ................................. 279

EMENTÁRIO DO TRT DA 7ª REGIÃO....................................................................... 289

DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA .................................................................................. 305

ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ............................................................ 369

ÍNDICES DE JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAIS SUPERIORES .................................................................................. 373

ACÓRDÃOS DO TRT 7ª REgIÃO ..................................................................... 377

EMENTÁRIO DO TRT 7ª REgIÃO .................................................................... 381Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 7

Composição do

Tribunal Regional do Trabalho

da 7ª Região

Des. José Antonio PArente DA silvA

Presidente

Des. CláuDio soAres Pires

Vice-Presidente

Des. MAnoel Arízio eDuArDo De CAstro

Des. José ronAlD CAvAlCAnte soAres

Des. lAís MAriA rossAs Freire

Des. Antonio CArlos ChAves Antero

Des. Antonio MArques CAvAlCAnte Filho

Des. DulCinA De holAnDA PAlhAno8 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 9

Composição das

Varas do Trabalho

da 7ª Região

VARAS DO TRABALHO DE FORTALEZA - CE

Jurisdição: Fortaleza

enDereço: FóruM AutrAn nunes

Ed. Dom Helder Câmara - Av. Tristão Gonçalves, 912 - Centro

CEP 60.015-000 - Tel.: (0xx85) 3308.5900

TITULARES

1ª VARA DO TRABALHO

Juiz JuDiCAel suDário De Pinho

2ª VARA DO TRABALHO

JuízA MAriA roseli MenDes AlenCAr

3ª VARA DO TRABALHO

JuízA MAriA José Girão

4ª VARA DO TRABALHO

Juiz PAulo réGis MAChADo Botelho

5ª VARA DO TRABALHO

JuízA rossAnA rAiA Dos sAntos

6ª VARA DO TRABALHO

Juiz PlAuto CArneiro Porto

7ª VARA DO TRABALHO

Juiz JeFFerson quesADo Júnior

8ª VARA DO TRABALHO

JuízA rosA De lourDes AzeveDo BrinGel

9ª VARA DO TRABALHO

Juiz João CArlos De oliveirA uChôA

10ª VARA DO TRABALHO

Juiz eMMAnuel teóFilo FurtADo

11ª VARA DO TRABALHO

JuízA ivâniA ArAúJo Férrer

12ª VARA DO TRABALHO

Juiz Antonio teóFilo Filho

13ª VARA DO TRABALHO

JuízA reGinA GláuCiA CAvAlCAnte nePoMuCeno

14ª VARA DO TRABALHO

Juiz DurvAl CésAr De vAsConCelos MAiA10 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE BATURITÉ

JurisDição: Acarape, Aracoiaba, Aratuba, Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga,

Itatira, Mulungu, Ocara, Pacoti, Palmácia, Paramoti e Redenção.

enDereço: Rua Major Catão, 450 - Mondego

CEP 62.760-000 - BaTuRiTé-ce - Fone/Fax: (0xx85) 3347.1332

titulAr

JuízA AlDenorA MAriA De souzA siqueirA

VARA DO TRABALHO DE CAUCAIA

JurisDição: Apuiarés, Caucaia, General Sampaio, Itapagé, Itapipoca, Paracuru, Paraipaba,

Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luiz do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu,

Umirim e Uruburetama.

enDereço: Rua Contorno Sul, S/N - Planalto

CEP 61.605-490 - caucaia-ce - Fone/Fax: (0xx85) 3342.2873/2334

titulAr

Juiz FrAnCisCo tArCísio GueDes liMA verDe Júnior

VARA DO TRABALHO DE CRATEÚS

JurisDição: Ararendá, Crateús, Hidrolândia, Independência, Ipaporanga, Ipueiras,

Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Nova Russas, Parambu, Poranga, Quiterianópolis,

Santa Quitéria, Senador Catunda, Tamboril e Tauá.

enDereço: Rua Hermínio Bezerra, 1655 - Planalto

CEP 63.700-000 - cRaTeús-ce - Fone/Fax: (0xx88) 3691.2040/2473

titulAr

Juiz roBério MAiA De oliveirARevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 11

VARA DO TRABALHO DE CRATO

JurisDição: Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Crato, Farias

Brito, Jardim, Nova Olinda, Potengi, Salitre e Santana do Cariri.

enDereço: Av. Perimetral Dom Francisco, S/N

CEP 63.101-000 - Crato-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3523.2707

titulAr

Juiz Clóvis vAlençA Alves Filho

VARA DO TRABALHO DE IGUATU

Jurisdição: Acopiara, Aiuaba, Arneiroz, Baixio, Cariús, Catarina, Cedro, Icó, Iguatu,

Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Mombaça, Orós, Piquet Carneiro, Quixelô,

Saboeiro, Tarrafas, Umari e Várzea Alegre.

enDereço: Rua José de Alencar, S/N

ceP 63.500-000 - iguaTu-ce - Fone/Fax: (0xx88) 3581.1971

titulAr

Juiz FrAnCisCo GerArDo De souzA Júnior

VARA DO TRABALHO DE JUAZEIRO DO NORTE

JurisDição: Abaiara, Aurora, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Granjeiro, Jati,

Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Penaforte, Porteiras.

enDereço: Rua José Marrocos, S/N - Centro

ceP 63.050-240 - Juazeiro do Norte-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3512.3277

titulAr

Juiz herMAno queiroz Júnior12 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO DO NORTE

JurisDição: Alto Santo, Ererê, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro

do Norte, Morada Nova, Pereiro, Potiretama, Quixerê, Russas, São João do Jaguaribe

e Tabuleiro do Norte.

enDereço: Rua Cândido Olímpio de Freitas, 1655 - Centro

ceP 62.930-000 - Limoeiro do Norte-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405

titulAr

Juiz sinézio BernArDo De oliveirA

POSTO AVANÇADO DA VARA DO TRABALHO

DE LIMOEIRO DO NORTE - ARACATI

JurisDição: Aracati, Fortim, Icapuí, Itaiçaba, Jaguaruana e Palhano.

enDereço: Rua Cel. Alexandrino, 503 - Centro

ceP 62.800-000 - Aracati-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405

titulAr

Juiz sinézio BernArDo De oliveirA

VARA DO TRABALHO DE MARACANAÚ

JurisDição: Guaiuba, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape e Pacatuba.

enDereço: Av. Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 80 - Colônia Antônio Justa

ceP 61.900-000 - Maracanaú-CE - Fone/Fax: (0xx85) 3371.2430/2963

titulAr

Juiz CArlos AlBerto trinDADe reBonAttoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 13

VARA DO TRABALHO DE PACAJUS

JurisDição: Aquiraz, Beberibe, Cascavel, Chorozinho, Euzébio, Horizonte, Pacajus e

Pindoretama.

enDereço: Av. Vice-Prefeito Expedito Chaves Cavalcante, S/N - Cruz das Almas

CEP 62.870-000 - Pacajus-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3348.0521/0228

titulAr

Juiz José henrique AGuiAr

VARA DO TRABALHO DE QUIXADÁ

JurisDição: Banabuiú, Boa Viagem, Canindé, Caridade, Choró, Dep. Irapuan Pinheiro,

Ibaretama, Ibicuitinga, Itapiúna, Madalena, Milhã, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Solonópole.

enDereço: Rua Tenente Cravo, 775 - Campo Velho

CEP 63.900-000 - Quixadá-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3412.0599

titulAr

JuízA MAriA DA ConCeição FerreirA MAGAlhães

VARA DO TRABALHO DE SOBRAL

JurisDição: Acaraú, Alcântaras, Amontada, Barroquinha, Bela Cruz, Camocim, Cariré,

Chaval, Coreaú, Cruz, Forquilha, Granja, Groaíras, Irauçuba, Itarema, Jijoca de Jericoacoara, Marco, Martinópole, Massapê, Meruoca, Miraíma, Moraújo, Morrinhos,

Mucambo, Pacujá, Santana do Acaraú, Senador Sá, Sobral e Uruoca.

enDereço: Av. Lúcia Sabóia, 500 - Centro

CEP 62.010-830 - Sobral-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3611.2500

titulAr

Juiz luCivAlDo Muniz FeitosA14 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE TIANGUÁ

JurisDição: Carnaubal, Croatá, Frecheirinha, Graça, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipu,

Pires Ferreira, Reriutaba, São Benedito, Tianguá, Ubajara, Varjota e Viçosa do Ceará.

enDereço: Rua Manoel da Rocha Teixeira, S/N - Planalto

CEP 62.320-000 - Tianguá-CE - Fones: (0xx88) 3671.3129/3975

titulAr

JuízA lenA MArCílio XerezRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 15

JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS

(Ordem de Antiguidade)

Marcelo liMa Guerra

Milena Moreira de SouSa

antônio GonçalveS Pereira

JoSé Maria coelho Filho

raFael Marcílio Xerez

Sandra helena BarroS de Siqueira

ana luíza riBeiro Bezerra

FranciSco antônio da Silva Fortuna

Kelly criStina diniz Porto

GerMano Silveira de Siqueira

lúcio Flávio aPoliano riBeiro

Konrad Saraiva Mota

Maria roSa de araúJo MeStreS

roSSana talia ModeSto GoMeS SaMPaio

MateuS Miranda de MoraeS

Suyane Belchior ParaiBa de araGão

laura aníSia Moreira de SouSa Pinto

chriStianne FernandeS carvalho dióGeneS

Fernanda Monteiro liMa verde

reGiane Ferreira carvalho Silva

daniela Pinheiro GoMeS PeSSoa

eliúde doS SantoS oliveira

FaBrício auGuSto Bezerra e Silva

Glaucia Maria Gadelha MonteiroDOUTRINA18 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 19

“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM

ESTÁ NO PASSADO”

José Antonio Parente da Silva

Desembargador Presidente do TRT da 7ª Região

e Diretor da Escola Judicial

“O trabalho da memória é conservar estas prodigiosas coisas,

defendê-las do desgaste banalíssimo do quotidiano, ciosamente,

porque talvez não tenhamos outra melhor riqueza.”

José Saramago

Nossas ações no campo da preservação da memória institucional

reiteram um senso de compromisso para além da faina administrativa, fomentando a geração de novos círculos de estudos e pesquisas apoiados na aliança

do pensamento e da ação concreta de preservação da história e memória do

judiciário trabalhista. A proposta, em curso, de instalação de um Núcleo de

Estudos e Pesquisas, alimentado pela ação da Biblioteca Aderbal Nunes

Freire, do Memorial e animados por nossa Escola Judicial expressam nossa

afeição pela cultura, com o evidente propósito de articular programa de gestão

e impulso ao conhecimento.

Entendemos que os passos ora ensaiados além de afirmar nosso

compromisso indicam alguns procedimentos sistemáticos e definição de

objetivos permanentes em nossa faina. Entre vários se destacam o fomento

à organização e posterior digitalização de fundos e coleções documentais

garantindo sua preservação e estimulando o amplo acesso; a realização de

exposições itinerantes e elaboração de materiais educativos para estimular

os estudos sobre o judiciário trabalhista em suas conexões com a história

social do trabalho no Brasil; a promoção do adequado tratamento técnico

dos acervos documentais e bibliográficos, observando as condições de preservação e  difusão das informações. É de se observar que o atual trabalho

de higienização, catalogação e descrição dos processos trabalhistas, enseja

vários desdobramentos no campo do estudo e da pesquisa, desde a ampliação

do repertório de fontes, à incorporação de fontes testemunhais apensas aos

processos, à publicação dos Inventários e edições fac-similares de documentos,

dossiês de pesquisa, exposições temáticas, suscitando também a realização

de dissertações e teses. E tudo isto com o propósito de promover amplo

acesso a estes documentos tanto ao cidadão em busca de direitos, quanto aos

pesquisadores comprometidos com a história social no Brasil.20 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Uma concepção renovada da pesquisa histórica no Brasil, articulada

aos trânsitos entre as disciplinas e em debate no campo da História Social requer um arcabouço de medidas e procedimentos no sentido da regulamentação,

da democratização do acesso, da definição de política pública de proteção,

preservação, atualização e divulgação de acervos. Afinal, “Documento recolhido e não organizado significa informação não disponibilizada, portanto,

inexistente”, como asseveram as reflexões produzidas no âmbito do Plenário

do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ.

Nossa tarefa é agora de incentivo, no âmbito da gestão documental,

à preservação e compartilhamento do patrimônio documental, em sintonia

com a defesa da memória como direito humano fundamental. No Brasil,

o direito de acesso à informação e à proteção aos documentos é ratificado

na Constituição Federal de 1988, em vários de seus Títulos. Seu artigo 216

(2007. p. 108), na seção II – DA CULTURA, preconiza:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens

de natureza material e imaterial, tomados individualmente

ou em conjunto, portadores de referência à identidade,

à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais

espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico

e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade,

promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,

por meio de inventários, registros,vigilância, tombamento

e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e

preservação.

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a

gestão da documentação governamental e as  providências

para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. [...]

§ 4º  Os danos e ameaças ao patrimônio

cultural serão punidos, na forma da lei.[...]

Neste ponto, ainda que longo, reproduzo a pertinente formulação

de (RANSOLIN; DECKER; OLIVEIRA, 2008, p. 128) em seus estudos

sobre gestão documental do Memorial da Justiça do Trabalho da 4ª Região:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 21

A Constituição Federal elenca como um dos pilares fundamentais da democracia o direito de acesso à informação

(art. 5º, XIV), já que a democracia é o regime do poder

visível, pois não tolera o poder que oculta ou o poder que

se oculta. E de nada adianta garantir o direito de acesso

à informação, se esta não é preservada, ou ainda, se

preservada, não está disponível ou em condições de ser

acessada, por não estar organizada de modo a possibilitar a

sua localização e a sua recuperação. O constituinte estava

atento a essas questões e não as deixou sem resposta, a fim

de que o direito de acesso à informação pudesse efetivamente ser concretizado no dia-a-dia dos cidadãos. Assim

é que elevou os documentos (onde as informações estão

contidas) à categoria de patrimônio cultural brasileiro

ao lado de outros bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

referência a identidade, a ação, a memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira, determinando

ao Poder Público a sua    promoção e proteção. Tamanha

a importância do direito de acesso à informação para o

regime democrático que o constituinte não parou por aí,

tendo se preocupado em especificar a forma pela qual

a proteção ao patrimônio documental brasileiro deveria

ser realizada. Determinou, então, caber à administração

pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a

quantos dela necessitarem.

Em sintonia com os preceitos constitucionais de 1988, é consabido

que a preservação dos documentos públicos é um direito dos cidadãos tanto

para a produção da prova quanto para a proteção da memória coletiva. Em

nosso caso, a discussão e os procedimentos adotados devem acontecer no

âmbito inclusive da nova redação que a Emenda 45 trouxe ao Artigo 114 da

Constituição Federal, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, o que

implica na observação de novos prazos prescricionais. Neste plano, atentese ainda aos pressupostos da Lei Federal 8.159 de 08 de janeiro de 1991 e à

Resolução 14 do CONARQ.

No judiciário trabalhista a discussão vigente sobre a preservação de

documentos como prova e como patrimônio histórico entende que já

não se trata simplesmente de uma atividade relacionada à

guarda e organização de “papel velho”, de processos sem

nenhuma utilidade. Estamos a pensar a responsabilidade

nossa, enquanto dever e não faculdade, de preservar,

do acautelamento quanto à guarda de nossos processos,

porquanto esses contam e recontam nossa história, na

apropriada formulação de Anita Lübbe, (2007) juíza titular

da Vara do Trabalho de Guaíba-RS. 22 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Sabe-se que o acesso aos documentos, demanda um trabalho continuado de nossa parte em articulação com as Universidades e Centros de

pesquisa e memória. Quanto maior a articulação entre os agentes públicos,

pesquisadores e cidadãos comprometidos com o direito à memória, o  acesso aos

documentos públicos será uma prioridade e um garante ao pleno do exercício

da democracia.

No mundo contemporâneo, em torno de 57 países adotam uma regulamentação apropriada cujo lastro fundamental é o direito à informação

em suas palavras chave: liberdade de expressão e comunicação. Ressalte-se

que, pelo menos desde o meado da década de 1960 do século XX, a noção

do direito à informação torna-se corrente no campo ampliado dos direitos

fundamentais. O que antes era privilégio, agora é direito. Dito de outra forma,

devemos trabalhar de modo  que a memória coletiva sirva para a libertação

e não para a servidão dos homens, como sublinha a máxima de Jacques Le

Goff, que em  epígrafe abre o capítulo do Memorial do TRT 7ª Região.

Essa breve introdução, pretende apenas ser um fio condutor para pensarmos e revisarmos antigos e sempre novos problemas relacionados entre si.

Proponho aqui uma reflexão sobre os termos da História e Memória enquanto

ferramenta possível de construção da cidadania. Um convite à reflexão, apoiado

na palavra de um historiador social de larga experiência na pesquisa em arquivos

do judiciário brasileiro, (CHALHOUB, 2008, p. 45):

A preservação é uma coisa que fazemos para o futuro, é

pensar grande, é pensar com generosidade e pensar na

importância de que se tenha a possibilidade de conhecer

histórias como essas, das Ações de Liberdade, para sempre,

se possível. Por que é isso que nos dá uma dimensão mais

clara, mais humana sobre as diversas configurações de uma

Nação, ou um grupo social. Vivemos em uma sociedade

que é extremamente injusta coerentemente injusta, durante

muitos séculos. Acredito que a única maneira de transformar realmente uma sociedade como essa depende de uma

democratização efetiva, e esta depende de certo direito

à memória, o direito ao passado, o direito das pessoas

conhecerem o sofrimento que essa sociedade impingiu a

si própria durante séculos. Porque nada vai mudar aqui se

não houver uma mudança de atitude geral. Essa mudança

de atitude só é possível com o conhecimento da História,

das diversas histórias. Esse acervo que a Justiça do Trabalho tem hoje em dia será, daqui a dois séculos, tão ou

mais valioso para as gerações futuras quanto o material

do século XIX que, por acaso, sobreviveu.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 23

Hoje, ao afirmar nossos compromissos,                 apoiados nas políticas pú-

blicas de acesso à informação, convidamos ao compartilhamento de ações

que visem à ampliação do mapa do conhecimento histórico no âmbito do

judiciário trabalhista. O TRT7 busca se construir como um lugar de história

e memória. Este o desafio, no Ano 10 do Memorial do TRT7.

Assim sendo, como suporte e incentivo às ações do Memorial, da

Biblioteca Aderbal Nunes Freire e em diálogo com a Escola Judicial se instala

no TRT 7ª Região um Núcleo de Estudos e Pesquisas da história e memória da

Justiça do Trabalho no Ceará. A idéia básica é constituir um espaço de fomento

ao estudo sistemático e à pesquisa, a partir das fontes históricas reunidas no

Memorial e Biblioteca - processos trabalhistas, carteiras de trabalho, fontes

iconográficas, impressas e objetos datados da década de 1920 e seguintes.

Nessa perspectiva de reconstituição e organização de  fontes históricas, do estímulo à produção de novos saberes, o Núcleo de Estudos e

Pesquisas do TRT 7ª Região, esforço compartilhado da Biblioteca, do Memorial e de nossa Escola Judicial, se desenha como lugar de contribuição

à história social no Ceará.

referências

CHALOUB, Sidney. Ações Cíveis Envolvendo Escravos no século XIX. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, 2., 2008,

Campinas, SP. Anais ... São Paulo, LTr, 2008. p. 45

CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da

Editora Revista dos Tribunais. 12. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007. p. 108.

MEMÓRIA e preservação de documentos: direitos do cidadão. Coordenado por Magda

Barros Biavaschi, Anita Lübbe e Maria Guilhermina Miranda. São Paulo: Ltr, 2007.

RANSOLIN, Antonio Francisco; DECKER, Elton Luiz; OLIVEIRA, Walter. Memorial

da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: pesquisa, divulgação e preservação

do acervo histórico. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO

TRABALHO, 2., 2008, Campinas, SP. Anais ... São Paulo, LTr, 2008.

SCHELLENBERG, T. R. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. 6. ed. Rio de

Janeiro: FGV, 2006.24 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 25

“O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:

TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E

CONSTITUCIONALISMO”

Emmanuel Teófilo Furtado

Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca - Espanha

Professor visitante da Universidade de Havre - França

Professor de Direito da Universidade Federal do Ceará

Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza

Carlos Henrique de Aragão Cavalcante

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará

RESUMO: Este artigo tem como objetivo estudar o fenômeno da judicialização da

política. A judicialização pode ser compreendida como a utilização do Poder Judiciário

como instância decisória de questões políticas. Em primeiro momento, analisaremos a

transformação que  a idéia de abstração e generalidade da lei, típicas de uma concepção

liberal, vem sofrendo diante da complexidade da sociedade contemporânea e sua face

multicultural. A atividade legislativa, caracterizada pela multiplicidade de interesses a

serem organizados, chega a consensos pela utilização de expressões abertas, conceitos

jurídicos indeterminados e dos legal standards.Juntamente com a “inflação legislativa”,

estas expressões de textura aberta corroboram para uma maior discricionariedade

judicial. O papel a ser desempenhado pelo judiciário na concretização dos programas

constitucionais, frente a inefetividade das instituições majoritárias,  pode ser visualizado

como uma tensão entre o constitucionalismo, entendido como uma técnica de limitação

do poder estatal e como um conjunto de procedimentos para o jogo democrático, e

a democracia, entendida como fonte de legitimidade do exercício do poder político

por meio das decisões majoritárias. Por fim, estudaremos como a nova Hermenêutica

Constitucional contribui para uma atividade judicial mais ampla, pela idéia de normatividade dos princípios, quando se cogita de uma criatividade na atuação do judiciário.

THE JUDICIALIZATION PHENOMENA OF POLITICS: TENSION BETWEEN

DEMOCRACY AND CONSTITUCIONALISM.

This article aims to study the phenomena of the judicialization of politics. This can

be understood as the utilization of the judicial power as a derisory sphere of politic

issues. In the first instance, examine the transformation of the idea of abstraction and

generality of the law, typical of a liberal concept, has undergone by the complexity of

contemporary society and its multicultural face. The legislative activity, characterized

by the multiplicity of interests to be organized, the consensus reached by the use of open 26 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

terms, uncertain legal concepts and the legal standards. Together with the ‘legislative

inflation’, these expressions of open texture support for greater judicial discretionarily.

The mission to be developed by the judiciary power at the constitutional programs

concretization, against the ineffective of the majority institutions, can be visualized

as a tension between the constitutionalism, understood as a limitation of the estate

power technique and as collaborative procedures for the democratic match, and the

democracy, understood as legitimacy of political power source by means of majority

decisions. Finally, we will study how the new constitutional hermeneutics contribute

for a more wide judicial activity, by the normative force idea of the principles, when

considering creativity on the judiciary actuation.

KEY-WORDS: Judicialization. democracy. power judiciary.

1 INTRODUÇÃO

Em uma sociedade complexa pós-industrial, o esquema rígido de tripartição das funções estatais apresenta-se como um modelo controverso, dada a

real função que o Poder Judiciário é chamado a desempenhar nas democracias

contemporâneas. Estaria o Judiciário legitimado a tomar decisões políticas,

com o intuito de garantir direitos fundamentais? Decisões com acentuado teor

político devem ser reservadas às esferas tradicionais das decisões majoritárias?

Atualmente, o Poder Judiciário se vê envolvido por questões deste tipo.

Nas palavras de Luis Roberto Barroso:

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos

foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário.

Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da

magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar

um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o

Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação

substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões

complexas acerca da extensão de seus poderes

1

.

O presente artigo tem o objetivo de analisar estas questões e seus desdobramentos.

2 FUNÇÃO JURISDICIONAL E VAGUEZA LEGAL

Afunção jurisdicional, atividade de pacificação social exercida pelo Poder

Judiciário, que substitui as partes envolvidas no conflito para solucioná-lo, é umRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 27

alicerce sobre o qual se ergue o Estado Democrático de Direito. Este Estado é

estruturado por um corpo normativo que possui qualidades de um sistema coerente e racional. Apesar disto, na praxe social, muitas vezes surgem ameaças e

agressões a direitos garantidos pelo ordenamento jurídico. É neste espaço que,

via de regra

2

, age o Poder Judiciário, recompondo a ordem antes estabelecida.

Assim, no esquema clássico da separação das funções estatais, estaria reservada ao Poder Judiciário a função de, em outras palavras, aplicar a lei ao caso

concreto, fazendo valer a prescrição da conduta que tinha sido prevista em lei.

A lei é identificada como uma norma genérica e abstrata que visa regular, de

forma universal, todos os casos nela previstos, por meio da subsunção legal.

Luis Roberto Barroso afirma:

O conhecimento jurídico tradicional, que se abebera nas

fontes romanas e tem como pontos culminantes a produção

científica de Savigny, no século passado, e de Hans Kelsen,

neste século, exibe como traços marcantes o formalismo e

o dogmatismo. O elemento básico na idéia de formalismo

é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolve

por via de um processo dedutivo, onde se colhe a norma

no ordenamento e faz-se a subsunção dos fatos relevantes

3

.

A codificação do Direito realizada pelas revoluções burguesas simboliza o auge da força política do poder legislativo, e tem como consequência

uma atuação judicial estreita exclusivamente aos limites da lei. A hermenêutica

mecânica, reduzindo a experiência jurídica à esfera normativa, fazia do magistrado um mero aplicador da lei. Esta posição hermenêutica era corroborada

pela estrutura de autoprodução do Direito, visto não como fato social, mas

apenas como um conjunto de normas positivadas “sob a forma de um aparato

conceitual depurado”

4

. Sói perceber que à atividade judicial não eram autorizadas as avaliações políticas

5

. Os códigos, portanto, tornavam-se impermeáveis

a qualquer tentativa de integração às transformações econômicas e sociais

6

.

A conceituação da jurisdição como função dirigida a fazer valer a vontade concreta da lei está ligada à idéia de lei como norma genérica e abstrata, à

nítida separação entre criação e aplicação do direito, e à idéia de diferenciação

entre aplicação e interpretação do direito.

Sobre a idéia de lei genérica e abstrata, Luis Guilherme Marinoni

afirma:

A idéia de lei genérica e abstrata, fundada pelo Estado

legislativo, supunha uma sociedade homogênea, composta por homens “livres e iguais” e dotados das mesmas28 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

necessidades. É claro que essa pretensão foi rapidamente

negada pela dimensão concreta da vida em sociedade,

inexoravelmente formada por pessoas e classes sociais

diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas

7

.

A passagem do Estado Liberal clássico para o Estado Social, representa

a mudança de orientação de uma atividade estatal que buscava a justiça formal

para um Estado que intenta alcançar uma justiça material.

Picardi afirma:

É sabido que, com a passagem do Estado liberal clássico

ao Estado social de direito, as tarefas dos magistrados

e dos aparelhos administrativos se multiplicaram. Mas

a ampliação desses aparelhos determinou, para além e

contra as intenções, um incremento dos poderes do juiz

8

.

Paulo Bonavides, sobre a transformação do paradigma do Estado Liberal

em Estado Social, esclarece:

O velho liberalismo, na estreiteza de sua formação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem

econômica das vastas camadas proletárias da sociedade,

e por isso entrou irremediavelmente em crise.

A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.Não dava nenhuma solução às contradições sociais,

mormente daqueles que se achavam à margem da vida,

desapossados de quase todos os bens

9

.

Ainda sobre a mudança do modelo de Estado liberal para Estado social,

Werneck et al, afirmam:

Dessas múltiplas mutações, a um tempo institucionais e

sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os poderes, como também a conformação

de um cenário para a ação social substitutiva à dos partidos

e a das instituições políticas propriamente ditas, no qual o

Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolu-

ção de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social

e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante

na pauta da facilitação do acesso à Justiça

10

.

O Estado, recebendo uma nova agenda política, necessita instrumentalizar suas ações de intervenção na sociedade para alcançar a igualdade material.

Neste sentido, o juiz assume papel social de distribuição da justiça material,

ampliando seu âmbito tradicional de atuação

11

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 29

O fenômeno do aumento das intervenções judiciais ocasionado pelo

surgimento do paradigma do Estado social é acelerado “pela patologia de uma

legislação oscilante entre a inflação emalgunssetores e a inatividade emoutros”

12

.

E ainda: com a velocidade dastransformaçõessociais numa época de “transnacionalização dos mercados de insumos, capitais, finanças e consumo”

13

o legislador

é levado cada vez mais a adotar técnicas legislativas flexíveis e elásticas.

Frente a este quadro, Marinoni afirma:

É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo

clássico – deixam de existir. A vontade legislativa, passa a

ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas

forças de pressão. A respeito, afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por

variáveis coalizões legislativas de interesse

14

.

Neste sentido Perelman afirma que os membros de um Parlamento,

possuindo pontos de vista dissonantes sobre as matérias a serem votadas,

“se esforçam em conciliar mediante compromissos, frequentemente obtidos

mediante fórmulas vagas, que permitem, por isso mesmo, interpretações

divergentes”

15

. Deste modo, o legislador faz uso dos conceitos-válvula, dos

legal standards, das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados.

Embora as distinções entre estas modalidades de abertura no corpo legislativo

sejam muito sutis e não tão claras, importa perceber que todas são técnicas

legislativas que transferem ao juiz decisões que o legislador não quis ou não

pode fazer. Todos esses elementos corroboram para a atividade integrativa do

judiciário, que necessita interpretar conceitos com textura aberta para prestar

a tutela jurisdicional.

A superação das técnicas clássicas de interpretação da lei pela visão da

Nova Hermenêutica Constitucional

16

, estruturada pela idéia de normatividade

dos princípios, torna favorável o ambiente acima descrito para o que se tem

chamado de juridificação

17

(judicialização ou juridicização) da política.

3 JUDICIALIZAÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS

O aumento relativamente desordenado da legislação ocasiona aquilo

que Nicola Picardi chamou de “época da decodificação”, contexto histórico

no qual a idéia do Direito como um sistema jurídico vai, paulatinamente,

sendo desgastada, por conta de alterações casuísticas, que agridem a sistemá-

tica tanto da legislação material, quanto da legislação processual (chamada 30 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

por Picardi de “códigos de rito”)

18

. Estas modificações casuísticas fornecem

a idéia de ‘inflação legislativa’, que é a multiplicação das leis, e também pode

ser compreendida como sua desvalorização.

Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o número de matérias, atividades e comportamentos regulados por textos legais, essa desenfreada produção

legislativa culmina, assim, na ruptura da organicidade,

da unidade lógico formal e da racionalidade sistêmica

do ordenamento jurídico e, por conseqüência, na perda

da própria capacidade de predeterminação das decisões

concretas por meio do direito positivo

19

.

Assim, a pluralidade de leis pode ocasionar, na prática, a falta de efetividade das normas jurídicas. Já a inatividade do legislador abre espaços que

tendem a ser supridos pela atuação judicial. Tanto a multiplicação desordenada,

quanto a inércia do legislador, favorecem o aumento da discricionariedade

judicial. Neste sentido, o vazio deixado pelos outros poderes é levado ao judiciário, e como este não pode eximir-se de julgar, decide questões cada vez

mais políticas, que extrapolam o modelo de lide interindividual.

O fenômeno da judicialização da política é paralelo ao da expansão

da discricionariedade judicial. Os dois têm em comum o fato de alargarem os

limites da intervenção judicial na sociedade, majorando os poderes dos juízes.

Sobre a compreensão do que venha a ser poderes do juiz, Picardi aponta

duas formas de abordar o tema:

O aumento dos poderes do juiz, a sua vez, pode ser considerado pelo menos de um duplo ponto de vista: poder

do juiz entendido como função, isto é poder de resolver

a controvérsia singular que lhe foi submetida; e  poder

dos juízes, entendido como estrutura ou instituição, isto

é, poder atribuído a um complexo de órgãos (a chamada

administração da justiça), em relação à organização compreensiva da sociedade

20

.

Nicola Picardi afirma que a discricionariedade judicial também é fortalecida pela ampla utilização dos chamados “recursos aos pronunciamentos

de urgência”. Em outras palavras, a tutela cautelar e antecipatória, isto é, as

tutelas de cognição sumária tendem a ocupar um lugar de destaque em relação

às tutelas de cognição plena

21

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 31

Dando especial ênfase ao direito processual, Picardi afirma que

ao longo do século XIX, foi se concretizando a idéia de um procedimento

único. Entretanto, no século XX, uma série de procedimentos especiais foi

sendo utilizada paralelamente ao procedimento ordinário, o que fez com que

o próprio procedimento ordinário se tornasse um procedimento residual.

Picardi afirma:

[...] no século XIX foi se afirmando não só a idéia de uma

jurisdição tendencialmente única para a solução de todas as

controvérsias, mas também uma vinculada a um tipo único

de processo: o processo ordinário, regulado pelo código

de rito [...] No século XX, em contrapartida, uma série de

procedimentos especiais foi progressivamente sendo posta

ao lado do ordinário, terminando por afastar o papel central

desempenhado por este último [...]

22

.

Picardi identifica nesta multiplicidade de normas processuais e de ritos

diferentes o aumento da possibilidade de solução dos conflitos, contribuindo

assim para uma maior discricionariedade judicial.

Até mesmo no direito civil, ramo do Direito de interpretação tradicional

23

, vê-se uma mudança, que aponta para uma abertura em relação a uma

ampliação da discricionariedade judicial, quando no Código Civil de 2002 foram

inseridas as cláusulas gerais

24

e a função social do contrato. Há uma abertura

para uma atividade judicial de ponderação, de proporcionalidade.

4 JUDICIALIZAÇÃO E TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO

A judicialização, isto é, o fenômeno de submeter ao judiciário questões

de acentuado teor político, é fortemente visualizada no controle jurisdicional

de constitucionalidade

25

. Por sua vez, este controle da adequação das leis e atos

normativos à Constituição aponta para uma tensão entre democracia e constitucionalismo. A democracia compreendida como decisão política majoritária,

e o constitucionalismo como uma técnica de limitação do poder estatal e de

guarda de direitos fundamentais.

A relação entre democracia e constitucionalismo é vista, por Hans

Kelsen, sob a perspectiva abaixo:

De fato, a existência de uma maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por conseqüência,

o direito da maioria pressupõe o direito a existência de 32 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

uma minoria. Disto resulta não tanto a necessidade, mas

principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra

a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial

dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos

por todas as modernas constituições das democracias

parlamentares

26

.

À democracia interessa conhecer a fonte e o modo pelo qual é possível

o exercício do poder político que se origina nas decisões da maioria

27

. Sabe-se,

entretanto, que a absolutização destas decisões majoritárias poderia levar a uma

agressão dos interesses de uma minoria. O constitucionalismo, delimitando o

campo de irradiação das decisões majoritárias, por excluir destes processos

decisórios um grupo de direitos inalienáveis, e por traçar as linhas mestras

dos procedimentos democráticos, torna-se uma concepção política que, neste

sentido, é um limite ao exercício absoluto da decisão da maioria.

O controle jurisdicional de constitucionalidade traz consigo a polêmica

do deslocamento das esferas de decisões políticas do parlamento e do executivo para o judiciário. Estaria o Poder Judiciário democraticamente legitimado

para rever os atos dos representantes do povo? E por outro lado: estariam os

representantes do povo legitimados constitucionalmente a decidirem fora dos

parâmetros das regras do jogo democrático?

Existem duas vertentes que buscam posicionar o papel a ser desempenhado pelo Judiciário neste contexto: a vertente procedimental e a vertente

substancial.

A vertente procedimental insere o Judiciário como agente institucional

que deve garantir as regras do processo democrático. Entende que o Judiciário

não está habilitado a tomar decisões substanciais em uma democracia, já que

a legitimidade da escolha das políticas públicas e da condução do Estado é

própria dos representantes eleitos do povo. Assim, para que a autonomia dos

cidadãos seja exercida, a participação do Judiciário deve resguardar-se a controlar e fiscalizar o processo democrático e a reequilibrar possíveis distorções.

E mais importante: deve-se construir canais de comunicação que permitam a

real participação dos atores sociais nas decisões democráticas.

Habermas ensina que, atualmente, o direito já não pode mais buscar

em bases argumentativas metafísicas a sua legitimidade, afirmando a superação das doutrinas metafísicas por uma doutrina democrática. Habermas

leciona: “Alegitimidade do direito positivo não deriva mais de um direito moral

superior: porém ele pode conseguí-la através de um processo de formação da

opinião e da vontade, que se presume racional”

28

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 33

Neste sentido, a justiça política está intimamente ligada às possibilidades reais do debate democrático, e o espaço público é meio necessário para

que as potencialidades lingüísticas possam ser desenvolvidas pelos cidadãos.

A importância deste locus democrático é tamanha que Ferry afirma: “[...] em

ultima análise, a justiça dependeria de uma liberdade de comunicação consistente, para que todo cidadão pudesse inscrever um tema de discussão pública

na ordem do dia da agenda política”

29

. A vertente procedimental compreende

que quando o Judiciário se abre para acolher e julgar demandas políticas, ele

colabora para uma idéia equivocada de cidadania. Pois, ao invés do cidadão

buscar resposta em meio às manifestações sociais, ele cria uma relação individualista de dependência com o Judiciário.

Para esta vertente, o espaço público é mais adequado para dar vazão

às demandas sociais. É bastante oportuna a afirmação feita por Ferry:

A idéia que se liga à persona latina, como também a seu

equivalente grego prosopon, é antes de tudo uma idéia

segundo a qual a personalidade se revela na luz pública.

[...] O público é o lugar privilegiado de expressão e de

revelação das características humanas, razão pela qual o

espaço público não é apenas um espaço dramatúrgico de

manifestação, mas é também um espaço ético de reconhecimento

30

.

A segunda vertente é chamada de substancial, por entender que o

Judiciário deve assumir postura ativa na defesa dos direitos fundamentais e

dos princípios constitucionais. Sendo pró-ativo na defesa dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, o Judiciário garante a inserção de minorias que não alcançam sucesso no processo

de representação eleitoral.

Nesta perspectiva, a Constituição traz um ideal de justiça a ser concretizado no tempo. A Constituição é compreendida como um processo político a

ser realizado. O Judiciário concorreria, portanto, para a implementação deste

ideal de justiça. A atuação do Judiciário em questões políticas não agrediria a

democracia, ao contrário, quando o Judiciário leva em consideração em suas

decisões princípios políticos maiores, inscritos no texto constitucional, ele

contribui para uma elevação do debate democrático, resguardando-o de meras

circunstâncias das decisões da maioria.

Dworkin, como representante desta vertente que preconiza uma atuação

judicial substancial, e não meramente procedimental, vê na defesa dos direitos

individuais a melhor justificação para uma atividade judicial nestes termos. A

idéia é que o Judiciário aja na defesa dos direitos individuais frente às deliberações majoritárias, quando estas sejam consideradas agressivas à igualdade

e à liberdade. Os juízes estariam autorizados a garantir direitos individuais, já

que estes impõem limites as decisões da maioria. 34 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Dworkin, entretanto, não afirma que o Judiciário deve imiscuir-se

quando a questão diga respeito a objetivos coletivos ou políticas públicas. No

fundo, as decisões judiciais neste contexto não são fundamentadas por meros

argumentos políticos, mas por princípios.

Dworkin afirma: “O Tribunal deve tomar decisões de princípio, não

de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema

constitucional, não decisões como se promove melhor o bem estar geral”

31

.

4.1 Judicialização e Jurisdição Constitucional

No Brasil, o controle jurisdicional da constitucionalidade é feito por

dois modelos: o controle difuso, onde qualquer juiz, em qualquer processo, pode

declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Por ser realizado em

casos específicos, esse modelo também é conhecido como controle concreto de

constitucionalidade. Este modelo foi criado a partir da decisão do caso Marbury

versus Madison

32

, em 1803, nos Estados Unidos. O outro modelo utilizado no

Brasil é o concentrado ou abstrato, idealizado por Hans Kelsen, e aplicado pela

primeira vez na Áustria. Este último modelo entrega o controle da constitucionalidade a um órgão que concentra o exercício da jurisdição constitucional.

Vê-se que o controle concentrado, quando atribui a um órgão a competência para avaliar a adequação das leis e atos normativos à Constituição, dando

uma natureza erga omnes às decisões proferidas nestes processos, na prática,

entrega um forte poder político a esse Tribunal, fazendo dele, ao menos num

nível teórico, um verdadeiro “guardião da Constituição”

33

.

O modelo austríaco de controle jurisdicional da constitucionalidade

permite que um órgão, na maioria das vezes composto por sujeitos que não

foram eleitos democraticamente, reveja os atos do Parlamento, e até mesmo,

caso o órgão considere determinada lei inconstitucional, retire-a do ordenamento

jurídico. Com o intuito de defender a supremacia da Constituição, o órgão

competente, quando chamado a se pronunciar, pode extirpar do ordenamento

jurídico um ato legislativo que passou por todas as fases procedimentais, e que,

ao final delas, foi considerada apta pelo parlamento para produzir seus efeitos,

regulando a matéria em questão.

A ação direta de inconstitucionalidade é um instrumento bastante utilizado para realizar o controle jurisdicional da constitucionalidade. Os dados

estatísticos mostram que de 1988 até 2009 foram distribuídas 4.217 (quatro

mil duzentas e dezessete) ações diretas de inconstitucionalidade

34

.

Ernani Rodrigues de Carvalho apud Tate aponta condições políticas

para o surgimento da judicialização, quais sejam: democracia, separação dos

poderes, direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesses, o uso

dos tribunais pela oposição, isto é, pelos partidos de oposição, e a inefetividade

das instituições majoritárias

35

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 35

Argumentando em relação ao uso dos tribunais pelos grupos de interesse, Carvalho afirma:

A judicialização da política é um processo que se alimenta

dos interesses econômicos e sociais centrais, que por sua

vez estruturam o sistema político. De fato, o desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos

políticos, foram mais propriamente obra de pressões e lutas

das organizações sociais, sejam elas movimentos sociais

ou grupos de interesse, do que obra de devoção de autores

altruístas. Portanto, os grupos de interesse passam a considerar e/ou utilizar a possibilidade de veto dos tribunais

na realização de seus objetivos

36

.

Os dados estatísticos disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal

mostram que, de 1988 até 2009, as Confederações Sindicais ou Entidades de

Classe de âmbito nacional foram autoras de 920 (novecentas e vinte) Ações

Diretas de Inconstitucionalidade

37

.

A utilização da jurisdição constitucional pelos partidos políticos é

assim explicada por Carvalho: “Os partidos de oposição, não podendo barrar

as alterações realizadas pela maioria, utilizam-se dos tribunais para frear,

obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações em curso”

38

. Os partidos

políticos impetraram, de 1988 até 2009, 752 (setecentas e cinqüenta e duas)

Ações Diretas de inconstitucionalidade

39

.

A defesa radical da Constituição pode cristalizar as aspirações polí-

ticas de uma nova geração. Assim, o reconhecimento de que a Constituição

é um amplo leque de consensos políticos e de que é um instrumento que é

construído ao longo do tempo, dá ensejo a críticas ao controle jurisdicional da

constitucionalidade como atribuição dada a um órgão pretensamente imparcial

nas disputas políticas.

Neste sentido, Gilberto Bercovici afirma:

A normatização unilateral da constituição gerou sua dessubstancialização, ignorando este seu caráter político. O

entendimento da constituição exclusivamente como norma

jurídica provocou a ampliação das questões versando sobre

interpretação e aplicação do direito constitucional, hoje no

centro do debate constitucional. A jurisdição constitucional,

assim, assumiu a pretensão de reduzir e concentrar nela

toda a problemática da teoria da constituição, abandonando

questões centrais como a da democracia

40

.

Para Bercovici, a falta de compreensão histórica e política da Constitui-

ção, como uma pretensão de eternidade, é resultado da visão do constitucionalismo liberal

41

. E completa afirmando: “O princípio legitimador da constituição

é a democracia em sua dimensão material, não apenas procedimental”

42

. 36 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Dando seguimento à crítica da concepção formal e apolítica do constitucionalismo liberal, Bercovici afirma:

A tentativa de congelar as aspirações democráticas para

salvaguardar as aquisições liberais das constituições,

segundo Palombella, gera a distorção de tornar o constitucionalismo o árbitro último de um conflito no qual é

parte. Esta prevalência do constitucionalismo retira força

da democracia. A neutralidade das constituições é ilusória

e o constitucionalismo não deve ter nenhuma primazia

ideológica que não o obrigue a ser continuamente colocado

à prova na esfera democrática

43

.

Mesmo atento para as críticas que mostram na judicialização um

fenômeno que esvazia determinadas esferas democráticas, tornando os

tribunais instâncias privilegiadas de decisão política, é necessário, no entanto, rever a condição apontada linhas atrás como uma das causas para o

desenvolvimento da judicialização: a inefetividade das instituições majoritárias. Inefetividade no sentido de “incapacidade dessas instituições de

dar provimento às demandas sociais”

44

.

Estas demandas sociais se tornam ainda mais exigíveis frente às Constituições dirigentes com suas normas programáticas

45

, especialmente porque não

há mais que se questionar acerca da juridicidade, portanto da força jurídica, que

os programas constitucionais possuem em face de todos os Poderes do Estado,

mormente o Executivo e o Legislativo.

Oscar Vilhena Vieira assim se expressa acerca das Constituições

dirigentes:

Além da organização e separação de poderes e de uma

carta de direitos civis e políticos, as constituições elaboradas neste século trazem, em geral, uma série de direitos

sociais, econômicos, culturais, e até ambientais [...] As

constituições “dirigentes” além de organizar as clássicas

atribuições do Estado liberal, buscam criar condições de

realização de uma justiça substancial, que reside em tra-

çar procedimentos justos voltados a assegurar resultados

igualmente justos

46

.

A legitimidade destas Cartas Políticas reside na construção de uma sociedade permeada por uma justiça material. Assim, a atividade estatal necessita

estar embasada por esta concepção de justiça social e econômica. A construção Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 37

desta sociedade por meio de um ideal de justiça realiza-se paulatinamente, e

deve contar com a essencial participação dos Poderes Executivo e Legislativo.

Esclarecendo o tema, Vieira escreve:

Para que esses direitos possam ser efetivamente atendidos, as constituições “dirigentes” impõem ao legislador

e ao governante uma série de diretrizes e programas que

vinculam, em maior ou menor medida, a atuação desses

agentes, objetivando criar as condições materiais necessá-

rias para a efetiva fruição dos direitos expressos no texto

constitucional

47

.

E se o Executivo, na concretização das políticas públicas, não garante

direitos assegurados constitucionalmente? A ineficácia de um governo, entretanto, não pode ser considerada uma mera questão de opinião pessoal. Mas a

questão é que, nos países em desenvolvimento, a carência de políticas públicas

direcionadas a garantir as condições mínimas de existência é fato notório. Assim,

os atores sociais direcionam suas demandas ao Poder Judiciário. E este, não

podendo se negar a decidir as questões que lhe foram apresentadas, tendem a

pôr um fim no conflito, sendo que solução para este conflito deveria ter sido

apresentada nas esferas ordinárias do debate democrático, isto é, no âmbito

propriamente político.

5 JUDICIALIZAÇÃO E NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Como afirmado no início do artigo, a hermenêutica jurídica clássica,

vinculada ao positivismo, não estava preparada para cumprir satisfatoriamente

seu papel frente à valorização da Constituição como elemento integrador da

sociedade.

Como exposto acima, os princípios constitucionais são a estrela guia

para todo o ordenamento. Nos ensinamentos de GlaucoBarreira: “[...] os cânones

tradicionais da hermenêutica foram concebidos para a interpretação de normas

com estrutura de regras e, principalmente, para as normas de direito privado”

48

.

Vale lembrar que os princípios constitucionais nem sempre foram

considerados normas jurídicas, tendo sua juridicidade questionada. A discussão

sobre a juridicidade dos princípios constitucionais foi superada, no sentido de

considerá-los normas com força jurídica. Nas palavras de Paulo Bonavides:

[...] aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade,

ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que, pelo discurso metodológico, a norma

é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual

as espécies vêm a ser o princípio e a regra.

4938 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Percebe-se, portanto, que para a nova hermenêutica, as regras possuem

estrutura diferente da que possuem os princípios. Os princípios podem ser distinguidos das regras por três critérios: quanto ao conteúdo, quanto à estrutura

normativa e quanto às particularidades de aplicação

50

. Em relação ao primeiro

critério, os princípios trazem uma decisão política, como uma espécie de objetivo coletivo, de modo que a generalidade é sua tônica mais marcante; já as

normas, traçando uma conduta, têm caráter específico. Quanto à aplicação, os

princípios importam uma interpretação mais profunda, levando em consideração

fortes valorações morais; as regras têm interpretação mais simples. Quanto às

particularidades de aplicação, as regras aplicam-se sob a forma do “tudo ou

nada”, enquanto os princípios aplicam-se proporcionalmente. A aplicação de

um princípio não significa a exclusão dos demais.

Sobre o assunto, Habermas escreve:

Normas diferentes não podem contradizer umas às outras,

caso pretendam validade no mesmo círculo de destinatá-

rios; devem estar inseridas num contexto coerente, isto é,

formar um sistema. Enquanto valores distintos concorrem para obter a primazia; na medida em que encontram

reconhecimento intersubjetivo no âmbito de uma cultura

ou forma de vida, eles formam configurações flexíveis e

repletas de tensões

51

.

O filósofo alemão prossegue:

Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro

lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;

em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta

ou relativa, e, em quarto lugar, através dos critérios aos

quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve

satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades

lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira

52

.

Para Habermas, nos trechos acima, as “normas” estão no sentido de

regras, e os “valores” apresentam-se nos princípios.

A chamada “colisão de princípios” deriva do caráter dialético da

constituição, no sentido de ser a Constituição um instrumento unificador de

uma sociedade múltipla. Além disso, a Constituição é a norma maior na qual

se projetam as realizações de uma sociedade em transformação. É como se a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 39

Constituição, principalmente por meio de seus princípios, balizasse a efetivação

dos projetos de reestruturação social. Esta compreensão pode ser utilizada em

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decisões judiciais que se arvorem numa condição ativa de construção de uma

justiça idealizada pela Constituição.

Esfera interessante para a distinção entre princípios e regras é a da

colisão de princípios e a do conflito de regras. Paulo Bonavides, apud Robert

Alexy, nos ensina:

[...] os conflitos de regras – assevera o eminente jurista –

se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a

colisão de princípios, visto que somente princípios válidos

podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade,

ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor

53

.

Os métodos da hermenêutica jurídica clássica permanecem sendo utilizados. A diferença é que, no pós-positivismo, as espécies de normas jurídicas

chamadas de princípios não comportam um esquema fechado de interpretação.

A nova hermenêutica traz um método novo, caracterizado pelo aspecto aberto,

dialógico e pragmático. A generalidade de algumas normas constitucionais possibilita a abertura para o contato com as transformações sociais, principalmente

numa sociedade pós-industrial

54

, plural e que,  instrumentalizada pela tecnologia

da informação, forma novas redes de interações sociais constantemente

55

. Pelo

aspecto dialógico, os problemas devem ser resolvidos com base em uma argumentação viabilizada por uma pré-compreensão do tema, estando, assim, em

consonância com a inteligência de uma teoria discursiva do Direito. O ponto

pragmático liga o intérprete à responsabilidade de produzir um julgamento ou

mesmo de realizar a escolha executiva buscando dar a maior efetividade possível

às normas constitucionais, produzindo, deste modo, resultados eficientes no

processo de aplicação do Direito. Como se percebe, a característica dialógica

e pragmática, bem como o aspecto aberto na interpretação da constituição,

contribuem para uma maior discricionariedade na decisão judicial, como instrumentos hermenêuticos subjacentes ao fenômeno da judicialização.

Aqui, levanta-se a questão sobre a existência de certa criatividade judicial. Até que ponto pode-se compreender a função jurisdicional não apenas

como uma concretização da vontade da lei, mas como criação de uma norma

que regerá um caso específico? Pelos métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, parece difícil negar que a atividade judicial não guarda um elemento

de criatividade.

O exato nível de criatividade judicial não está claro. Segundo Cappelleti:

Trata-se [...] de problema que não pode se resolver com um

claro sim ou não à criatividade dos juízes. Tal criatividade

– ou, para ser preciso, alto grau de criatividade, pois bem

vimos como se trata essencialmente de problema apenas

de natureza quantitativa – pode ser benéfica ou maléfica,40 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

segundo as muitas circunstâncias contingentes, de tempo

e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada

sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização

e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de

magistratura que exercem tal criatividade

56

.

A superação do paradigma de aplicação da lei advinda do estado Liberal

promove um campo fértil para uma atividade judicial de construção de sentido.

Neste sentido, Habermas afirma:

O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras

décadas do século XX, um consenso de fundo muito difundido entre os especialistas m direito, preparando, assim, um

contexto de máximas de interpretação não questionadas

para a aplicação do direito. Essa circunstância explica

por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado

a seu tempo, sem o recurso a princípios necessitados de

interpretação ou a “conceitos-chave” duvidosos. De fato,

toda ordem jurídica que se justifica, a partir de princípios,

depende de uma interpretação construtiva [...]

57

.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste estudo, a conclusão que nos ocorre é a de que para a

compreensão do fenômeno da judicialização, devemos levar em consideração,

principalmente, três elementos: o surgimento do paradigma do Estado Social,

o Welfarestate; a superação da subsunção como técnica mecânica de aplicação

da lei pelos instrumentos abertos da Nova Hermenêutica Constitucional; e a

realidade da ineficiência das instituições políticas que deveriam assegurar a

prestação de serviços públicos. Estes três elementos contribuem especialmente

para que os atores sociais busquem assegurar, junto ao Poder judiciário, a frui-

ção de seus direitos. Além disto, também concluímos que o envio de questões

eminentemente políticas para o judiciário, principalmente por meio da jurisdição

constitucional, cria uma tensão entre democracia e constitucionalismo. Para alguns, a democracia deve guiar as decisões políticas e não caberia ao Judiciário

intervir nestas esferas de decisões majoritárias. Entretanto, na realidade de países

em desenvolvimento, onde as políticas públicas não atingem os objetivos constitucionais, o Poder Judiciário quando chamado a decidir, pode garantir aos atores

sociais a fruição de seus direitos fundamentais. Para tanto, fundamentado nos

métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, os juízes, em casos específicos,

possuem certa liberdade de decisão. Assim, o judiciário não simplesmente aplica

a vontade da lei, mas exerce certa criatividade. Esta criatividade está, contudo,

limitada pelos parâmetros dos princípios constitucionais.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 41

ciTações

 

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1

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito

(o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de direito administrativo,

n. 240. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

2

Uso a expressão “via de regra”, pela polêmica em torno da jurisdição voluntária. Pois,

neste caso, não há necessariamente agressão a direito, nem reparação da ordem, pois

não houve violação de direito. Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de

Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001.

3

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos

de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 277.

4

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4

a

tiragem. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 45.

5

“O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acentuado grau

de auto-suficiência. Rigorosamente separado da política, não se inclui na sua esfera

própria de atuação qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das

leis”. BARROSO, op. cit., p. 277.

6

In ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São

Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.

7

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Trinunais, 2008, p. 42.

8

PICARDI, op. cit., p. 13.

9

BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008, p. 188.

10

WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel

Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das

Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22.

11

“[…] a ampliação do âmbito da jurisdição [...] deita suas raízes, como se disse, na

passagem do Estado liberal clássico para o Estado social de direito [...]”. PICARDI,

op. cit., p. 11.

12

PICARDI, op. cit., p. 13.

13

FARIA, op. cit., p. 13.42 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

14

MARINONI, op. cit., p. 43.

15

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 52.

16

A Nova Hermenêutica Constitucional está ligada ao pós-positivismo como uma nova

forma de compreensão do Direito que supera a metafísica jusnaturalista e o esvaziamento

axiológico do formalismo positivista. Intimamente harmonizada com a valorização da

Constituição, a Nova Hermenêutica Constitucional dá especial tratamento aos princípios

constitucionais, conferindo-lhes força jurídica vinculante e tornando-os a base para a

unidade e interpretação das leis.  Na lição de Paulo Bonavides in Curso de Direito

Constitucional, p. 231: “Os princípios, uma vez constitucionalizados,se fazem a chave

de todo o sistema normativo”.

17

Segundo FARIA in O Direito na Economia Globalizada, p. 134, “o termo Verrechtlichung

(juridificação) surgiu na Alemanha, durante a República de Weimar, por iniciativa de

autores como Ernnst Fraenkel, Otto Kircheimer e Franz Neumann [...]”.

18

“A nossa época, como já acenei, foi definida como a época da decodificação [...]

Tal fenômeno também ocorreu com os códigos de rito [...].” PICARDI, op. cit., p. 3.

19

FARIA, op. cit., p. 117.

20

PICARDI, op. cit., p. 12.

21

“A título de exemplo, basta recordar como na justiça civil o recurso aos pronunciamentos de urgência se tornou agora muito freqüente, e as medidas cautelares ou

antecipatórias tendem a definir a controvérsia”. In PICARDI, op. cit., p. 15.

22

PICARDI, op. cit., p. 4.

23

“O tradicional operador do direito civil é, por excelência, um conservador. Ainda

inspirado na noção napoleônica de um código civil como ‘Constituição do cidadão’,

manuseia suas páginas com espírito recluso. Visualiza o direito privado de modo hermético e acredita que a carta constitucional é algo que não lhe afeta”. In ROSENVALD,

Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.

24

“Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente,

definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim, como ponto de referência

interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”. In ROSENVALD apud Gustavo Tepedino,

op. cit., p. 160.

25

“Tomando como fonte de inspiração o critério de sistematização proposto por

Clèmerson Merlin Clève, podem-se classificar os sistemas de controle da constitucionalidade da seguinte forma: a) o modelo inglês de ausência de fiscalização da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 43

constitucionalidade [...] b) o modelo francês de controle político e preventivo da

constitucionalidade [...] c) o modelo de jurisdição constitucional difusa, de origem

norte-americana [...] d) o modelo de jurisdição constitucional concentrada, desenvolvido a partir da matriz austríaca [...]”. In BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição

Constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 42.

26

KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 67.

27

“Que o princípio da maioria é largamente utilizado como técnica de tomada de decisão

coletiva não resta dúvida. No entanto, cabe indagar se um critério quantitativo pode dar

fundamento qualitativo a uma decisão coletiva, ou mesmo, preliminarmente, se há fundamento qualitativo para justificar o princípio da maioria. Distinguimos pelo menos quatro

linhas de fundamentação: a) o argumento conoscente; b) o argumento contratualista;

c) o argumento axiológico e d) o argumento exclusivamente utilitarista.” MATOS, Nelson

Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao Estado Democrático

Liberal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.

28

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 2, p. 317.

29

FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função

última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus,

2007, p. 88.

30

FERRY, op. cit., p. 83.

31

DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 101.

32

Vale a pena conhecer a sinopse da história: “Derrotado porThomasJefferson na eleição

presidencial, o então Presidente John Adams nomeou diversos de seus correligionários

do Partido Federalista como juízes federais, entre os quais se encontrava Wiliam Marbury. O próprio Marshall, secretário de Estado de Adams, havia sido nomeado, com

aprovação do Senado, Chief Justice da suprema Corte, algum tempo antes. O título de

nomeação de Marbury não lhe foi entregue a tempo, sendo sua nomeação suspensa por

determinação do novo presidente Thomas Jeferson ao seu Secretário de Estado James

Madison. Marbury acionou Madison exigindo informações, num primeiro momento.

Não sendo fornecida nenhuma explicação, impetrou uma nova ação, writ of mandamus,

com o objetivo de alcançar a nomeação. O tribunal adiou por mais de dois anos a decisão,

o que gerou uma forte reação contra os juízes. Finalmente, ao anunciar a decisão da

Suprema Corte, Marshall destacou duas questões: Jefferson não tinha o direito de negar

posse a Marbury. Porém a Suprema Corte não poderia conceder o writ of mandamus,

requerido por Marbury, pois esta competência que lhe havia sido atribuída pela seção

13 do judiciary Acta de 1789 era contrária à Constituição, na medida em que alargava

as competências constitucionais originalmente estabelecidas para a Suprema Corte. A

Corte não poderia se utilizar de uma atribuição, ainda que conferida pelo parlamento,

quando incompatível com a Constituição”. In VIEIRA, Oscar Vilhena, op. cit., p. 43.44 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

33

Expressão utilizada pela Carta Política de 1988 para designar o Supremo Tribunal

Federal.

34

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adi>.

35

Cf. CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Juicialização: apontamentos

para uma nova abordagem. In Rev. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.

36

CARVALHO, op. cit., p. 118.

37

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.

38

CARVALHO, op. cit., p. 119.

39

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.

40

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.

41

Ibid., op. cit., p. 16.

42

Ibid., op. cit., p. 17.

43

Ibid., op. cit., p. 17.

44

CARVALHO, op. cit., p. 120.

45

“As constituições contemporâneas não se limitam às regras clássicas do constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX. Trazem uma vasta estrutura de normas diretivas e

programáticas e criam alterações extremamente importantes no quadro tradicional do

controle da constitucionalidade”. In VIEIRA, op. cit., p. 31.

46

VIEIRA, op. cit., p. 32.

47

Ibid., op. cit., p. 32.

48

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da

Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004, p. 61.

49

BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 248.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 45

50

Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:

Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004.

51

HABERMAS, op. cit., v. 1, p. 317.

52

Ibid., p. 317.

53

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 251.

54

Cf. MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora

Senac, 1999.

55

Cf. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura.

10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.

56

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1993.

57

HABERMAS, op. cit., p. 313.

ReFeRências

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos

de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

BONAVIDES, Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008.

____________. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000.

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1993.

CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Judicialização: apontamentos para

uma nova abordagem. In Ver. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 10.

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FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4

a

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Malheiros, 2004.

FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus, 2007.

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de

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MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da

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MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora Senac,

1999.

MATOS, Nelson Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao

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PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

PICARDI, Nicola. Jurisdição e Processo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.

ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2005.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel Palácios

Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das Relações

Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 47

“A INTERNALIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES DA OIT

COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE

DIREITOS HUMANOS”

Konrad Saraiva Mota

Juiz do Trabalho junto ao TRT 7ª Região

(Aprovado em 1º Lugar no Concurso Público de 2006)

Ex-Juiz do Trabalho junto ao TRT da 14ª Região

(Aprovado em 4º Lugar no Concurso Público de 2004)

Juiz Coordenador dos Leilões Judiciais junto ao

TRT da 7ª Região desde 2008

Membro da Ordem Alencarina do Mérito Judiciário Trabalhista

no grau de Oficial desde 2009

Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho

da Universidade de Fortaleza – UNIFOR desde 2007

Professor Colaborador da Escola da Magistratura do Trabalho da 7ª Região

Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exame da OAB

SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais; 2 Direitos Humanos: definição, caracterização

e classificação; 3 Organização Internacional do Trabalho – OIT: criação, desenvolvimento e finalidade; 4 Convenções da OIT como espécies de tratados internacionais

sobre direitos humanos; 5 Internalização das normas concebidas perante a OIT a partir

da perspectiva de que compreendem tratados internacionais sobre direitos humanos;

6 Considerações Finais.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Sabe-se que a República Federativa do Brasil, na condição de Estado

soberano, pacífico e democrático, regendo-se nas suas relações internacionais

pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Art. 4º, IX,

CF), busca integração ativa na comunidade internacional, mormente através da

participação em organismos multilaterais, capazes de congregar outros Estados

igualmente soberanos com vistas ao desenvolvimento compartilhado.

Dentre tais organismos destaca-se a Organização Internacional do Trabalho - OIT, criada pela Conferência de Paz em 1919, como componente da antiga

Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII do Tratado

de Versailles e cuja competência, no dizer de Arnaldo Süssekind

1

, destina-se a

tratar “de questões que visem à justiça social, no seu mais largo conceito, tendo

em vista o processo material e espiritual do ser humano, em condições de liberdade e dignidade, com segurança econômica e iguais oportunidades”.48 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

O Brasil, como membro da OIT desde a sua fundação, há muito se

depara com os preceptivos decorrentes das convenções oriundas do referido

Organismo Internacional, internalizando seus textos e fazendo ingressar suas

normas no Ordenamento Jurídico nacional.

Portanto, tem-se que o convívio das normas jurídicas brasileiras com

os textos internacionais concebidos no âmbito da OIT não é fenômeno recente,

já tendo sido, inclusive, objeto de vários e abalizados estudos.

Ocorre que, a despeito dos fatores históricos que culminaram com a

própria criação do citado organismo internacional trabalhista – o que por si só

já justificaria o conteúdo humanizado de seus preceptivos – é raro na Doutrina

o reconhecimento de que as normas trazidas pelos instrumentos celebrados

junto à OIT consagram verdadeiros direitos humanos e, como tais, dotados de

valorosa universalidade, cuja internalização desafia olhares mais cuidadosos,

especialmente no que tange à possibilidade de ostentarem patamar eminentemente constitucional e, por conseqüência, status de Direitos Fundamentais.

Sob essa perspectiva, passam a surgir inquietações relacionadas à

internalização das normas da OIT a partir da promulgação da Constituição

Federal de 1988 que, em seu art. 5º, § 2º, instituiu cláusula aberta concernente

aos direitos e garantias fundamentais, não excluindo outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a

República Federativa do Brasil seja parte.

Tais inquietações sobressaem ainda mais relevantes diante da inovação

trazida pela Emenda nº 45/2004, que, ao inserir o § 3º no art. 5º constitucional,

permitiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,

desde que aprovados por maioria qualificada perante o Congresso Nacional,

subam a degrau formalmente constitucional, adquirindo, com isso, a rigidez

inerente ao texto maior frente às casualidades que tão freqüentemente costumam

abalar os alicerces democráticos.

Com efeito, tratar sobre a internalização dos preceitos concebidos

perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, partindo-se da premissa de que os mesmos veiculam direitos humanos e que, em virtude disso,

podem assumir caráter de normas material e formalmente constitucionais,

compreende estudo da mais alta relevância que por certo não se encerra do

presente ensaio.

Este trabalho, ao enfrentar a temática acima disposta, iniciará buscando definir e caracterizar os direitos humanos, diferenciando-os, tecnicamente,

dos direitos fundamentais, segundo consagrada Doutrina.

Em seguida, traçará considerações acerca da criação, desenvolvimento

e atuação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, reconhecendo-a

como organismo multilateral paritário, destacado pela preocupação com

direitos sociais e econômicos dos Países que a integram.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 49

Mais adiante, tentará demonstrar que os direitos veiculados nas normas trazidas pelos textos internacionais produzidos junto à OIT integram o rol

de direitos humanos, o que acaba por transformá-los em verdadeiros tratados

internacionais sobre direitos humanos.

Finalmente, serão estudadas questões relacionadas à internalização das

normas concebidas perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, sob a

óptica de que se está diante de tratados internacionais sobre direitos humanos,

passíveis de assumir patamar constitucional. Não será olvidado, ademais, o

enfrentamento das polêmicas atinentes às convenções já ratificadas pelo Brasil

anteriormente a promulgação da Constituição de 1988 e do advento da Emenda

Constitucional 45/2004.

2 DIREITOS HUMANOS: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E

CLASSIFICAÇÃO

Para Maurício Godinho Delgado “definir um fenômeno consiste na

atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o

nexo lógico que os mantém integrados

2

”.

Com efeito, na tentativa de definir direitos humanos, busca-se analisar

os elementos que o compõem, identificando, ato contínuo, os fatores que permitem a mantença da união de tais elementos na estrutura do fenômeno.

De antemão admoesta-se não ser tarefa fácil definir direitos humanos, tampouco tal problemática se revela ponto principal do presente estudo.

Em contrapartida, entender os direitos humanos, diferenciando-os de outros

fenômenos que lhes são correlatos, afigura-se indispensável à sustentação da

teorética aqui enfocada.

O termo “direito”, sem maiores incursões acerca de sua essência, deve

ser aqui entendido como o conjugado de preceitos que disciplinam e protegem

determinados interesses ou regulamentam relações jurídicas

3

. Já o vocábulo

“humanos” abrange tudo aquilo que pertence ou se refere ao ser humano.

Aliando o significado dos termos supra, pode-se dizer que direitos

humanos compreendem o conjunto de preceitos que disciplinam e protegem

determinados interesses que se referem ou pertencem ao ser humano considerado como tal, tanto em sua acepção pessoal como na qualidade de membro

integrante de uma coletividade.

Ingo Wolfgang Sarlet, parafraseando O. Höffe, assinala que “os direitos humanos referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser

pessoa humana)

4

”.

Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam que

“a denominação Direitos do Homem ou Direitos Humanos [...] indica predicados inerentes à natureza humana e, enquanto tais, independentes de um sistema

jurídico específico, mas de uma dimensão ingênita e universalista

5

”.50 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

A partir do sobredito pode-se identificar, sem maiores esforços, que o

elemento “homem” situa-se como componente indissociável dos direitos humanos. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos direitos humanos.

É destinatário principal de seus disciplinamentos.

Ora, os homens – a despeito das diferenças biológicas, sociais, políticas,

filosóficas e culturais que os cercam – possuem uma essência de certa forma

unívoca, sempre voltada à consecução de sua dignidade, independentemente

da sociedade na qual estejam inseridos.

Daí resulta dizer que a dignidade do homem, assim considerada como

o modo de proceder que lhe infunde respeito, elevação e grandeza moral,

constitui-se no fator de interligação entre os preceitos jurídicos e humanos que

compõem os direitos humanos.

Desse modo, os elementos que compõem os direitos humanos revelamse a partir de sua própria denominação. De um lado os direitos como disciplinamentos de proteção e regulação; do outro, o termo humanos como tudo que

se relaciona ao homem. Já o nexo lógico que mantém tais elementos integrados

consubstancia-se na dignidade da pessoa humana, inerente ao homem independentemente das idiossincrasias sociais, políticas e culturais que o cercam.

Neste trilhar, considerando que os direitos humanos visam à proteção

do homem, mais precisamente em aspectos relacionados à sua dignidade,

nascem, para tais direitos, características que lhes são imanentes, tais como a

atemporalidade (no sentido de durabilidade e perpetuação) e a universalidade

(no sentido de se reportar a todos os homens, independentemente da raça,

origem, sexo, cor, concepções, etc.).

É justamente por serem atemporais e universais que os direitos humanos constituem terminologia consagrada em textos normativos internacionais,

instituidores de disciplinamentos com pretensão de incidência mais ampla,

abrangendo vários e distintos Estados Soberanos.

Nessa perspectiva, diferenciam-se direitos humanos de direitos fundamentais, pois enquanto os primeiros, pelo caráter supranacional ou universal,

estão positivados em textos normativos internacionais; os segundos, por serem

mais específicos (apesar de não menos relevantes), encontram-se positivados

e reconhecidos pelo direito interno de cada Estado, normalmente assumindo

patamar constitucional.

Sobre o tema, sábios são os ensinamentos de Sarlet

6

, que, respaldado

em Pérez Luño, alude:

[...] o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou

conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 51

noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais precioso e restrito, na medida em que

constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo

de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos

delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação

se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema

jurídico do Estado de Direito.

No mesmo sentido leciona Hermano Queiroz Júnior

7

, ao dizer que:

[...] os direitos humanos são inerências da natureza humana, donde seu caráter inviolável, atemporal e universal,

enquanto os direitos fundamentais são os objetivamente

vigentes em uma dada ordem jurídica concretamente

considerada, concernindo igualmente à pessoa humana.

Em resumo: enquanto os  direitos humanos encontram respaldo em

textos internacionais, visto que sua aplicação, pautada pelo caráter universal e

atemporal, refere-se a todo ser humano como tal, independentemente do Estado onde se situe; os direitos fundamentais estão positivados no ordenamento

de um determinado Estado e, inobstante referir-se igualmente ao ser humano,

encontram limitação temporal e espacial na normatização de certa sociedade. O

que irá diferenciar uma ou outra categoria será exatamente o nível de concreção

e positivação que se lhe atribui.

Finalmente, insta salientar que os direitos humanos possuem consagrada classificação em três distintas e não-excludentes dimensões ou gerações

8

,

identificadas a partir de etapas históricas de sua evolução.

Destarte, consideram-se de primeira dimensão os direitos humanos de

liberdade, concebidos no seio do Estado Liberal, compreendidos nas garantias

civis, políticas e de nacionalidade. Já os direitos sociais refletem os denominados direitos humanos de segunda dimensão, gerados com o advento do Estado

Social e pautados na aspiração de igualdade, comportando as garantias sociais,

econômicas e culturais. A terceira dimensão dos direitos humanos açambarca

postulados de garantia transindividual, enaltecendo direitos difusos e coletivos, tais como a higidez do meio ambiente, a proteção do patrimônio artístico

e cultural, o acesso à comunicação, a autodeterminação dos povos, a paz e o

desenvolvimento.

Frise-se, no entanto, que a divisão em dimensões ou gerações de direitos

humanos não deve desaguar uma perspectiva atomizada dos referidos direitos,

como se os direitos humanos de primeira dimensão tenham sido sucedidos pelos 52 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

de segunda e estes pelos de terceira. Na verdade, os direitos humanos não se

sucedem ou se substituem, mas se expandem. Neste aspecto, valorosos são os

ensinamentos de Antonio Augusto Cançado Trindade

9

:

Distintamente do que a infeliz invocação da imagem

analógica da “sucessão generacional” parecia supor, os

direitos humanos não se “sucedem” ou “substituem” uns

aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais (tendo

estes últimos inclusive precedido os primeiros no plano

internacional, a exemplo das primeiras convenções internacionais do trabalho). O que testemunhamos é o fenômeno

não de uma sucessão, mas de uma expansão, cumulação e

fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar

a natureza complementar de todos os direitos humanos.

É preciso que fique claro: a divisão dos direitos humanos em dimensões

ou gerações não pode ser utilizada para justificar teoréticasinfundadas de que os

direitos humanos se sucederam no tempo, de modo que os mais contemporâneos

substituíram os mais antigos. Ao revés, os direitos humanos compreendidos

nas distintas dimensões se complementam e convivem harmonicamente.

Superados os esclarecimentos concernentes a definição, caracterização

e classificação dos direitos humanos, passa-se, a seguir, ao estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT, enfrentando aspectos de sua criação,

desenvolvimento e competências.

3 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT:

CRIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E FINALIDADE

Para compreender a importância da Organização Internacional do Trabalho – OIT no contexto mundial, bem como a relevância de seus normativos

como instrumentos garantidores de direitos humanos sociais dos Países que a

compõem, faz-se oportuno algumas considerações acerca do momento histórico

em que tal organismo fora concebido.

De início, é de se destacar que a OIT teve sua criação pautada, entre

outras coisas, na imperiosa necessidade de afirmação do denominado Estado

Social, marcado pela participação ativa do Estado como assegurador de patamares mínimos de civilidade dos cidadãos.

Até o final do século XIX, prevaleceu nos Estados Democráticos do

Ocidente o modelo liberal de organização do Estado. Tal modelo, concebido

a partir do ideário iluminista construído na segunda metade do século XVIII,

caracterizava-se pela intervenção mínima do Estado nas relações privadas.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 53

Esta postura absenteísta do Estado, no plano político, tinha razão de

ser no modelo reacionário da época, contrapondo-se ao Estado Absolutista e

centralizador de outrora. No plano econômico, todavia, o não-intervencionismo

estatal decorria do movimento capitalista burguês que buscava sua consolidação

desde o advento da Revolução Industrial.

Daniel Sarmento

10

retrata com propriedade a postura do Estado Liberal

na economia, ao dizer que “o Estado ausentava-se da esfera econômica, que

permanecia à mercê das forças do mercado, limitando-se ao modesto papel de

proteger a segurança interna e externa e da propriedade dos seus cidadãos”.

Acontece que essa abstenção do Estado nas relações privadas, sobretudo

naquelas que envolviam a tensão existente entre capital e trabalho, começou

a perceber-se danosa. Isto porque, tal relação (capital vs trabalho) é marcada

pela existência de uma profunda desigualdade material entre o detentor dos

meios-de-produção e aquele que despende sua força de trabalho.

Aludida desigualdade, aliada a total omissão estatal, culminou em

fenômenos sociais desastrosos, tais como a exploração desmesurada do trabalho da mulher e do menor, elevadas jornadas de trabalho, além do crescimento

no número de acidentes de trabalho oriundo da despreocupação com o meio

ambiente laboral.

Ocorre que o modelo capitalista liberal mostrava-se incapaz de, alicerçado em pilares não-intervencionistas, solucionar a celeuma social gerada.

Foi a partir dessas diversas tensões sociais que surgiu a necessidade de sair do

modelo político liberal para se chegar ao Estado Social ou Estado Providência.

O individualismo prevalecente no Estado Liberal deu lugar à solidariedade do Estado Social, não pela benevolência dos detentores de poder, mas

pela necessidade de sobrevivência do próprio capitalismo.

Sobre o tema, sábias são as palavras de Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione G. Correia

11

, ao dizerem que “o Direito Social e o seu consequente

Estado Social são produtos do modelo capitalista de produção. Significam,

entretanto, um modo do capitalismo tentar demonstrar-se viável como elemento

regulador dos padrões de conduta da humanidade”.

Assim, várias iniciativas foram sendo adotadas, em especial na Europa, com vistas a solver as problemáticas geradas pelo modelo capitalista de

produção, mormente no que concerne às relações de trabalho.

Com efeito, em 1889, o governo suíço propôs a realização de uma

conferência para fixar bases de um acordo sobre o trabalho nas fábricas. Já em

1891, quatorze países reuniram-se em Berlim na primeira conferência internacional para estudo da questão operária. Em 1900, realizou-se, em Paris, um

congresso internacional para a proteção legal dos trabalhadores. Em 1902, um

novo congresso em Colônia reconheceu a necessidade de intervenção legislativa para proibição do trabalho noturno das mulheres e vedação à utilização de 54 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

fósforo nas fábricas. Mais uma vez por iniciativa do governo suíço, outras

duas conferências diplomáticas sobre a questão trabalhista foram realizadas

em 1905 e 1906. Novos congressos também foram efetivados nos anos de

1908, 1910 e 1912

12

.

Sobrevindo a primeira guerra mundial, as reuniões foram suspensas.

Contudo, em 1919, com a instalação da conferência de paz, no palácio de

Versailles em Paris, fora designada uma comissão de legislação internacional

do trabalho, a qual, após várias sessões, concluiu o projeto que culminou na

criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como componente

da antiga Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII

do Tratado de Versailles

13

.

Como se vê, a OIT foi criada num momento histórico de afirmação

do Estado Social, sendo este verdadeira opção de manutenção do modelo

econômico capitalista então prevalente, que já começava a sofrer abalos com

o advento do contraponto socialista.

Com a deflagração da segunda guerra mundial (1939-1945), as atividades da OIT permaneceram praticamente paralisadas. Porém, o pós-guerra

trouxe consigo a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, que, em

acordo firmado no ano de 1946, reconheceu a OIT como organismo especializado voltado à proteção dos direitos do trabalhador

14

.

Em 1946, fora discutida e elaborada uma nova constituição da Organização Internacional do Trabalho, em substitutivo àquela adotada em 1919 (ano

de criação do Organismo). O novel instrumento, vigente a partir de 1948, foi

ratificado pelo Brasil ainda na década de 40, conforme Decreto de Promulgação

nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.

De acordo com o artigo 2º da Constituição da OIT

15

, a organização

compreenderá:

a) uma Conferência geral constituída pelos Representantes

dos Estados-Membros;

b) um Conselho de Administração; e

c) uma Repartição Internacional do Trabalho sob a direção

de um Conselho de Administração.

A Conferência geral, por sua vez, será composta de quatro representantes de cada um dos Membros, dos quais dois serão Delegados do Governo e

os outros dois representarão, respectivamente, os empregados e empregadores

(Art. 3º da Constituição da OIT), o que revela a feição paritária do Organismo.

Em relação aos objetivos da Organização Internacional do Trabalho,

o artigo 1º de sua Constituição assinala que o organismo está encarregado de

promover a realização do programa exposto no respectivo preâmbulo, cujo

texto, por sua vez, é expresso em considerar que a paz, para ser universal e

duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 55

Aludido preâmbulo destaca, ademais, existirem condições de trabalho

que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o

descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais,

considerando ser urgente a melhora de tais condições.

Outrossim, o anexo da Constituição da OIT, trazendo declaração relativa a seus fins e objetivos – nos moldes como traçados pela sua Conferência

Geral – aduz, no item II, que:

a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou

sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e

o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da

dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas

possibilidades;

b) a realização de condições que permitam o exercício de

tal direito deve constituir o principal objetivo de qualquer

política nacional ou internacional;

c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou

internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e

somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem,

a realização desse objetivo principal;

d) compete à Organização Internacional do Trabalho

apreciar, no domínio internacional, tendo em vista tal

objetivo, todos os programas de ação e medidas de caráter

econômico e financeiro;

e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a

Organização Internacional do Trabalho tem capacidade

para incluir em suas decisões e recomendações quaisquer

disposições que julgar convenientes, após levar em conta

todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.

Note-se que não apenas os fatos sociais que envolveram sua criação

e desenvolvimento, mas as próprias finalidades institucionais da OIT deixam

clara sua preocupação com a garantia dos direitos humanos do trabalhador.

Nesse sentido, obtempera Arnaldo Süssekind

16

:

Se, antes da reforma constitucional de 1946, a OIT se

dedicava, quase que exclusivamente, à regulamentação

das condições de trabalho e das prestações de seguro

social, a partir da Conferência de São Francisco, como

reflexo da nova filosofia consagrada, passou a adotar

instrumentos relativos aos direitos humanos fundamentais do trabalhador [...].56 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Sobressai evidente que a OIT, pelo próprio momento histórico que

marcou sua criação e à vista de seus fins e objetivos institucionais, cuida-se

de organismo internacional voltado ao resguardo de direitos sociais, os quais

integram o rol de direitos humanos, notadamente porque pautados pela prevalência da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, os instrumentos normativos confeccionados no âmbito

da OIT, em especial suas convenções, retratam disciplinamentos que guardam

em si essência de verdadeiros tratados internacionais sobre direitos humanos,

assunto que será melhor analisado nas linhas que se seguem.

4 CONVENÇÕES DA OIT COMO ESPÉCIES DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

O art. 2, item I, “a”, da Convenção de Viena de 1969

17

dispõe que

“tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e

regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de

dois oumaisinstrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.

O artigo 26 da mesma Convenção preleciona que “todo tratado em vigor obriga

as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé

18

”.

Flavia Piovesan

19

afirma que “os tratados internacionais, enquanto

acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes (pacta

sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito

Internacional”.

Percebe-se, portanto, que tratado internacional compreende um acordo

juridicamente vinculante consubstanciado num instrumento escrito elaborado

por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos Internacionais),

com vistas a tratar juridicamente de temas de interesse comum.

O tratado internacional deve ser fruto de um consenso entre os seus

signatários. Tal consenso é, inclusive, enaltecido pelo art. 52 da Convenção

de Viena de 1969, que diz ser “[...] nulo um tratado cuja conclusão foi obtida

pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito

Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas

20

”.

Oportuno ressaltar que a denominação dada ao instrumento internacional com natureza jurídica de tratado é não é fundamental à caracterização do

instituto, de modo que um tratado internacional pode assumir diferentes nomes

sem que isso lhe retire a essência.

Nesse sentido, Rebeca M. M. Wallace, citada por Flávia Piovesan

21

,

alude que:

O termo tratado é um termo genérico, usado para incluir

as convenções, os acordos, os protocolos e a torça de

instrumentos. O Direito Internacional não distingue os Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 57

acordos identificados como tratados, dos outros acordos.

O termo escolhido para se referir a um acordo não é em

si mesmo importante e não apresenta maior conseqüência

jurídica.

A Organização Internacional do Trabalho, na qualidade de sujeito de

Direito Internacional, possui atribuição para celebrar acordos internacionais

com natureza de tratados.

O art. 19, item 1, da Constituição da OIT

22

assinala que

[...] se a Conferência pronunciar-se pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deverá

decidir se essas propostas tomarão a forma:

a) de uma convenção internacional;

b) de uma recomendação, quando o assunto tratado, ou

um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de

uma convenção.

Existem, basicamente, dois instrumentos de Direito Internacional

celebrados no âmbito da OIT: (1) a convenção, que é um tratado internacional por excelência, impondo o compromisso do Estado-Membro signatário

submetê-la, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão

da Conferência, ao parlamento do respectivo Estado para fins de internalização; e (2) a recomendação, que não é tratado vinculativo, desafiando tão

somente o conhecimento do Estado-Membro e a obrigação de o mesmo,

também no do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência, submeter ao parlamento nacional para que se apresente projeto de

lei sobre o assunto ou tome outras medidas cabíveis (vide art. 19, itens 5 e

6 da Constituição da OIT).

Com efeito, pode-se concluir que as convenções celebradas no âmbito

da OIT, apesar de não serem literalmente denominadas tratados internacionais,

possuem referida natureza jurídica, devendo ser analisadas como tal para fins

de estabelecer direitos e obrigações entre os sujeitos de Direito Internacional

que lhes são signatários.

Como dito em tópico anterior, a OIT foi criada com a pretensão de

promover patamares sociais minimamente dignos relacionados ao exercício

do trabalho humano nos domínios dos Estados que a compõem.

Viu-se, ainda, que os aludidos Direitos Sociais relacionados ao

trabalho humano integram o rol dos direitos da pessoa humana ou direitos

humanos, na medida em que possuem como elemento nodal a consecução da

dignidade do homem.

Assim, fácil intuir que as Convenções Internacionais da OIT, que carregam conteúdo voltado à ampla proteção do trabalho humano nas suas inúmeras

acepções, devem sim receber o reconhecimento de tratados internacionais de

direitos humanos.58 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Ratifica-se, pois, que a convenções internacionais da OIT, por consagrarem “valores comuns superiores consubstanciados em última análise na

proteção do ser humano”, como acima citado, guardam em sua essência a índole

de tratados internacionais de direitos humanos.

Para demonstrar a veracidade desta compreensão, pertinente a citação

de várias convenções da OIT que trazem em seus textos matérias eminentemente

relacionadas a direitos humanos, como é o caso da convenção 29 de 1932, que

dispõe sobre a erradicação do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas

formas; da convenção 138 da OIT de 1973, que estabelece a idade mínima para

o trabalho; da convenção 182 de 1999, que elenca as piores formas de trabalho

infantil; da convenção 111 de 1958, que veda a discriminação nas relações de

trabalho, entre outras.

Necessário se faz, a seguir, analisar como as convenções da OIT, assim

entendidas como tratados internacionais de direitos humanos, assumirão posição

no Ordenamento Jurídico Nacional frente as normas internas instituídas.

5 INTERNALIZAÇÃO DAS NORMAS CONCEBIDAS PERANTE A OIT

A PARTIR DA PERSPECTIVA DE QUE COMPREENDEM TRATADOS

INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

Antes de analisarmos a questão da internalização das convenções

da OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, afiguram-se necessários alguns

esclarecimentos acerca do processo de formação e incorporação dos tratados

internacionais.

Flávia Piovesan

23

, citando João Grandino Rodas esclarece que

[...] os tratados em forma solene, também conhecidos

como em devida forma, passam pelas seguintes fases:

negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa

por parte dos Estados interessados em se tornar parte no

tratado e, finalmente, ratificação ao adesão.

No Brasil, o art. 84, VIII, da Constituição de 1988, diz que “compete

privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Por

sua vez, o art. 49, I, da Constituição dispõe que “É da competência exclusiva

do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos

ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao

patrimônio nacional”.

Vê-se, com isso, que a República Federativa do Brasil exige a colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo para a internalização de um

tratado internacional em seu ordenamento.

Após internalizados, os tratados internacionais, como regra, acabam

assumindo o status jurídico de leis ordinárias, portanto normas infraconstitucionais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 59

Acontece que, em se tratando de tratados internacionais que versam

sobre direitos humanos, a questão não é tão simplista.

Isto porque, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988 é claro ao

dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Note-se que, no referido dispositivo, a Carta Maior faz expressa menção

aos tratados internacionais em que o Brasil faça parte, de modo que, possuindo tais instrumentos conteúdo humanístico, poderão integrar o rol de direitos

fundamentais constitucionalmente reconhecidos.

Sobre o tema, ensina-nos Sarlet

24

(2008, p. 90):

[...] a citada norma traduz o entendimento de que, para

além do conceito formal de Constituição (e de direitos

fundamentais), há um conceito material, no sentido de

existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição

de um Estado, mesmo não constando no catálogo. Neste

contexto, importa salientar que o rol do art. 5º, apesar de

analítico, não tem cunho taxativo.”

Não se pode olvidar que, conforme dito em tópico anterior, direito

fundamental nada mais é do que denominação atribuída a direito humano

internamente positivado no ordenamento jurídico de determinado Estado.

Assim, é certo dizer que o ordenamento nacional brasileiro reverencia

duas modalidades de direitos fundamentais: (1) aqueles que são material e formalmente fundamentais, já que insertos no texto constitucional; e (2) aqueles

que são apenas materialmente constitucionais, vez que não inseridos expressamente no texto constitucional, mas reconhecidos como tais pela cláusula aberta

insculpida no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.

Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 fez inserir o § 3º,

no já tão citado art. 5º da Constituição, o qual possui a seguinte redação:

[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos

dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

constitucionais.

Aludido dispositivo passou a permitir a possibilidade de um tratado

internacional ratificado pelo Brasil que verse sobre direitos humanos assumir patamar de Emenda Constitucional, desde que aprovado pelo quórum

qualificado para tanto exigido, em moldes idênticos aos trazidos pelo art. 60,

§ 2º, da Lei Maior.60 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Diante destes esclarecimentos iniciais, resta enfrentar agora as questões

da internalização e hierarquia normativa das convenções da OIT, a partir da

perspectiva já elucidada de que tais instrumentos são tratados internacionais

de direitos humanos.

O enfrentamento do problema passa necessariamente pela análise no

momento de ratificação das mencionadas convenções: se antes ou depois da

Emenda Constitucional 45 de 2004.

Com efeito, para as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil posteriormente à citada Emenda, duas são as possibilidades:

A primeira delas decorre da submissão e aprovação da convenção da

OIT, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, momento em que seriam equivalentes às

emendas constitucionais, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF.

Ingo Wolfgang Sarlet (2007. p 350) sustenta pela compulsoriedade

de submissão dos tratados internacionais sobre direitos humanos ao quórum

qualificado:

Com relação a esse aspecto, parece-nos que há, sim,

pelo menos espaço para uma interpretação teleológica e

sistemática em prol da compulsoriedade do procedimento

reforçado das emendas constitucionais. [...] poder-se-á

sustentar que, a partir da promulgação da Emenda

Constitucional 45/2004 a incorporação destes tratados

deverá ocorrer pelo processo mais rigoroso das reformas

constitucionais.

Na segunda, a convenção da OIT não seria submetida ao quórum qualificado das emendas constitucionais. Neste caso, a convenção poderia assumir

dois caracteres: (1) legal e, portanto, equiparada à lei ordinária; (2) supralegal,

estando acima das leis e abaixo da Constituição.

Vale lembrar que o STF, desde o julgamento do recurso extraordinário

nº 80.04/1977, vinha compreendendo que ostratadosinternacionaisratificados

pelo Brasil, versem ou não sobre direitos humanos, assumiriam status jurídico

de lei ordinária.

Nada obstante, no ano de 2007, ao analisar o recurso extraordinário

nº 466.343 e o habeas corpus nº 90.172, o STF modificou seu posicionamento

quanto aos tratados internacionais sobre direitos humanos, passando a entender

que os mesmos gozam de status supralegal.

Por outro lado, para as convenções da OIT já ratificadas pelo Brasil

em momento anterior à Emenda Constitucional 45 de 2004, não haveria a

possibilidade de submissão das mesmas ao quórum qualificado previsto no art.

5º, § 3º, da CF, de modo que não poderiam tais instrumentos assumir caráter

formalmente constitucional, embora, para alguns

25

, possam ser materialmente

constitucionais, por integrarem o chamado “bloco de constitucionalidade”

inserto na cláusula aberta trazida no art. 5º, § 2º, da CF.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 61

Nesse sentido, sábios são os ensinamentos de Sarlet

26

(2007. p. 339):

De acordo com a interpretação mais afinada com o espírito

na norma contida no art. 5º, § 2º, da CF, vale lembrar que

a abertura material do catálogo de direitos fundamentais

abrange tanto direitos expressamente positivados em outras

partes do texto constitucional quanto sediados em tratados

internacionais, incluindo, de resto, os assim (genericamente) designados direitos implícitos, no sentido de posições

jusfundamentais não amparadas em texto constitucional

expresso (portanto, direitos não explicitados), aos quais o

constituinte se referiu ao mencionar direitos decorrentes do

regime e dos princípios da Constituição.

Restaria, apenas, a possibilidade de as convenções da OIT já ratificadas

assumirem o caráter legal, com status de lei ordinária; ou supralegais, estando

acima das leis, mas em posição inferior à constituição.

Defendemos que as convenções da OIT, com nítida índole humanística, por si já merecem status de materialmente constitucionais. Concordamos,

ainda, com a posição já citada por Sarlet no sentido da compulsoriedade na

submissão das convenções ratificadas pelo Brasil após a Emenda 45 de 2004

ao procedimento trazido pelo novel art. 5º, § 3º, da CF, passando a serem formalmente constitucionais.

Finalmente, para as convençõesjá ratificadas pelo Brasil em momento

anterior ao advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, concordamos que

tais tratados possuam, ao menos, hierarquia supralegal, conforme vem-se inclinando o STF.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

a) direitos humanos são o conjunto de normas e preceitos que

protegem o homem considerado em sua essência, tendo o

ser humano como seu titular e destinatário último, possuindo

como elemento nodal a dignidade da pessoa humana, sendo,

pois, universais e atemporais;

b) o surgimento da OIT se deu no âmago do Estado Social,

com vistas a promover patamares mínimos de proteção ao

trabalhador, sobrelevando sua dignidade;

c) os tratados internacionais são instrumentos escritos, elaborados

por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos

Internacionais), com vistas a tratar juridicamente de temas de

interesse comum. A denominação dada ao instrumento não é

relevante para sua caracterização como tratado;62 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

d) no âmbito da OIT dois são os instrumentos passíveis de serem

produzidos:

- a convenção, que é pacto vinculativo e passível de ser internalizado no âmbito dos Estados signatários,

- a recomendação, que não tem escopo vinculativo e deve ser

submetido ao parlamento dos Estados signatários para que produza norma interna sobre a matéria ou adote outras medidas

cabíveis.

e) as convenções da OIT são tratados internacionais de direitos

humanos, porque versam sobre direitos sociais;

f) a internalização das convenções da OIT no ordenamento

jurídico brasileiro, enquanto tratados internacionais de direitos

humanos, deve ser analisada em dois momentos distintos: o

primeiro se ratificadas anteriormente à Emenda Constitucional

45 de 2004 e o segundo se ratificadas após a referida Emenda;

g) se ratificadas posteriormente à Emenda Constitucional 45 de

2004, as convenções da OIT podem assumir status de emenda

constitucional, passando a integrar formalmente à Constituição,

desde que submetidas ao quórum qualificado de aprovação em

cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros. Podem, todavia,

assumir status de lei ordinária ou de norma supralegal;

h) se as convenções tiveram sido ratificadas anteriormente à

Emenda Constitucional não poderão, ao menos em princípio,

serem submetidas ao quórum qualificado previsto no art. 5º,

§ 3º, da CF, embora para alguns possam ter status materialmente

constitucional, com base no art. 5º, § 2º, da CF. Porém,

poderiam assumir caráter legal, equiparável a lei ordinária, ou

supralegal, acima das leis, mas abaixo da Constituição.

ciTações

1

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr,

1987, p. 119.

2

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2006, p. 49.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 63

3

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:

Rideel, 2006, p. 259.

4

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados

internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,

Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho

(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335.

5

DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 108.

6

SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 334-335.

7

QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na

Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006, p. 34.

8

A menção feita a apenas três dimensões dos direitos humanos não exclui a doutrina que

admite a existência de uma quarta dimensão, tal como adotada por Paulo Bonavides,

no seu Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

9

CANÇADO, Antônio Augusto Trindade in PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o

direito constitucional internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Apresentação.

10

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2004, p. 29.

11

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é

direito social – Curso de Direito do Trabalho. Marcus Orione Gonçalves Correia (org.).

Vol I. São Paulo: LTr, 2007, p. 23.

12

Dados históricos colhidos em SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. op. cit., p. 20-21.

13

SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 98-99.

14

Ibid., p. 108-111.

15

Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.

16

SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 112.

17

Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acessado em 26 de março

de 2010.

18

Idem.

19

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.

20

Idem.64 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

21

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 44.

22

Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.

23

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.

24

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual.

e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 90.

25

SARLET, Ingo Wolfgang e PIOVESAN, Flávia no Brasil e J.J. Gomes Canotilho,

na Europa.

26

op cit., p. 339.

ReFeRências

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. ed.

São Paulo: Saraiva, 2009.

QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na

Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados

internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,

Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho

(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2004.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é

direito social – Curso de Direito do Trabalho. GONÇALVES CORREIA, Marcus

Orione (org.). vol I. São Paulo: LTr, 2007.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1987.

TORRIERI, Deocleciano Guimarães. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:

Rideel, 2006.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 65

“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO

JUSTO AO ACRÉSCIMO DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,

CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS,

À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA”

Rodolfo PamPlona filho

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador - BA (TRT da Quinta Região)

Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da

Universidade Salvador - UNIFACS

Professor (licenciado) do Programa de Pós-Graduação em

Direito da UCSAL - Universidade Católica de Salvador

Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA - Universidade Federal da Bahia

Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA

Coordenador do Curso de Especialização em

Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm - BA

Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Cadeira 58) e da

Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira 27)

Autor de diversas Obras Jurídicas

heRmano fabRício oliveiRa Guanais e QueiRoz

Formado em Magistério pelo CNMP

Monitor do Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e

Assessor do Poder Executivo do Município de Palmeiras-Bahia

Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS)

Pós-graduado em Direito latu sensu pela Escola de Magistrados da Bahia (EMAB)

Advogado da Procuradoria do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC)

Ganhador de Menção Honrosa no Prêmio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães - 2004

Autor de diversos artigos jurídicos publicados na Revista Jurídica da Editora Síntese

do Rio Grande do Sul e na Revista Jurídica Eletrônica da UNIFACS

Coautor e organizador da obra “João da Paz”

Prefaciou a obra “Encontro com a Villa Bella das Palmeiras”

publicada pelo Governo do Estado da Bahia

“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: cada um

pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis

de se satisfazerem com qualquer outra coisa não acostumam desejar

mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se

enganem: mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem

julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que 66 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual, em todos os

homens; e portanto, a diversidade de nossas opiniões não decorre de

uns serem mais razoáveis que o outro, mas somente porque conduzimos

nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas

coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo

bem. As maiores almas são capazes de maiores vícios, assim como das

maiores virtudes; e aqueles que só caminham muito lentamente podem

avançar muito mais, se bem seguirem o caminho certo, do que aqueles

que correm e deles se afastam”.

René Descartes (Discurso do Método)

RESUMO: Tomando como ponto de partida a diversidade e equivocidade na análise

hermenêutica de alguns magistrados e membros do Ministério Público, a respeito do

requisito “motivadamente”, presente no art. 57 da Lei 6.015/73, que ao rechaçarem a

possibilidade de acréscimo de sobrenome, alegando ausência de justo motivo, tendo

por fundamento, causa de pedir, a homenagem aos antepassados, acabam por ensejar

retrocesso aos avanços da Ciência do Direito, é que este artigo trata da “Homenagem

aos ascendentes como motivo justo ao acréscimo de sobrenome: uma interpretação da

expressão ‘motivadamente’, constante do art. 57 da Lei de Registros Públicos, à luz da

hermenêutica pós-positivista”, tendo-se, pois, a hermenêutica como vertente norteadora

a explicitar que a homenagem aos ascendentes constitui, sim, motivo justo a acrescer

sobrenome que integra a linhagem familiar de quem requer.

PALAVRAS-CHAVE: homenagem aos ascendentes. motivo justo. acréscimo de sobrenome. hermenêutica. lei de registros públicos.

ABSTRACT: Starting on the diversity and ambiguity in the hermeneutics analysis of

some judges and members of the public prosecutor, regarding the induced’ requirement,

provided in art. 57 of Law 6,015/73, that rejects the possibility of inclusion of a

surname, claiming the lack of due cause, based, in the cause of action, a tribute to the

ancestors, ultimately setbacks the advances of law, is that this article deals with “Honor

to the ancestors as a due cause to the inclusion of surname: an interpretation of the

term ‘induced’, in the art. 57 of the Public Records Law, in the light of hermeneutics

post-positivist “ therefore, hermeneutics as the guiding part to clarify that the tribute

to the ancestors is a good cause, in adding surname lineage that includes his family.

KEY-WORDS: tribute to the ancestors. just cause. inclusion of surname. hermeneutics.

law of public records.

SUMÁRIO: 1 Intróito; 2 A importância da hermenêutica no contexto jurídico

pós-positivista; 3 A função do nome e a relativização da sua imutabilidade no

ordenamento jurídico brasileiro; 4 O art. 57 da Lei 6.015/73 e a possibilidade de

acréscimo de sobrenome: uma interpretação jurisprudencial; 5 O alcance conceitual

da expressão “motivadamente”: uma revelação hermenêutica; 6 A homenagem aos

ascendentes como motivo razoável a justificar o acréscimo de sobrenome e a equivocidade interpretativa de alguns magistrados e membros do Parquet: um retrocesso

hermenêutico?; 7 Considerações Finais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 67

1 INTRÓITO

Registra-se crescente, na ordem jurídica brasileira, a propositura de

ações de retificação em assentamento de registro civil, tendo como fundamento

o quanto estatuído no art. 57 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 2008b), a “conhecida”

Lei de Registros Públicos (LRP), que autoriza ao jurisdicionado requerer ao

Estado-juiz a alteração posterior de nome, desde que, por exceção e “motivadamente”, após a audiência do Ministério Público (MP).

Diante dessa previsão, ações são ajuizadas nas Varas de Registros

Públicos, pleiteando-se o acréscimo de qualquer um dos sobrenomes dos ascendentes ao nome do descendente que deseja lhes prestar homenagem ou até

mesmo ao seu núcleo familiar, ainda que já constante no seu os respectivos

sobrenomes identificadores dos seus progenitores, configurando-se, pois, tal

justificativa como justo motivo a embasar o acréscimo, consoante possibilita

a leitura e aplicação do art. 57 da LRP, sob as luzes da hermenêutica.

Para explicitação maior da temática proposta, este artigo discutirá, inicialmente, a importância da hermenêutica para o Direito na era pós-positivista,

destacando-se, após, a primordial função do nome e relativização da sua imutabilidade na ordem jurídica brasileira, por meio das inovadoras e avançadas

interpretações conferidas pela jurisprudência dos Tribunais pátrios, que, de

forma acertada, vem admitindo a homenagem aos ascendentes como “motivo

justo” a fundamentar o requerimento de acréscimo de sobrenome.

A seguir, será demonstrado que, por meio de elementos hermenêuticos

postos ao intérprete do Direito, notadamente aqueles relacionados à teoria

da linguagem e da argumentação, é possível extrair da expressão conceitual

“motivadamente” a justeza e a razoabilidade pelas quais se afirma a possibilidade de homenagear os ascendentes, promovendo-se a adição de mais um

dos sobrenomes dos genitores ao descendente que assim pretender. Por fim,

serão tecidas as necessárias críticas aos, data venia, equivocados posicionamentos manifestados por alguns membros do MP e magistrados brasileiros,

os quais, num retrocesso hermenêutico, reconhecem tal pedido como “mero

capricho pessoal”.

2 A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA NO CONTEXTO JURÍDICO

PÓS-POSITIVISTA

A hermenêutica é a ciência da interpretação, fixadora das condições

de potencialização das normas jurídicas, sendo, ao mesmo tempo, a reflexão, a

análise e a epistemologia da interpretação do Direito. Confere ao jurista instrumentos para a interpretação, sem, ao mesmo tempo, exercer atividade legislativa.

Sobressai o seu caráter epistemológico, sendo a interpretação a compreensão da 68 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

norma jurídica e a realidade que a ela se integra – concretização da norma

jurídica frente à realidade – e a hermenêutica, uma linguagem ideal que

traduz o Direito.

Originariamente, desde a Antiguidade, a expressão hermenêutica

possuía três significados: “dizer, explicar e traduzir”. Todos esses sentidos

pressupunham que o texto tivesse uma existência própria, que caberia ao intérprete apreender. Procurava-se, então, alcançar o que o autor do texto quis

dizer, qual a sua intenção, especialmente quando se referia à interpretação das

Sagradas Escrituras, em que se buscava a compreensão da exata vontade de

Deus, e também de obras literárias. (GADAMER, 1998)

Nos idos do século XVIII, Schleiermacher (1999) procurou desmistificar esse caráter fragmentário da hermenêutica, lançando as bases de uma

hermenêutica geral, destacando que todo indivíduo, quando se depara com

alguma obra, já leva consigo uma pré-compreensão, a do texto e do seu autor.

Afilosofia da consciência, pautada no idealismo cartesiano, encontrou na teoria

romântica de Schleirmacher uma nova concepção de hermenêutica, já de cunho

científico e universal, que privilegiava não apenas o texto escrito, mas também

toda expressão da linguagem, seja escrita ou falada, seja gestual ou simbólica.

Logo após, vários outros teóricos o sucederam, destacando-se Gadamer

(1998), o qual vem afirmar que não existe esta ideia de sentido objetivo do texto

nem do autor. Ele não estava preocupado com o método e sim com o processo

de compreensão: a partir do contato com o texto o leitor altera o seu sentido,

da mesma forma que o texto interfere no leitor. Esta interação vai formar o

círculo hermenêutico, interação recíproca entre o texto e o sujeito. Por esta

teoria, conclui-se que cada indivíduo poderia ter a sua própria norma, o que

não deixaria de ser uma ameaça à segurança jurídica.

Daí por diante, outras teorias surgiram, algumas reforçando as até

então predominantes, defendendo a necessidade de se buscar o “verdadeiro

significado da norma”, outras apontando para a importância da compreensão

zetética do Direito e não apenas dogmática. A nova hermenêutica de Gadamer

(1997) vai relevar, deste modo, a necessidade de observância do contexto para

interpretação do texto, não se podendo desvincular um do outro. Diante dessa

nova visão, não há nada mais incoerente do que a possibilidade de interpretação

baseada na busca da vontade da lei ou do legislador.

A nova hermenêutica, para livrar-se da insegurança jurídica que poderia

advir da teoria pura de Gadamer, buscou contemporizar com a teoria de Betti

(1990), a qual impunha limites a esta interpretação, de modo que o intérprete

não poderia transcender à literalidade do texto normativo.

O objeto da hermenêutica jurídica estava centrado no estudo e na sistematização de processos sobrepostos para determinar o sentido e o alcance das

expressões do Direito. A positivação das normas é realizada em termos gerais, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 69

estabelecendo regras, solidificando princípios, fixando normas, em linguagem

precisa, porém ampla, ensejadora de variadas interpretações. No escólio de

Habermas (1997, p. 297) a interpretação, tal qual as artes em geral, tem a sua

técnica, os seus meios para alcançar os fins pretendidos. Seu embasamento

adveio de princípios e regras desenvolvidos e aprimorados por meio da interpretação constante das noções vagas e imprecisas contidas na legislação. Diz-se

que “a arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma

ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia;

e a outra, especial, a Hermenêutica”.

Foram rompidos, desta maneira, os paradigmas do legislador racional,

do juízo subsuntivo, do pensamento lógico-dedutivo, da exegese e das teorias:

objetivista e subjetivista.

Neste contexto, superado historicamente o jusnaturalismo e percebendo-se

o declínio político do positivismo,surgiram vastos espaços para reflexõessobre

a interpretação como ato político, sob o respaldo da teoria da argumentação e da

função social do Direito, o pós-positivismo. Dentre seus objetivos primordiais,

sobreleva-se a necessidade de se repensar os aspectos da chamada nova hermenêutica, à luz da valorização dos princípios, desenvolvendo o esforço teórico

a fim de transformar o progresso filosófico em instrumental técnico-jurídico

aplicável aos problemas concretos, produzindo sobre eles efeitos positivos. A

expressão hermenêutica passou a significar o estudo da linguagem, baseando-se

na leitura e interpretação do homem num determinado contexto sócio-cultural,

a partir da sua historicidade e temporalidade.

A hermenêutica, concebida como uma teoria sobre a interpretação,

passa, efetivamente, a auxiliar o juiz na tarefa de bem pensar o Direito,

trazendo possibilidades para decidir democraticamente a melhor forma de

aplicar a justiça social. Daí, o que legitima uma decisão judicial é a sua

fundamentação razoável e coerente com a realidade, em sintonia com a

evolução dos tempos, dos fatos, das teorias e das necessidades do homem

como protagonista da história. E é a nova hermenêutica que conduzirá

os operadores do Direito à certeza de que a homenagem aos ascendentes

constitui, sim, motivo justo à adição de sobrenome.

3 A FUNÇÃO DO NOME E A RELATIVIZAÇÃO DA SUA IMUTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Conforme melhor doutrina, a função primária do nome em nossa

sociedade, para além mesmo do direito fundamental da pessoa humana, diz

respeito à individualização do sujeito, titular de direitos e obrigações, sendo que

o princípio geral atinente à matéria, consagrado pela Lei de Registros Públicos

vigente, estabelece a imutabilidade do nome, compreendendo este termo tanto

o prenome quanto o nome de família ou patronímico. 70 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

No que tange ao prenome, somente situações excepcionais, como são

aquelas nas quais a designação expõe o indivíduo ao ridículo social ou homonímia,

entre outras, viabilizam a retificação judicial. Sobre tal temática, destaquem-se os

registros de NERY JÚNIOR e ANDRADE NERY (2003, p. 161):

[...] 9 Imutabilidade do nome. É a regra geral: feito o registro,

não mais se poderá modificar o nome. A alteração somente

será possível por autorização judicial, em casos excepcionais

(LRP 57). Os casos mais comuns de alteração do nome são:

a) homonímia, que prejudica a identificação do sujeito,

podendo trazer-lhe prejuízos econômicos e morais;

b) exposição ao ridículo, em decorrência de nomes ou de

combinações de nomes que possam constranger a pessoa

(LRP 55 par. ún., a contrario sensu);

c) acréscimo para melhor identificação da pessoa para fins

sociais e políticos (convivente que acrescenta aos seus o

apelido do companheiro - LRP 57 § 2º; político que acrescendo ao seu nome apelido pelo qual é conhecido junto a

seus eleitores - LRP 58 par. ún.);

d) proteção de vítima ou testemunha de crime, alteração

que é autorizada quando houver fundada coação ou ameaça

decorrente da colaboração para a apuração de crime (LRP

58 par. ún.; L 9.807/99 9º § 3º).

Essa imutabilidade do nome decorre do princípio da segurança jurídica.

Não obstante, há situações em que esse princípio pode ser relativizado, como forma de se efetivar princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana. Preserva-se o nome, traço basilar da personalidade, com o fim de não

se prejudicar a terceiros e os apelidos de família. É a partir dele que a pessoa

se relaciona consigo mesma, com outros e com o mundo, constituindo-se uma

representação simbólica da pessoa humana, dando-lhe um traço distintivo e

singular perante a universalidade de pessoas. Daí porque a sua imutabilidade

pode ser flexibilizada, quando o sujeito desejar e não gerar lesão à ordem pú-

blica brasileira, ainda mais por tratar-se de acréscimo de sobrenome e não de

mudança de prenome. (SWENSSON, 2003)

O prenome é, pois, inalterável. Mas, como exceção à regra, desde que

haja justo motivo e não se prejudiquem os apelidos de família, permite-se,

ouvido o MP, a retificação do nome civil no assento do nascimento no cartório

de registro civil. As hipóteses de mudança encontram-se nos artigos 55 a 58

da Lei nº 6.015/73 (BRASIL, 2008b).

Destaque-se que o art. 56 da LRP estabelece um prazo decadencial

para a alteração imotivada do nome, quando estabelece que

[...]  o interessado, no primeiro ano após ter atingido a

maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique

os apelidos de família, averbando-se a alteração que será

publicada pela imprensa.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 71

Para o exercício deste direito potestativo, não exige realmente a Lei

uma motivação peculiar para a pretensão deduzida em juízo.

Todavia, esta autorizada alteração imotivada de nome, porém, deve

ser entendida modus in rebus.

Isto porque o prenome, na forma do art. 58, é imutável relativamente,

somente podendo ser alterado em estritas hipóteses legais. Da mesma forma,

nesta hipótese de alteração espontânea, devem ser mantidos os apelidos de

família, o que limita também as possibilidades de modificação do nome,

sendo mais comum a incorporação de sobrenomes maternos ou de avós,

traduções de nomes estrangeiros ou transformações de prenomes simples

em compostos ou vice-versa.

Para o ajuizamento desta ação constitutiva negativa (retificação voluntária de registro de nome), além do prazo decadencial previsto de 1 ano, soa

imprescindível que o autor comprove, através de certidões negativas extraídas

de órgãos públicos, que não há qualquer intuito fraudulento a direito de terceiros

na sua pretensão de modificação de nome.

Ao se buscar razoável interpretação da lei, em consonância com os

ditames constitucionais, atentando-se ao referido princípio da definitividade,

deve-se ter em mente que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade. E a adição de sobrenome,

sob esta ótica, não tem o condão de prejudicar a individualização da pessoa.

Conforme posicionamento jurisprudencial emanado do Tribunal de

Justiça (TJ) de Minas Gerais:

O nome civil, em regra, é imutável. Todavia, a lei admite

exceções em determinadas circunstâncias, autorizando a

alteração [...] É possível a alteração no registro de nascimento para acrescer ao nome do menor um apelido de família, embora avoengo. (BRASIL, 2008c; grifos nossos).

Já o Des. Nepomuceno Silva acrescenta:

A regra da imutabilidade do nome reveste-se de caráter

relativo, razão porque admissível sua integração pelo apelido de família paternal, que designa a linhagem da pessoa,

não se vislumbrando prejuízo a terceiros ou à ordem

pública, sendo que o acréscimo do patronímico evitará,

inclusive, a ocorrência de homonímia, já que o assento

original - bastante comum - mostra-se hábil à geração de

embaraços sócio-jurídicos. (AP 1.0372.04.007943-9/001;

Des. Nepomuceno Silva, publicação: 26.11.2004) (grifos

nossos).

Verifica-se do exame, ainda que perfunctório, das posições doutrinárias

e jurisprudenciais, que a regra da imutabilidade, especificamente o acréscimo

de sobrenome para homenagear ascendentes e preservação de linhagem, decorrente diretamente do dever de identificação, vem sendo amplamente suavizada.72 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Percebe-se, notadamente na jurisprudência, uma forte tendência no sentido de

admitir-se a alteração do registro civil mesmo quando não constatada a ocorrência

de erro cartorial, desde que motivadamente, não se prejudicando os apelidos de

família e nem se violando a ordem pública. (QUINTANILHA, 1981)

Tal posicionamento, à luz dos ensinamentos hermenêuticos, justifica-se

largamente, haja vista que, recentemente, o valor soberano do ordenamento jurí-

dico é de ser conferido à pessoa humana certa margem de liberdade na disposição

de seu sobrenome, particularizado por meio do direito personalíssimo de possuir

um nome como melhor lhe aprouver, por mais íntimo que esse pleito pareça

aos olhos de alguns representantes do Poder Judiciário e do MP. Neste sentido,

saliente-se o julgado do TJ do Rio Grande do Sul, o qual acolheu o requerimento de

mudança de nome,sob o argumento de que: “Amoderna compreensão de atributo

da personalidade cuida hoje da pessoa, superando a inflexibilidade da doutrina

reacionariamente patrimonialista que impedia a troca”. (RTJRGS 150/643)

Por fim, registra-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

(BRASIL, 2008b):

DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA.  PRODUÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO.

Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, o

princípio da imutabilidade do nome de família não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente, desde que presentes

a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério

Público, a alteração do patronímico, mediante sentença

judicial. No caso dos autos, atendidos os requisitos do artigo 57 c/c o parágrafo 1º do artigo 109 da Lei nº 6.015/73,

deve ser autorizada a produção de  prova requerida pela

autora, quanto aos fatos que embasam o seu pedido inicial.

Recurso provido. (STJ - RESP 401138-MG - Rel. Min.

Castro Filho - DJU 12.08.2003 - p. 00219)”

Vê-se, a partir dos argumentos expostos, que a regra da imutabilidade

deve ser relativizada, como medida da mais lídima justiça.

4 O ART. 57 DA LEI 6.015/73 E A POSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO

DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

Preambularmente, torna-se mister reiterar, neste tópico, que a hipótese

aqui defendida, a propositura de ação de retificação para acrescer sobrenome

de ascendente ao descendente, versa não sobre retificação, no sentido estritoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 73

do termo (significando emenda, correção ou conserto, do nome), mas sobre a

possibilidade de acréscimo de patronímico dos ascendentes, como forma de

homenagear-lhes diante dos fortes laços de afeto que guardam.

Esse procedimento de jurisdição graciosa, previsto na Lei nº 6.015/73

(2008b), Título II, Capítulo XIV, obedece ao rito previsto no art. 109 e ss., encontrando amparo em seus arts. 56 e 57, caput, que assim versam, respectivamente:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou

retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em

petição fundamentada e instruída com documentos ou com

indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o

órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo

de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório.

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido

a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique

os apelidos de família, averbando-se a alteração que será

publicada pela imprensa.

Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do

Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a

que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e

publicando-se a alteração, pela imprensa. (grifos nossos)

A jurisprudentia, vetor de onde promana a admissibilidade da inclusão de sobrenome outro, já que fruto da hermenêutica, traduz, genericamente,

um Direito elaborado com prudência “como conhecimento moral, capaz de

sopesar, diante da mutabilidade das coisas, o valor e a utilidade delas, bem

como a correção e justeza do comportamento humano.” (FERRAZ JÚNIOR,

1980, p.19-20). A prudência revela uma racionalidade própria, cuja ferramenta

pontual é a dialética, enquanto arte das contradições e caminho coerente ao

desenvolvimento da tese ora sustentada.

No caso de ajuizamento de ação de retificação, desejando qualquer

cidadão adicionar ao seu nome o sobrenome de qualquer dos seus ascendentes,

com o objetivo único de dar continuidade ao nome da família, homenageando

os seus, não há razão para não se deferir tal pleito, mesmo porque não se está

infringindo nenhuma norma legal ou princípio da ordem jurídica brasileira,

ao contrário, há uma justa homenagem em favor da família pátria que, não se

pode obscurecer, está em intensa desintegração. Como decidido pelo TJ de São

Paulo, em acórdão publicado na Revista dos Tribunais(1997, p. 72): “Alei não

proíbe a adição de sobrenome”. 74 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

Observando-se tais orientações, interessa saber, no tema ora debatido,

se o acréscimo de outro sobrenome ou apelido de família, de ascendente paterno ou materno, ao nome de seu ascendente, encontra óbice no ordenamento

jurídico brasileiro.

Embora quando da lavratura da certidão de nascimento os genitores

revelem qual o sobrenome a ser adotado pelo filho, não há razão para que se

vede a possibilidade de inclusão de outro sobrenome que, de fato, pertença

àquele, o qual, já consciente de sua posição de cidadão, portador de direitos e

obrigações, pode manifestar esse anseio, apresentando, para efeito de controle

judicial, o motivo específico do pedido.

Sobre isso, a jurisprudência vem firmando o entendimento de que

poderá se incluir ao nome oficialmente registrado o sobrenome de qualquer

dos ascendentes, visando a perpetuar o nome de sua família e manter sua tradição. Além de identificar ainda mais o postulante na sociedade, integrar sua

personalidade, individualizá-lo, um outro sobrenome melhor indicará a sua

procedência familiar, identificando a sua origem, mesmo que remota.

Cabível, nesta senda, escorreita menção ao julgado oriundo do TJ/MG,

em que o apelante objetivava alterar o seu nome para homenagear o seu avô

paterno, justificando que foi este quem, efetivamente, lhe deu o carinho, criação

e amor de avô. Com suporte nesse argumento, decidiu a ilustre julgadora:

Nada mais justo e digno. Afinal o nome permite a continuidade no mundo de uma pessoa, dando-lhe a idéia de

eternidade, já que se transfere de geração para geração.

Não há no pedido do apelante qualquer capricho, apenas

uma justa homenagem a quem lhe tratou como verdadeiro neto. Manter o sobrenome de um avô biológico, mas

ausente, ao argumento de segurança jurídica, é descurar a

aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no

campo do registro público. O nome do avô adotivo possui

um significado afetivo muito maior para o apelante do que

o do avô biológico, daí porque não vislumbro razão para

se impedir a alteração, ainda mais que não há prejuízo

para terceiros e para os apelidos de família, já que será

preservado o sobrenome paterno e materno de seu nome.

(BRASIL, 2008d)

Segue a ementa do voto supramencionado:

RETIFICAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. ADIÇÃO DE PATRONÍMICO AO NOME.

ASCENDENTE DE FAMÍLIA TRADICIONAL NA

CIDADE. HOMENAGEM. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO

AOS APELIDOS DE FAMÍLIA. VIABILIDADE. Viável

é a adição do patronímico da avó materna de tradicional Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 75

família italiana da cidade no nome da apelante dada a

excepcionalidade do caso, máxime quando comprovada

que a inclusão em nada prejudica os apelidos de família,

e o pedido foi acompanhado de certidões negativas de

distribuição de ações cíveis, criminais e protestos, as quais

atestam a idoneidade da requerente. (APELAÇÃO CÍVEL

Nº 1.0518.03.043527-6/001 - COMARCA DE POÇOS

DE CALDAS - APELANTE(S): PATRÍCIA GOMES

BASTOS - PROCESSO SEM RÉUS CADASTRADOS

- RELATOR: EX.MO SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA). (BRASIL, 2008d)

A jurisprudência dos Pretórios brasileiros, manifesta-se remansosa,

nesse mesmo diapasão, verbo ad verbum:

Sabido que o prenome é imutável, nos termos do art. 58,

caput, da Lei nº 6.015/73, não havendo, todavia, qualquer

impedimento que os nomes sejam alterados, mediante determinação judicial, mormente quando o motivo

apontado se apresenta razoável, como no caso, onde se

busca homenagear as avós. Não existe qualquer norma

jurídica que impeça essa providência, salientando-se que

o disposto no artigo 56, da lei referida, ao estabelecer que

essa alteração não pode prejudicar os apelidos de família,

não obstaculiza, obviamente, o acréscimo ou a eliminação

de certos apelidos, mormente quando a pretensão busca,

na verdade, preservar os nomes de seus ascendentes. Essa

vedação tem o sentido exatamente contrário, qual seja o de

impedir que o requerente se desvincule de sua família. O

que não é o caso da apelante. Ademais, deve ser lembrado

que, em matéria de emprego de nomes, na falta de regra

expressa a respeito da adoção dos apelidos dos pais, impera

a tradição. Inobstante (sic) os argumentos aduzidos pelo

prolator da sentença e pelos representantes do Ministério

Público, entendo que os motivos invocados são razoáveis,

podendo, assim, a pretensão ser enquadrada na excepcionalidade prevista no artigo 57, da Lei dos Registros

Públicos, sendo, assim, lícita e admissível. Quando do

julgamento da apelação cível n.º 595026196 tive a oportunidade de salientar que, pelo exame dos dispositivos

que regem a matéria, que foram acima citados, apenas o

prenome é imutável, podendo, assim, o nome ser alterado, desde que a alteração se apresente motivada. É o

caso dos autos, já que a pretensão busca homenagear os

ascendentes. E a homenagem que se pretende prestar 76 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

aos avós maternos não pode ser repelida. Retificação

que, ao contrário do entendido, não desfiguraria o nome da

autora, não dificultaria a identificação imediata da origem

dos respectivos titulares e, muito menos, não caracterizaria

ameaça concreta à segurança jurídica que o nome de cada

um proporciona à sociedade. (O TJ/RS, Des. Tael João

Selistre, Ap Cível nº 033.810, sessão de 22.05.97, na 3ª

Câmara Cível). (grifos nossos) (BRASIL, 2008e)

Por seu turno, na Ap. Cível, nº 1997.013250-6, o Des. Gaspar Rubik,

do TJ/SC, decidiu:

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - PEDIDO DE

INCLUSÃO DE SEGUNDO PRENOME OU, TECNICAMENTE, DE SOBRENOME, QUE NÃO SE CONFUNDE

COM O PATRONÍMICO OU APELIDO DE FAMÍLIA-

RECURSO PROVIDO. (Data: 26/03/1998) (BRASILf)

Alguns dispositivos infraconstitucionais revelam a presença, na linguagem das normas jurídicas, de signos e expressões vagos e essa circunstância

torna a atividade de interpretação e aplicação do Direito, sobretudo na jurisprudência, bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos,

sociais e políticos de uma comunidade.

5 O ALCANCE CONCEITUAL DA EXPRESSÃO “MOTIVADAMENTE”:

UMA REVELAÇÃO HERMENÊUTICA

A grande discussão acerca da admissibilidade ou não do acréscimo de

sobrenome, objetivando a homenagem a ascendentes por descendentes, tem sua

gênese na expressão “motivadamente”, constante do art. 57 da Lei 6.015/73,

cuja interpretação atribuída em alguns julgados vem se revelando contrária aos

ditames da hermenêutica jurídica pós-positivista.

O Direito, como instrumento de comunicação que é, traz em si um

forte poder de violência simbólica, expressado por meio dos signos linguísticos

contidos nas normas jurídicas. Sob este prisma, o signo deve ser visto não como

uma unidade semântica isolada, mas como uma ideia de ligação significativa

de certos conjuntos de signos linguísticos.

Partindo de uma análise do signo linguístico “motivadamente”, fincada

na trilogia semiótica, que é subdivida em semântica, sintática e pragmática,

chega-se ao alcance conceitual de tal expressão.

No plano semântico, os termos lingüísticos são considerados em seu

aspecto referente à realidade e ao contexto em que são colocados, buscando-se Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 77

o significado e o sentido da palavra, também por meio do dicionário, posto

que, em algumas vezes, a palavra é imprecisa, ainda mais quando integrante

da norma jurídica formulada por meio de orações e enunciados vagos.

Nesta linha, a expressão “motivadamente”, sob a luz do dicionário,

significa “expor ou explicar a razão ou motivo de; fundamentar.” (FERREIRA,

p. 1988). No entanto, a semântica da linguagem do Direito não se resume apenas

em um tecnicismo oriundo de dicionário, mas também na evolução e dinâmica

dos conceitos, materializadas na contínua elaboração de leis, as quais criam e

recriam novas terminologias, para representarem novos fatos jurídicos, objeto

de estudo da doutrina e da jurisprudência que, ininterrupta e elogiosamente,

no pleno exercício da hermenêutica, fixam diretrizes interpretativas das novas

expressões incorporadas à linguagem do Direito. Destaca Ferraz Júnior (2007,

p. 256) que: “A determinação do sentido das normas, o correto entendimento

do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de

conflitos constitui a tarefa dogmática da hermenêutica.”

Assim, norteado por uma hermenêutica coerente com a evolução do

Direito, não se pode conceber o equivocado entendimento de que o signo

“motivadamente” implicitamente signifique o sintagma “motivo justo”, como

se vem fazendo aleatoriamente. Ainda mais porque “motivo justo”, para a

hipótese de requerimento de acréscimo de sobrenome, tem sido erroneamente

interpretado como “capricho pessoal”, “mero capricho”, “ausência de motivação

séria e excepcional”. Entretanto, nesses casos, o princípio a ser aplicado é o

de que deve, em regra, ser deferida a retificação do nome quando, além de não

ser expressamente proibida por lei, melhora a situação social do interessado e

não acarreta prejuízo à ordem pública nem a terceiro.

No plano da sintática, sob os ventos da interpretação gramatical, o

vocábulo é considerado a partir do sistema no qual está inserido, observando-se

uma determinação dos múltiplos sentidos das expressões utilizadas no Direito.

Na concepção de Ferraz Júnior (1991), as questões sintáticas dizem respeito a

problemas de conexão das palavras nas sentenças: questões léxicas; e à conexão de uma expressão com outras dentro de um contexto: questões lógicas; e

à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.

A primeira questão analisada pelo aludido jurista vem afirmar que a

ordem das palavras e a forma pela qual elas estão atreladas no texto são de suma

relevância para se extrair o significado da norma. Com base nessa premissa, ao

verificar-se o texto do art. 57, nota-se que a palavra “motivadamente” está ao

lado da expressão “por exceção e”. Daí uma das causas de atribuir-se àquele

vocábulo um sentido negativo como o é este último. É a partir disso que

alguns operadores do Direito, de maneira infeliz, defendem que a expressão 78 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009

“motivadamente” quer significar, para a hipótese de acréscimo do sobrenome,

o sintagma “motivo justo”, que, por sua vez, estaria relacionada somente às

situações excepcionais de alteração de prenome.

Não se leva em conta, em vista dessa má interpretação, que os motivos

que impulsionam osjurisdicionados a buscarem no Judiciário a modificação, por

mínima que seja, de algo tão pessoal quanto o próprio nome, são, algumas vezes,

de foro exclusivamente íntimo, sem correspondência, portanto, a uma situação

objetiva necessariamente de dificuldade ou humilhação – a excepcionalidade

supramencionada. Apenas quem requer tal acréscimo pode mensurar o quanto

lhe afeta constar em seu nome o sobrenome daqueles que tanto contribuíram

para a sua formação como pessoa humana.

Ademais,de relaçãoàpartícula aditiva “e”,presentena locução“por exceção

e motivadamente”, segundo Vilanova (1969), sua função sintático-gramatical

tem relevância formal e, por vezes, confere ambiguidade ao texto, o que compromete a significância de outras palavras a ela conectadas.

No terceiro e último plano, dentro dos estudos da semiótica ou semiologia, tem-se a pragmática, nascida da relação firmada entre os signos e as

pessoas que deles se utilizam, a fim de que a comunicação entabulada entre os

comunicadores alcance a sua finalidade: a sua exata compreensão nos moldes

em que foi transmitida. Sob este enfoque, e voltando-se para a temática proposta, questiona-se, por exemplo, como é que o emissor e o receptor do elemento

SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL

SÚMULA Nº 01

SUCESSÃO TRABALHISTA – ALIENAÇÕES DE ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DECORRENTES DA EXECUÇÃO DO PROER – PROGRAMA DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO – CARACTERIZAÇÃO (REQUISITOS)

Nas alienações de estabelecimentos bancários decorrentes da execução do PROER – Programa de Apoio à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema financeiro, caracteriza-se sucessão trabalhista (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo nas hipóteses em que o bancário não tenha prestado trabalho ao sucessor, sendo, outrossim, irrelevante a tal configuração o fato de a instituição sucedida não ter sido extinta, ou seja, de estar submetida a regime de liquidação extrajudicial.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

SÚMULA Nº 02

BANCÁRIO – CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS À DATA DA ADMISSÃO – EXEGESE DOS ARTIGOS 224 E 225 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento).

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

 

SÚMULA Nº 03

DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO DE REPOUSOS SEMANAIS – NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO – MATÉRIA DISCIPLINADA PELO ARTIGO 10 DO REGULAMENTO APROVADO PELO DECRETO Nº 27.048, de 12 DE AGOSTO DE 1949

As diferenças de remuneração de repousos semanais, decorrentes de horas extras, implicam o direito à complementação do pagamento de aviso prévio indenizado, férias, gratificação natalina e depósitos de fundo de garantia do tempo de serviço – FGTS, em razão da natureza salarial definida pelo artigo 10, caput, do regulamento aprovado pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949″.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000

 

SÚMULA Nº 04

JUROS DE MORA – DEPÓSITO EM GARANTIA DO JUÍZO – EXEGESE DO ARTIGO 39, § 1º, DA LEI 8.177/91 – RESPONSABILIDADE DA PARTE EXECUTADA

Independentemente da existência de depósito em conta, à ordem do Juízo, para efeito de garantia, de modo a possibilitar o ingresso de embargos à execução e a praticar atos processuais subseqüentes, os juros de mora – que são de responsabilidade da parte executada – devem ser calculados até a data da efetiva disponibilidade do crédito ao exeqüente.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 04/2001 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/06/2001

 

SÚMULA Nº 05

(Cancelado pela RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 003/2003 DOE/PE: 25.02.03)

CUSTAS PROCESSUAIS – PAGAMENTO – IMPOSIÇÃO À PARTE VENCIDA EM JULGAMENTO DE AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE

Tratando-se de espécie de tributo cuja exigência depende de previsão legal, e havendo os artigos 702, inciso I, alínea “g”, e 789, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho sido revogados pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – conforme proclamado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.208-2, de que foi relator o Eminente Ministro Moreira Alves -, não há possibilidade de o magistrado trabalhista, em julgamento de ação de embargos de terceiro, condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 19/2001 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/12/2001

SÚMULA Nº 06

FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO – FGTS – PRESCRIÇÃO

Durante a vigência do contrato de trabalho e até dois anos após a sua extinção, é trintenária a prescrição do direito de reclamar a efetivação dos depósitos do FGTS, relativamente às parcelas de natureza salarial percebidas pelo empregado.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

SÚMULA Nº 07

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS

Em consonância com o disposto no artigo 457 da CLT, a gratificação percebida habitualmente em razão do exercício de função tem natureza salarial e, por conseqüência, integra a base de cálculo das horas extras prestadas.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

 

SÚMULA Nº 08

GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – QUITAÇÃO EM PARCELAS MENSAIS

Inclusão na base de cálculo para remuneração das horas extras. A parcela denominada gratificação semestral, quando paga mensalmente, possui natureza salarial, consoante diretriz traçada no artigo 457, § 1º da CLT, integrando a base de cálculo das horas extras.

RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)

SÚMULA Nº 09

TAXA ASSISTENCIAL – EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS – INEXIGIBILIDADE

É nula, por afrontar o princípio da liberdade sindical, a cláusula de instrumento normativo que obriga empregados não sindicalizados ao pagamento da taxa assistencial.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 10

MANDADO DE SEGURANÇA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE CRÉDITO –

Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT, bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 11

AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – COMPETÊNCIA FUNCIONAL

Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não extrapolem a sua circunscrição.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 15/2005  Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33

 

SÚMULA Nº 12

CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS

Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e tolerada pelo Poder Público.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2008 – 3ª PUBL. DOE/PE: 28/01/2009

SÚMULA Nº 13

EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. ÍNDICE DE REAJUSTE

Ao empregado público, que adquiriu o direito à incorporação de gratificação pelo exercício de função comissionada, em razão do princípio da estabilidade financeira, assegura-se o reajuste salarial geral, mas não a vinculação aos mesmos índices e critérios de revisão aplicados à remuneração dos cargos e funções comissionados.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2009 – 3ª PUBL. DOE/PE: 28/08/2009

SÚMULA Nº 14

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA.

A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento, após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária aplicável a espécie.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 – 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009

SÚMULA Nº 15

HORAS DE PERCURSO. SUPRESSÃO MEDIANTE NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE

É inválida a cláusula de instrumento coletivo que suprime direito à remuneração das horas de percurso (artigo 58, § 2º da CLT).

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 12/2011 – 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011

(*) Republicada por haver saído com incorreção.

 

SÚMULA Nº 16

URB. PAGAMENTO DE QUINQUÊNIOS. SUPRESSÃO. LEGALIDADE DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL

A supressão do pagamento de quinquênios aos empregados da Empresa de Urbanização do Recife (URB), decorrente da revogação de dispositivo de lei municipal, mediante a incorporação dos valores até então pagos como vantagem pessoal nominalmente identificável, não configura alteração contratual ilegal.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 12/2011 – 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011

(*) Republicada por haver saído com incorreção.

 

SÚMULA Nº 17

AGRAVO DE PETIÇÃO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 897, § 1º, DA CLT

A exigência da delimitação justificada dos valores impugnados (artigo 897, § 1º, da CLT) dirige-se apenas ao 
executado, não se aplicando ao exequente, por ter como objetivo viabilizar a execução imediata da parte remanescente”.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 15/2011 – 3ª divulgação no DEJT EM 18/11/2011

 

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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 1

Revista do

Tribunal Regional do Trabalho

7ª Região

Doutrina    Provimentos    Jurisprudência    Decisões

Justiça do Trabalho

Ceará

Ano XXXII – Nº 32 – janeiro a dezembro de 2009

ISSN 1980-99132 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Revista do TRT da 7ª Região

………………………………………………

E X P E D I E N T E

………………………………………………

Departamento da Revista

Capa, Editoração Eletrônica e Diagramação

Diretoria de Documentação – DDOC

Impressão

Gráfica do TRT 7ª Região

O Conteúdo dos artigos doutrinários publicados nesta Revista, as afirmações e os

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É permitida a reprodução total ou parcial das matérias constantes nesta revista,

desde que citada a fonte.

Conselho Editorial

Desembargador José Antonio Parente da Silva – Diretor da EJTRT7

Juiz Emmanuel Teófilo Furtado – Coordenador da EJTRT7

Juiz Francisco Tarcísio Guedes Lima Verde Jr. – Conselheiro da EJTRT7

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aldeoTa – FoRTaleza-ce – ceP 60.170-150

B823r Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 7ª.

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.

Fortaleza: 7ª Região, Ano XXXII, nº 32 – jan./dez. 2009.

386 p.; 21cm.

Anual

ISSN 1980-9913

1. Direito _ Periódico I. CEARÁ. Tribunal Regional

do Trabalho da 7ª Região

CDD 340.05

CDU 34 (05) Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 3

DESCARTES GADELHA (Fortaleza-CE 1943)

Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas,

destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1963), “Pintores do

Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador-BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965),

“O Circo”, no Paço das Artes (São Paulo-SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países LatinoAmericanos”, na Casa do Congresso de Angostura (Caracas –Venezuela 1982). Obteve

prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza-CE 1964), no I e II Salões Nacionais

de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em

Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições,

destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro-RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo-SP 1968), Instituto Goethe (Salvador-BA 1974) e as expressivas mostras

“Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1986), “De um Alguém para

Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” – com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões,

além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio

Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no

Palácio da Abolição (Fortaleza-CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração

do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do

museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha

retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará,

sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.

Fonte: <http://www.casadoceara.org.br>

DESCARTES GADELHA, Preparando o chão, óleo sobre eucatex, 61cm x 76cm, 1982COMPOSIÇÃO DO TRT DA 7ª REGIÃO………………………………………………… 7

COMPOSIÇÃO DAS VARAS DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO ……………… 9

DOUTRINA

“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM ESTÁ NO PASSADO” – JOSÉ ANTONIO

PARENTE DA SIlvA………………………………………………………………………………………………19

“O FENÔMENO DA JUDICIAlIZAÇÃO DA POlÍTICA: TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONAlISMO” – EMMANUEl TEÓFIlO FURTADO E CARlOS HENRIqUE

DE ARAgÃO CAvAlCANTE……………………………………………………………………………………..25

“A INTERNAlIZAÇÃO DAS CONvENÇÕES DA OIT COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS” – KONRAD SARAIvA MOTA ……………………..47

“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO JUSTO AO ACRÉSCIMO

DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,

CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS, À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA” – RODOlFO PAMPlONA FIlHO E HERMANO FABRÍCIO OlIvEIRA

gUANAIS E qUEIROZ ……………………………………………………………………………………………65

“A ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA COMO MECANISMO EFETIvO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E DE ACESSO À JUSTIÇA” – CARlOS HENRIqUE

BEZERRA lEITE…………………………………………………………………………………………………..87

“A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DAS RElAÇÕES TRABAlHISTAS”

– ElBA MARINA ÁlvAREZ FONTENElE ………………………………………………………………………91

“A TEORIA DO CONglOBAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DAS ClÁUSUlAS

NEgOCIAIS COlETIvAS FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABAlHO”

– CARlOS CAvAlCANTE MElO………………………………………………………………………………107

PROVIMENTOS……………………………………………………………………………………………133

JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAIS SUPERIORES ……………………………………………………………………. 181

ACÓRDÃOS DO TRT DA 7ª REGIÃO

DESEMB. MANOEl ARÍZIO EDUARDO DE CASTRO ……………………………………. 197

DESEMB. JOSÉ RONAlD CAvAlCANTE SOARES ……………………………………….. 206

DESEMB. lAÍS MARIA ROSSAS FREIRE ………………………………………………….. 215

DESEMB. ANTONIO CARlOS CHAvES ANTERO ……………………………………….. 222

DESEMB. ANTONIO MARqUES CAvAlCANTE FIlHO………………………………….. 233

DESEMB. DUlCINA DE HOlANDA PAlHANO …………………………………………… 244

Sumário6 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

DESEMB. JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SIlvA ………………………………………….. 257

DESEMB. ClÁUDIO SOARES PIRES ……………………………………………………….. 264

JUÍZA CONvOCADA REgINA glAUCIA C. NEPOMUCENO …………………………… 279

EMENTÁRIO DO TRT DA 7ª REGIÃO…………………………………………………………….. 289

DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ………………………………………………………………………. 305

ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA …………………………………………………… 369

ÍNDICES DE JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAIS SUPERIORES ………………………………………………………………………. 373

ACÓRDÃOS DO TRT 7ª REgIÃO …………………………………………………………… 377

EMENTÁRIO DO TRT 7ª REgIÃO ………………………………………………………….. 381Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 7

Composição do

Tribunal Regional do Trabalho

da 7ª Região

Des. José Antonio PArente DA silvA

Presidente

Des. CláuDio soAres Pires

Vice-Presidente

Des. MAnoel Arízio eDuArDo De CAstro

Des. José ronAlD CAvAlCAnte soAres

Des. lAís MAriA rossAs Freire

Des. Antonio CArlos ChAves Antero

Des. Antonio MArques CAvAlCAnte Filho

Des. DulCinA De holAnDA PAlhAno8 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 9

Composição das

Varas do Trabalho

da 7ª Região

VARAS DO TRABALHO DE FORTALEZA – CE

Jurisdição: Fortaleza

enDereço: FóruM AutrAn nunes

Ed. Dom Helder Câmara – Av. Tristão Gonçalves, 912 – Centro

CEP 60.015-000 – Tel.: (0xx85) 3308.5900

TITULARES

1ª VARA DO TRABALHO

Juiz JuDiCAel suDário De Pinho

2ª VARA DO TRABALHO

JuízA MAriA roseli MenDes AlenCAr

3ª VARA DO TRABALHO

JuízA MAriA José Girão

4ª VARA DO TRABALHO

Juiz PAulo réGis MAChADo Botelho

5ª VARA DO TRABALHO

JuízA rossAnA rAiA Dos sAntos

6ª VARA DO TRABALHO

Juiz PlAuto CArneiro Porto

7ª VARA DO TRABALHO

Juiz JeFFerson quesADo Júnior

8ª VARA DO TRABALHO

JuízA rosA De lourDes AzeveDo BrinGel

9ª VARA DO TRABALHO

Juiz João CArlos De oliveirA uChôA

10ª VARA DO TRABALHO

Juiz eMMAnuel teóFilo FurtADo

11ª VARA DO TRABALHO

JuízA ivâniA ArAúJo Férrer

12ª VARA DO TRABALHO

Juiz Antonio teóFilo Filho

13ª VARA DO TRABALHO

JuízA reGinA GláuCiA CAvAlCAnte nePoMuCeno

14ª VARA DO TRABALHO

Juiz DurvAl CésAr De vAsConCelos MAiA10 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE BATURITÉ

JurisDição: Acarape, Aracoiaba, Aratuba, Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga,

Itatira, Mulungu, Ocara, Pacoti, Palmácia, Paramoti e Redenção.

enDereço: Rua Major Catão, 450 – Mondego

CEP 62.760-000 – BaTuRiTé-ce – Fone/Fax: (0xx85) 3347.1332

titulAr

JuízA AlDenorA MAriA De souzA siqueirA

VARA DO TRABALHO DE CAUCAIA

JurisDição: Apuiarés, Caucaia, General Sampaio, Itapagé, Itapipoca, Paracuru, Paraipaba,

Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luiz do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu,

Umirim e Uruburetama.

enDereço: Rua Contorno Sul, S/N – Planalto

CEP 61.605-490 – caucaia-ce – Fone/Fax: (0xx85) 3342.2873/2334

titulAr

Juiz FrAnCisCo tArCísio GueDes liMA verDe Júnior

VARA DO TRABALHO DE CRATEÚS

JurisDição: Ararendá, Crateús, Hidrolândia, Independência, Ipaporanga, Ipueiras,

Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Nova Russas, Parambu, Poranga, Quiterianópolis,

Santa Quitéria, Senador Catunda, Tamboril e Tauá.

enDereço: Rua Hermínio Bezerra, 1655 – Planalto

CEP 63.700-000 – cRaTeús-ce – Fone/Fax: (0xx88) 3691.2040/2473

titulAr

Juiz roBério MAiA De oliveirARevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 11

VARA DO TRABALHO DE CRATO

JurisDição: Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Crato, Farias

Brito, Jardim, Nova Olinda, Potengi, Salitre e Santana do Cariri.

enDereço: Av. Perimetral Dom Francisco, S/N

CEP 63.101-000 – Crato-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3523.2707

titulAr

Juiz Clóvis vAlençA Alves Filho

VARA DO TRABALHO DE IGUATU

Jurisdição: Acopiara, Aiuaba, Arneiroz, Baixio, Cariús, Catarina, Cedro, Icó, Iguatu,

Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Mombaça, Orós, Piquet Carneiro, Quixelô,

Saboeiro, Tarrafas, Umari e Várzea Alegre.

enDereço: Rua José de Alencar, S/N

ceP 63.500-000 – iguaTu-ce – Fone/Fax: (0xx88) 3581.1971

titulAr

Juiz FrAnCisCo GerArDo De souzA Júnior

VARA DO TRABALHO DE JUAZEIRO DO NORTE

JurisDição: Abaiara, Aurora, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Granjeiro, Jati,

Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Penaforte, Porteiras.

enDereço: Rua José Marrocos, S/N – Centro

ceP 63.050-240 – Juazeiro do Norte-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3512.3277

titulAr

Juiz herMAno queiroz Júnior12 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO DO NORTE

JurisDição: Alto Santo, Ererê, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro

do Norte, Morada Nova, Pereiro, Potiretama, Quixerê, Russas, São João do Jaguaribe

e Tabuleiro do Norte.

enDereço: Rua Cândido Olímpio de Freitas, 1655 – Centro

ceP 62.930-000 – Limoeiro do Norte-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405

titulAr

Juiz sinézio BernArDo De oliveirA

POSTO AVANÇADO DA VARA DO TRABALHO

DE LIMOEIRO DO NORTE – ARACATI

JurisDição: Aracati, Fortim, Icapuí, Itaiçaba, Jaguaruana e Palhano.

enDereço: Rua Cel. Alexandrino, 503 – Centro

ceP 62.800-000 – Aracati-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405

titulAr

Juiz sinézio BernArDo De oliveirA

VARA DO TRABALHO DE MARACANAÚ

JurisDição: Guaiuba, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape e Pacatuba.

enDereço: Av. Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 80 – Colônia Antônio Justa

ceP 61.900-000 – Maracanaú-CE – Fone/Fax: (0xx85) 3371.2430/2963

titulAr

Juiz CArlos AlBerto trinDADe reBonAttoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 13

VARA DO TRABALHO DE PACAJUS

JurisDição: Aquiraz, Beberibe, Cascavel, Chorozinho, Euzébio, Horizonte, Pacajus e

Pindoretama.

enDereço: Av. Vice-Prefeito Expedito Chaves Cavalcante, S/N – Cruz das Almas

CEP 62.870-000 – Pacajus-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3348.0521/0228

titulAr

Juiz José henrique AGuiAr

VARA DO TRABALHO DE QUIXADÁ

JurisDição: Banabuiú, Boa Viagem, Canindé, Caridade, Choró, Dep. Irapuan Pinheiro,

Ibaretama, Ibicuitinga, Itapiúna, Madalena, Milhã, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Solonópole.

enDereço: Rua Tenente Cravo, 775 – Campo Velho

CEP 63.900-000 – Quixadá-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3412.0599

titulAr

JuízA MAriA DA ConCeição FerreirA MAGAlhães

VARA DO TRABALHO DE SOBRAL

JurisDição: Acaraú, Alcântaras, Amontada, Barroquinha, Bela Cruz, Camocim, Cariré,

Chaval, Coreaú, Cruz, Forquilha, Granja, Groaíras, Irauçuba, Itarema, Jijoca de Jericoacoara, Marco, Martinópole, Massapê, Meruoca, Miraíma, Moraújo, Morrinhos,

Mucambo, Pacujá, Santana do Acaraú, Senador Sá, Sobral e Uruoca.

enDereço: Av. Lúcia Sabóia, 500 – Centro

CEP 62.010-830 – Sobral-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3611.2500

titulAr

Juiz luCivAlDo Muniz FeitosA14 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

VARA DO TRABALHO DE TIANGUÁ

JurisDição: Carnaubal, Croatá, Frecheirinha, Graça, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipu,

Pires Ferreira, Reriutaba, São Benedito, Tianguá, Ubajara, Varjota e Viçosa do Ceará.

enDereço: Rua Manoel da Rocha Teixeira, S/N – Planalto

CEP 62.320-000 – Tianguá-CE – Fones: (0xx88) 3671.3129/3975

titulAr

JuízA lenA MArCílio XerezRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 15

JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS

(Ordem de Antiguidade)

Marcelo liMa Guerra

Milena Moreira de SouSa

antônio GonçalveS Pereira

JoSé Maria coelho Filho

raFael Marcílio Xerez

Sandra helena BarroS de Siqueira

ana luíza riBeiro Bezerra

FranciSco antônio da Silva Fortuna

Kelly criStina diniz Porto

GerMano Silveira de Siqueira

lúcio Flávio aPoliano riBeiro

Konrad Saraiva Mota

Maria roSa de araúJo MeStreS

roSSana talia ModeSto GoMeS SaMPaio

MateuS Miranda de MoraeS

Suyane Belchior ParaiBa de araGão

laura aníSia Moreira de SouSa Pinto

chriStianne FernandeS carvalho dióGeneS

Fernanda Monteiro liMa verde

reGiane Ferreira carvalho Silva

daniela Pinheiro GoMeS PeSSoa

eliúde doS SantoS oliveira

FaBrício auGuSto Bezerra e Silva

Glaucia Maria Gadelha MonteiroDOUTRINA18 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 19

“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM

ESTÁ NO PASSADO”

José Antonio Parente da Silva

Desembargador Presidente do TRT da 7ª Região

e Diretor da Escola Judicial

“O trabalho da memória é conservar estas prodigiosas coisas,

defendê-las do desgaste banalíssimo do quotidiano, ciosamente,

porque talvez não tenhamos outra melhor riqueza.”

José Saramago

Nossas ações no campo da preservação da memória institucional

reiteram um senso de compromisso para além da faina administrativa, fomentando a geração de novos círculos de estudos e pesquisas apoiados na aliança

do pensamento e da ação concreta de preservação da história e memória do

judiciário trabalhista. A proposta, em curso, de instalação de um Núcleo de

Estudos e Pesquisas, alimentado pela ação da Biblioteca Aderbal Nunes

Freire, do Memorial e animados por nossa Escola Judicial expressam nossa

afeição pela cultura, com o evidente propósito de articular programa de gestão

e impulso ao conhecimento.

Entendemos que os passos ora ensaiados além de afirmar nosso

compromisso indicam alguns procedimentos sistemáticos e definição de

objetivos permanentes em nossa faina. Entre vários se destacam o fomento

à organização e posterior digitalização de fundos e coleções documentais

garantindo sua preservação e estimulando o amplo acesso; a realização de

exposições itinerantes e elaboração de materiais educativos para estimular

os estudos sobre o judiciário trabalhista em suas conexões com a história

social do trabalho no Brasil; a promoção do adequado tratamento técnico

dos acervos documentais e bibliográficos, observando as condições de preservação e  difusão das informações. É de se observar que o atual trabalho

de higienização, catalogação e descrição dos processos trabalhistas, enseja

vários desdobramentos no campo do estudo e da pesquisa, desde a ampliação

do repertório de fontes, à incorporação de fontes testemunhais apensas aos

processos, à publicação dos Inventários e edições fac-similares de documentos,

dossiês de pesquisa, exposições temáticas, suscitando também a realização

de dissertações e teses. E tudo isto com o propósito de promover amplo

acesso a estes documentos tanto ao cidadão em busca de direitos, quanto aos

pesquisadores comprometidos com a história social no Brasil.20 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Uma concepção renovada da pesquisa histórica no Brasil, articulada

aos trânsitos entre as disciplinas e em debate no campo da História Social requer um arcabouço de medidas e procedimentos no sentido da regulamentação,

da democratização do acesso, da definição de política pública de proteção,

preservação, atualização e divulgação de acervos. Afinal, “Documento recolhido e não organizado significa informação não disponibilizada, portanto,

inexistente”, como asseveram as reflexões produzidas no âmbito do Plenário

do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ.

Nossa tarefa é agora de incentivo, no âmbito da gestão documental,

à preservação e compartilhamento do patrimônio documental, em sintonia

com a defesa da memória como direito humano fundamental. No Brasil,

o direito de acesso à informação e à proteção aos documentos é ratificado

na Constituição Federal de 1988, em vários de seus Títulos. Seu artigo 216

(2007. p. 108), na seção II – DA CULTURA, preconiza:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens

de natureza material e imaterial, tomados individualmente

ou em conjunto, portadores de referência à identidade,

à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais

espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico

e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade,

promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,

por meio de inventários, registros,vigilância, tombamento

e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e

preservação.

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a

gestão da documentação governamental e as  providências

para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. […]

§ 4º  Os danos e ameaças ao patrimônio

cultural serão punidos, na forma da lei.[…]

Neste ponto, ainda que longo, reproduzo a pertinente formulação

de (RANSOLIN; DECKER; OLIVEIRA, 2008, p. 128) em seus estudos

sobre gestão documental do Memorial da Justiça do Trabalho da 4ª Região:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 21

A Constituição Federal elenca como um dos pilares fundamentais da democracia o direito de acesso à informação

(art. 5º, XIV), já que a democracia é o regime do poder

visível, pois não tolera o poder que oculta ou o poder que

se oculta. E de nada adianta garantir o direito de acesso

à informação, se esta não é preservada, ou ainda, se

preservada, não está disponível ou em condições de ser

acessada, por não estar organizada de modo a possibilitar a

sua localização e a sua recuperação. O constituinte estava

atento a essas questões e não as deixou sem resposta, a fim

de que o direito de acesso à informação pudesse efetivamente ser concretizado no dia-a-dia dos cidadãos. Assim

é que elevou os documentos (onde as informações estão

contidas) à categoria de patrimônio cultural brasileiro

ao lado de outros bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

referência a identidade, a ação, a memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira, determinando

ao Poder Público a sua    promoção e proteção. Tamanha

a importância do direito de acesso à informação para o

regime democrático que o constituinte não parou por aí,

tendo se preocupado em especificar a forma pela qual

a proteção ao patrimônio documental brasileiro deveria

ser realizada. Determinou, então, caber à administração

pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a

quantos dela necessitarem.

Em sintonia com os preceitos constitucionais de 1988, é consabido

que a preservação dos documentos públicos é um direito dos cidadãos tanto

para a produção da prova quanto para a proteção da memória coletiva. Em

nosso caso, a discussão e os procedimentos adotados devem acontecer no

âmbito inclusive da nova redação que a Emenda 45 trouxe ao Artigo 114 da

Constituição Federal, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, o que

implica na observação de novos prazos prescricionais. Neste plano, atentese ainda aos pressupostos da Lei Federal 8.159 de 08 de janeiro de 1991 e à

Resolução 14 do CONARQ.

No judiciário trabalhista a discussão vigente sobre a preservação de

documentos como prova e como patrimônio histórico entende que já

não se trata simplesmente de uma atividade relacionada à

guarda e organização de “papel velho”, de processos sem

nenhuma utilidade. Estamos a pensar a responsabilidade

nossa, enquanto dever e não faculdade, de preservar,

do acautelamento quanto à guarda de nossos processos,

porquanto esses contam e recontam nossa história, na

apropriada formulação de Anita Lübbe, (2007) juíza titular

da Vara do Trabalho de Guaíba-RS. 22 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Sabe-se que o acesso aos documentos, demanda um trabalho continuado de nossa parte em articulação com as Universidades e Centros de

pesquisa e memória. Quanto maior a articulação entre os agentes públicos,

pesquisadores e cidadãos comprometidos com o direito à memória, o  acesso aos

documentos públicos será uma prioridade e um garante ao pleno do exercício

da democracia.

No mundo contemporâneo, em torno de 57 países adotam uma regulamentação apropriada cujo lastro fundamental é o direito à informação

em suas palavras chave: liberdade de expressão e comunicação. Ressalte-se

que, pelo menos desde o meado da década de 1960 do século XX, a noção

do direito à informação torna-se corrente no campo ampliado dos direitos

fundamentais. O que antes era privilégio, agora é direito. Dito de outra forma,

devemos trabalhar de modo  que a memória coletiva sirva para a libertação

e não para a servidão dos homens, como sublinha a máxima de Jacques Le

Goff, que em  epígrafe abre o capítulo do Memorial do TRT 7ª Região.

Essa breve introdução, pretende apenas ser um fio condutor para pensarmos e revisarmos antigos e sempre novos problemas relacionados entre si.

Proponho aqui uma reflexão sobre os termos da História e Memória enquanto

ferramenta possível de construção da cidadania. Um convite à reflexão, apoiado

na palavra de um historiador social de larga experiência na pesquisa em arquivos

do judiciário brasileiro, (CHALHOUB, 2008, p. 45):

A preservação é uma coisa que fazemos para o futuro, é

pensar grande, é pensar com generosidade e pensar na

importância de que se tenha a possibilidade de conhecer

histórias como essas, das Ações de Liberdade, para sempre,

se possível. Por que é isso que nos dá uma dimensão mais

clara, mais humana sobre as diversas configurações de uma

Nação, ou um grupo social. Vivemos em uma sociedade

que é extremamente injusta coerentemente injusta, durante

muitos séculos. Acredito que a única maneira de transformar realmente uma sociedade como essa depende de uma

democratização efetiva, e esta depende de certo direito

à memória, o direito ao passado, o direito das pessoas

conhecerem o sofrimento que essa sociedade impingiu a

si própria durante séculos. Porque nada vai mudar aqui se

não houver uma mudança de atitude geral. Essa mudança

de atitude só é possível com o conhecimento da História,

das diversas histórias. Esse acervo que a Justiça do Trabalho tem hoje em dia será, daqui a dois séculos, tão ou

mais valioso para as gerações futuras quanto o material

do século XIX que, por acaso, sobreviveu.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 23

Hoje, ao afirmar nossos compromissos,                 apoiados nas políticas pú-

blicas de acesso à informação, convidamos ao compartilhamento de ações

que visem à ampliação do mapa do conhecimento histórico no âmbito do

judiciário trabalhista. O TRT7 busca se construir como um lugar de história

e memória. Este o desafio, no Ano 10 do Memorial do TRT7.

Assim sendo, como suporte e incentivo às ações do Memorial, da

Biblioteca Aderbal Nunes Freire e em diálogo com a Escola Judicial se instala

no TRT 7ª Região um Núcleo de Estudos e Pesquisas da história e memória da

Justiça do Trabalho no Ceará. A idéia básica é constituir um espaço de fomento

ao estudo sistemático e à pesquisa, a partir das fontes históricas reunidas no

Memorial e Biblioteca – processos trabalhistas, carteiras de trabalho, fontes

iconográficas, impressas e objetos datados da década de 1920 e seguintes.

Nessa perspectiva de reconstituição e organização de  fontes históricas, do estímulo à produção de novos saberes, o Núcleo de Estudos e

Pesquisas do TRT 7ª Região, esforço compartilhado da Biblioteca, do Memorial e de nossa Escola Judicial, se desenha como lugar de contribuição

à história social no Ceará.

referências

CHALOUB, Sidney. Ações Cíveis Envolvendo Escravos no século XIX. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, 2., 2008,

Campinas, SP. Anais … São Paulo, LTr, 2008. p. 45

CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da

Editora Revista dos Tribunais. 12. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007. p. 108.

MEMÓRIA e preservação de documentos: direitos do cidadão. Coordenado por Magda

Barros Biavaschi, Anita Lübbe e Maria Guilhermina Miranda. São Paulo: Ltr, 2007.

RANSOLIN, Antonio Francisco; DECKER, Elton Luiz; OLIVEIRA, Walter. Memorial

da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: pesquisa, divulgação e preservação

do acervo histórico. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO

TRABALHO, 2., 2008, Campinas, SP. Anais … São Paulo, LTr, 2008.

SCHELLENBERG, T. R. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. 6. ed. Rio de

Janeiro: FGV, 2006.24 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 25

“O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:

TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E

CONSTITUCIONALISMO”

Emmanuel Teófilo Furtado

Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca – Espanha

Professor visitante da Universidade de Havre – França

Professor de Direito da Universidade Federal do Ceará

Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza

Carlos Henrique de Aragão Cavalcante

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará

RESUMO: Este artigo tem como objetivo estudar o fenômeno da judicialização da

política. A judicialização pode ser compreendida como a utilização do Poder Judiciário

como instância decisória de questões políticas. Em primeiro momento, analisaremos a

transformação que  a idéia de abstração e generalidade da lei, típicas de uma concepção

liberal, vem sofrendo diante da complexidade da sociedade contemporânea e sua face

multicultural. A atividade legislativa, caracterizada pela multiplicidade de interesses a

serem organizados, chega a consensos pela utilização de expressões abertas, conceitos

jurídicos indeterminados e dos legal standards.Juntamente com a “inflação legislativa”,

estas expressões de textura aberta corroboram para uma maior discricionariedade

judicial. O papel a ser desempenhado pelo judiciário na concretização dos programas

constitucionais, frente a inefetividade das instituições majoritárias,  pode ser visualizado

como uma tensão entre o constitucionalismo, entendido como uma técnica de limitação

do poder estatal e como um conjunto de procedimentos para o jogo democrático, e

a democracia, entendida como fonte de legitimidade do exercício do poder político

por meio das decisões majoritárias. Por fim, estudaremos como a nova Hermenêutica

Constitucional contribui para uma atividade judicial mais ampla, pela idéia de normatividade dos princípios, quando se cogita de uma criatividade na atuação do judiciário.

THE JUDICIALIZATION PHENOMENA OF POLITICS: TENSION BETWEEN

DEMOCRACY AND CONSTITUCIONALISM.

This article aims to study the phenomena of the judicialization of politics. This can

be understood as the utilization of the judicial power as a derisory sphere of politic

issues. In the first instance, examine the transformation of the idea of abstraction and

generality of the law, typical of a liberal concept, has undergone by the complexity of

contemporary society and its multicultural face. The legislative activity, characterized

by the multiplicity of interests to be organized, the consensus reached by the use of open 26 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

terms, uncertain legal concepts and the legal standards. Together with the ‘legislative

inflation’, these expressions of open texture support for greater judicial discretionarily.

The mission to be developed by the judiciary power at the constitutional programs

concretization, against the ineffective of the majority institutions, can be visualized

as a tension between the constitutionalism, understood as a limitation of the estate

power technique and as collaborative procedures for the democratic match, and the

democracy, understood as legitimacy of political power source by means of majority

decisions. Finally, we will study how the new constitutional hermeneutics contribute

for a more wide judicial activity, by the normative force idea of the principles, when

considering creativity on the judiciary actuation.

KEY-WORDS: Judicialization. democracy. power judiciary.

1 INTRODUÇÃO

Em uma sociedade complexa pós-industrial, o esquema rígido de tripartição das funções estatais apresenta-se como um modelo controverso, dada a

real função que o Poder Judiciário é chamado a desempenhar nas democracias

contemporâneas. Estaria o Judiciário legitimado a tomar decisões políticas,

com o intuito de garantir direitos fundamentais? Decisões com acentuado teor

político devem ser reservadas às esferas tradicionais das decisões majoritárias?

Atualmente, o Poder Judiciário se vê envolvido por questões deste tipo.

Nas palavras de Luis Roberto Barroso:

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos

foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário.

Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da

magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar

um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o

Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação

substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões

complexas acerca da extensão de seus poderes

1

.

O presente artigo tem o objetivo de analisar estas questões e seus desdobramentos.

2 FUNÇÃO JURISDICIONAL E VAGUEZA LEGAL

Afunção jurisdicional, atividade de pacificação social exercida pelo Poder

Judiciário, que substitui as partes envolvidas no conflito para solucioná-lo, é umRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 27

alicerce sobre o qual se ergue o Estado Democrático de Direito. Este Estado é

estruturado por um corpo normativo que possui qualidades de um sistema coerente e racional. Apesar disto, na praxe social, muitas vezes surgem ameaças e

agressões a direitos garantidos pelo ordenamento jurídico. É neste espaço que,

via de regra

2

, age o Poder Judiciário, recompondo a ordem antes estabelecida.

Assim, no esquema clássico da separação das funções estatais, estaria reservada ao Poder Judiciário a função de, em outras palavras, aplicar a lei ao caso

concreto, fazendo valer a prescrição da conduta que tinha sido prevista em lei.

A lei é identificada como uma norma genérica e abstrata que visa regular, de

forma universal, todos os casos nela previstos, por meio da subsunção legal.

Luis Roberto Barroso afirma:

O conhecimento jurídico tradicional, que se abebera nas

fontes romanas e tem como pontos culminantes a produção

científica de Savigny, no século passado, e de Hans Kelsen,

neste século, exibe como traços marcantes o formalismo e

o dogmatismo. O elemento básico na idéia de formalismo

é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolve

por via de um processo dedutivo, onde se colhe a norma

no ordenamento e faz-se a subsunção dos fatos relevantes

3

.

A codificação do Direito realizada pelas revoluções burguesas simboliza o auge da força política do poder legislativo, e tem como consequência

uma atuação judicial estreita exclusivamente aos limites da lei. A hermenêutica

mecânica, reduzindo a experiência jurídica à esfera normativa, fazia do magistrado um mero aplicador da lei. Esta posição hermenêutica era corroborada

pela estrutura de autoprodução do Direito, visto não como fato social, mas

apenas como um conjunto de normas positivadas “sob a forma de um aparato

conceitual depurado”

4

. Sói perceber que à atividade judicial não eram autorizadas as avaliações políticas

5

. Os códigos, portanto, tornavam-se impermeáveis

a qualquer tentativa de integração às transformações econômicas e sociais

6

.

A conceituação da jurisdição como função dirigida a fazer valer a vontade concreta da lei está ligada à idéia de lei como norma genérica e abstrata, à

nítida separação entre criação e aplicação do direito, e à idéia de diferenciação

entre aplicação e interpretação do direito.

Sobre a idéia de lei genérica e abstrata, Luis Guilherme Marinoni

afirma:

A idéia de lei genérica e abstrata, fundada pelo Estado

legislativo, supunha uma sociedade homogênea, composta por homens “livres e iguais” e dotados das mesmas28 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

necessidades. É claro que essa pretensão foi rapidamente

negada pela dimensão concreta da vida em sociedade,

inexoravelmente formada por pessoas e classes sociais

diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas

7

.

A passagem do Estado Liberal clássico para o Estado Social, representa

a mudança de orientação de uma atividade estatal que buscava a justiça formal

para um Estado que intenta alcançar uma justiça material.

Picardi afirma:

É sabido que, com a passagem do Estado liberal clássico

ao Estado social de direito, as tarefas dos magistrados

e dos aparelhos administrativos se multiplicaram. Mas

a ampliação desses aparelhos determinou, para além e

contra as intenções, um incremento dos poderes do juiz

8

.

Paulo Bonavides, sobre a transformação do paradigma do Estado Liberal

em Estado Social, esclarece:

O velho liberalismo, na estreiteza de sua formação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem

econômica das vastas camadas proletárias da sociedade,

e por isso entrou irremediavelmente em crise.

A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.Não dava nenhuma solução às contradições sociais,

mormente daqueles que se achavam à margem da vida,

desapossados de quase todos os bens

9

.

Ainda sobre a mudança do modelo de Estado liberal para Estado social,

Werneck et al, afirmam:

Dessas múltiplas mutações, a um tempo institucionais e

sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os poderes, como também a conformação

de um cenário para a ação social substitutiva à dos partidos

e a das instituições políticas propriamente ditas, no qual o

Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolu-

ção de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social

e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante

na pauta da facilitação do acesso à Justiça

10

.

O Estado, recebendo uma nova agenda política, necessita instrumentalizar suas ações de intervenção na sociedade para alcançar a igualdade material.

Neste sentido, o juiz assume papel social de distribuição da justiça material,

ampliando seu âmbito tradicional de atuação

11

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 29

O fenômeno do aumento das intervenções judiciais ocasionado pelo

surgimento do paradigma do Estado social é acelerado “pela patologia de uma

legislação oscilante entre a inflação emalgunssetores e a inatividade emoutros”

12

.

E ainda: com a velocidade dastransformaçõessociais numa época de “transnacionalização dos mercados de insumos, capitais, finanças e consumo”

13

o legislador

é levado cada vez mais a adotar técnicas legislativas flexíveis e elásticas.

Frente a este quadro, Marinoni afirma:

É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo

clássico – deixam de existir. A vontade legislativa, passa a

ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas

forças de pressão. A respeito, afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por

variáveis coalizões legislativas de interesse

14

.

Neste sentido Perelman afirma que os membros de um Parlamento,

possuindo pontos de vista dissonantes sobre as matérias a serem votadas,

“se esforçam em conciliar mediante compromissos, frequentemente obtidos

mediante fórmulas vagas, que permitem, por isso mesmo, interpretações

divergentes”

15

. Deste modo, o legislador faz uso dos conceitos-válvula, dos

legal standards, das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados.

Embora as distinções entre estas modalidades de abertura no corpo legislativo

sejam muito sutis e não tão claras, importa perceber que todas são técnicas

legislativas que transferem ao juiz decisões que o legislador não quis ou não

pode fazer. Todos esses elementos corroboram para a atividade integrativa do

judiciário, que necessita interpretar conceitos com textura aberta para prestar

a tutela jurisdicional.

A superação das técnicas clássicas de interpretação da lei pela visão da

Nova Hermenêutica Constitucional

16

, estruturada pela idéia de normatividade

dos princípios, torna favorável o ambiente acima descrito para o que se tem

chamado de juridificação

17

(judicialização ou juridicização) da política.

3 JUDICIALIZAÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS

O aumento relativamente desordenado da legislação ocasiona aquilo

que Nicola Picardi chamou de “época da decodificação”, contexto histórico

no qual a idéia do Direito como um sistema jurídico vai, paulatinamente,

sendo desgastada, por conta de alterações casuísticas, que agridem a sistemá-

tica tanto da legislação material, quanto da legislação processual (chamada 30 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

por Picardi de “códigos de rito”)

18

. Estas modificações casuísticas fornecem

a idéia de ‘inflação legislativa’, que é a multiplicação das leis, e também pode

ser compreendida como sua desvalorização.

Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o número de matérias, atividades e comportamentos regulados por textos legais, essa desenfreada produção

legislativa culmina, assim, na ruptura da organicidade,

da unidade lógico formal e da racionalidade sistêmica

do ordenamento jurídico e, por conseqüência, na perda

da própria capacidade de predeterminação das decisões

concretas por meio do direito positivo

19

.

Assim, a pluralidade de leis pode ocasionar, na prática, a falta de efetividade das normas jurídicas. Já a inatividade do legislador abre espaços que

tendem a ser supridos pela atuação judicial. Tanto a multiplicação desordenada,

quanto a inércia do legislador, favorecem o aumento da discricionariedade

judicial. Neste sentido, o vazio deixado pelos outros poderes é levado ao judiciário, e como este não pode eximir-se de julgar, decide questões cada vez

mais políticas, que extrapolam o modelo de lide interindividual.

O fenômeno da judicialização da política é paralelo ao da expansão

da discricionariedade judicial. Os dois têm em comum o fato de alargarem os

limites da intervenção judicial na sociedade, majorando os poderes dos juízes.

Sobre a compreensão do que venha a ser poderes do juiz, Picardi aponta

duas formas de abordar o tema:

O aumento dos poderes do juiz, a sua vez, pode ser considerado pelo menos de um duplo ponto de vista: poder

do juiz entendido como função, isto é poder de resolver

a controvérsia singular que lhe foi submetida; e  poder

dos juízes, entendido como estrutura ou instituição, isto

é, poder atribuído a um complexo de órgãos (a chamada

administração da justiça), em relação à organização compreensiva da sociedade

20

.

Nicola Picardi afirma que a discricionariedade judicial também é fortalecida pela ampla utilização dos chamados “recursos aos pronunciamentos

de urgência”. Em outras palavras, a tutela cautelar e antecipatória, isto é, as

tutelas de cognição sumária tendem a ocupar um lugar de destaque em relação

às tutelas de cognição plena

21

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 31

Dando especial ênfase ao direito processual, Picardi afirma que

ao longo do século XIX, foi se concretizando a idéia de um procedimento

único. Entretanto, no século XX, uma série de procedimentos especiais foi

sendo utilizada paralelamente ao procedimento ordinário, o que fez com que

o próprio procedimento ordinário se tornasse um procedimento residual.

Picardi afirma:

[…] no século XIX foi se afirmando não só a idéia de uma

jurisdição tendencialmente única para a solução de todas as

controvérsias, mas também uma vinculada a um tipo único

de processo: o processo ordinário, regulado pelo código

de rito […] No século XX, em contrapartida, uma série de

procedimentos especiais foi progressivamente sendo posta

ao lado do ordinário, terminando por afastar o papel central

desempenhado por este último […]

22

.

Picardi identifica nesta multiplicidade de normas processuais e de ritos

diferentes o aumento da possibilidade de solução dos conflitos, contribuindo

assim para uma maior discricionariedade judicial.

Até mesmo no direito civil, ramo do Direito de interpretação tradicional

23

, vê-se uma mudança, que aponta para uma abertura em relação a uma

ampliação da discricionariedade judicial, quando no Código Civil de 2002 foram

inseridas as cláusulas gerais

24

e a função social do contrato. Há uma abertura

para uma atividade judicial de ponderação, de proporcionalidade.

4 JUDICIALIZAÇÃO E TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO

A judicialização, isto é, o fenômeno de submeter ao judiciário questões

de acentuado teor político, é fortemente visualizada no controle jurisdicional

de constitucionalidade

25

. Por sua vez, este controle da adequação das leis e atos

normativos à Constituição aponta para uma tensão entre democracia e constitucionalismo. A democracia compreendida como decisão política majoritária,

e o constitucionalismo como uma técnica de limitação do poder estatal e de

guarda de direitos fundamentais.

A relação entre democracia e constitucionalismo é vista, por Hans

Kelsen, sob a perspectiva abaixo:

De fato, a existência de uma maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por conseqüência,

o direito da maioria pressupõe o direito a existência de 32 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

uma minoria. Disto resulta não tanto a necessidade, mas

principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra

a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial

dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos

por todas as modernas constituições das democracias

parlamentares

26

.

À democracia interessa conhecer a fonte e o modo pelo qual é possível

o exercício do poder político que se origina nas decisões da maioria

27

. Sabe-se,

entretanto, que a absolutização destas decisões majoritárias poderia levar a uma

agressão dos interesses de uma minoria. O constitucionalismo, delimitando o

campo de irradiação das decisões majoritárias, por excluir destes processos

decisórios um grupo de direitos inalienáveis, e por traçar as linhas mestras

dos procedimentos democráticos, torna-se uma concepção política que, neste

sentido, é um limite ao exercício absoluto da decisão da maioria.

O controle jurisdicional de constitucionalidade traz consigo a polêmica

do deslocamento das esferas de decisões políticas do parlamento e do executivo para o judiciário. Estaria o Poder Judiciário democraticamente legitimado

para rever os atos dos representantes do povo? E por outro lado: estariam os

representantes do povo legitimados constitucionalmente a decidirem fora dos

parâmetros das regras do jogo democrático?

Existem duas vertentes que buscam posicionar o papel a ser desempenhado pelo Judiciário neste contexto: a vertente procedimental e a vertente

substancial.

A vertente procedimental insere o Judiciário como agente institucional

que deve garantir as regras do processo democrático. Entende que o Judiciário

não está habilitado a tomar decisões substanciais em uma democracia, já que

a legitimidade da escolha das políticas públicas e da condução do Estado é

própria dos representantes eleitos do povo. Assim, para que a autonomia dos

cidadãos seja exercida, a participação do Judiciário deve resguardar-se a controlar e fiscalizar o processo democrático e a reequilibrar possíveis distorções.

E mais importante: deve-se construir canais de comunicação que permitam a

real participação dos atores sociais nas decisões democráticas.

Habermas ensina que, atualmente, o direito já não pode mais buscar

em bases argumentativas metafísicas a sua legitimidade, afirmando a superação das doutrinas metafísicas por uma doutrina democrática. Habermas

leciona: “Alegitimidade do direito positivo não deriva mais de um direito moral

superior: porém ele pode conseguí-la através de um processo de formação da

opinião e da vontade, que se presume racional”

28

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 33

Neste sentido, a justiça política está intimamente ligada às possibilidades reais do debate democrático, e o espaço público é meio necessário para

que as potencialidades lingüísticas possam ser desenvolvidas pelos cidadãos.

A importância deste locus democrático é tamanha que Ferry afirma: “[…] em

ultima análise, a justiça dependeria de uma liberdade de comunicação consistente, para que todo cidadão pudesse inscrever um tema de discussão pública

na ordem do dia da agenda política”

29

. A vertente procedimental compreende

que quando o Judiciário se abre para acolher e julgar demandas políticas, ele

colabora para uma idéia equivocada de cidadania. Pois, ao invés do cidadão

buscar resposta em meio às manifestações sociais, ele cria uma relação individualista de dependência com o Judiciário.

Para esta vertente, o espaço público é mais adequado para dar vazão

às demandas sociais. É bastante oportuna a afirmação feita por Ferry:

A idéia que se liga à persona latina, como também a seu

equivalente grego prosopon, é antes de tudo uma idéia

segundo a qual a personalidade se revela na luz pública.

[…] O público é o lugar privilegiado de expressão e de

revelação das características humanas, razão pela qual o

espaço público não é apenas um espaço dramatúrgico de

manifestação, mas é também um espaço ético de reconhecimento

30

.

A segunda vertente é chamada de substancial, por entender que o

Judiciário deve assumir postura ativa na defesa dos direitos fundamentais e

dos princípios constitucionais. Sendo pró-ativo na defesa dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, o Judiciário garante a inserção de minorias que não alcançam sucesso no processo

de representação eleitoral.

Nesta perspectiva, a Constituição traz um ideal de justiça a ser concretizado no tempo. A Constituição é compreendida como um processo político a

ser realizado. O Judiciário concorreria, portanto, para a implementação deste

ideal de justiça. A atuação do Judiciário em questões políticas não agrediria a

democracia, ao contrário, quando o Judiciário leva em consideração em suas

decisões princípios políticos maiores, inscritos no texto constitucional, ele

contribui para uma elevação do debate democrático, resguardando-o de meras

circunstâncias das decisões da maioria.

Dworkin, como representante desta vertente que preconiza uma atuação

judicial substancial, e não meramente procedimental, vê na defesa dos direitos

individuais a melhor justificação para uma atividade judicial nestes termos. A

idéia é que o Judiciário aja na defesa dos direitos individuais frente às deliberações majoritárias, quando estas sejam consideradas agressivas à igualdade

e à liberdade. Os juízes estariam autorizados a garantir direitos individuais, já

que estes impõem limites as decisões da maioria. 34 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Dworkin, entretanto, não afirma que o Judiciário deve imiscuir-se

quando a questão diga respeito a objetivos coletivos ou políticas públicas. No

fundo, as decisões judiciais neste contexto não são fundamentadas por meros

argumentos políticos, mas por princípios.

Dworkin afirma: “O Tribunal deve tomar decisões de princípio, não

de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema

constitucional, não decisões como se promove melhor o bem estar geral”

31

.

4.1 Judicialização e Jurisdição Constitucional

No Brasil, o controle jurisdicional da constitucionalidade é feito por

dois modelos: o controle difuso, onde qualquer juiz, em qualquer processo, pode

declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Por ser realizado em

casos específicos, esse modelo também é conhecido como controle concreto de

constitucionalidade. Este modelo foi criado a partir da decisão do caso Marbury

versus Madison

32

, em 1803, nos Estados Unidos. O outro modelo utilizado no

Brasil é o concentrado ou abstrato, idealizado por Hans Kelsen, e aplicado pela

primeira vez na Áustria. Este último modelo entrega o controle da constitucionalidade a um órgão que concentra o exercício da jurisdição constitucional.

Vê-se que o controle concentrado, quando atribui a um órgão a competência para avaliar a adequação das leis e atos normativos à Constituição, dando

uma natureza erga omnes às decisões proferidas nestes processos, na prática,

entrega um forte poder político a esse Tribunal, fazendo dele, ao menos num

nível teórico, um verdadeiro “guardião da Constituição”

33

.

O modelo austríaco de controle jurisdicional da constitucionalidade

permite que um órgão, na maioria das vezes composto por sujeitos que não

foram eleitos democraticamente, reveja os atos do Parlamento, e até mesmo,

caso o órgão considere determinada lei inconstitucional, retire-a do ordenamento

jurídico. Com o intuito de defender a supremacia da Constituição, o órgão

competente, quando chamado a se pronunciar, pode extirpar do ordenamento

jurídico um ato legislativo que passou por todas as fases procedimentais, e que,

ao final delas, foi considerada apta pelo parlamento para produzir seus efeitos,

regulando a matéria em questão.

A ação direta de inconstitucionalidade é um instrumento bastante utilizado para realizar o controle jurisdicional da constitucionalidade. Os dados

estatísticos mostram que de 1988 até 2009 foram distribuídas 4.217 (quatro

mil duzentas e dezessete) ações diretas de inconstitucionalidade

34

.

Ernani Rodrigues de Carvalho apud Tate aponta condições políticas

para o surgimento da judicialização, quais sejam: democracia, separação dos

poderes, direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesses, o uso

dos tribunais pela oposição, isto é, pelos partidos de oposição, e a inefetividade

das instituições majoritárias

35

.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 35

Argumentando em relação ao uso dos tribunais pelos grupos de interesse, Carvalho afirma:

A judicialização da política é um processo que se alimenta

dos interesses econômicos e sociais centrais, que por sua

vez estruturam o sistema político. De fato, o desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos

políticos, foram mais propriamente obra de pressões e lutas

das organizações sociais, sejam elas movimentos sociais

ou grupos de interesse, do que obra de devoção de autores

altruístas. Portanto, os grupos de interesse passam a considerar e/ou utilizar a possibilidade de veto dos tribunais

na realização de seus objetivos

36

.

Os dados estatísticos disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal

mostram que, de 1988 até 2009, as Confederações Sindicais ou Entidades de

Classe de âmbito nacional foram autoras de 920 (novecentas e vinte) Ações

Diretas de Inconstitucionalidade

37

.

A utilização da jurisdição constitucional pelos partidos políticos é

assim explicada por Carvalho: “Os partidos de oposição, não podendo barrar

as alterações realizadas pela maioria, utilizam-se dos tribunais para frear,

obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações em curso”

38

. Os partidos

políticos impetraram, de 1988 até 2009, 752 (setecentas e cinqüenta e duas)

Ações Diretas de inconstitucionalidade

39

.

A defesa radical da Constituição pode cristalizar as aspirações polí-

ticas de uma nova geração. Assim, o reconhecimento de que a Constituição

é um amplo leque de consensos políticos e de que é um instrumento que é

construído ao longo do tempo, dá ensejo a críticas ao controle jurisdicional da

constitucionalidade como atribuição dada a um órgão pretensamente imparcial

nas disputas políticas.

Neste sentido, Gilberto Bercovici afirma:

A normatização unilateral da constituição gerou sua dessubstancialização, ignorando este seu caráter político. O

entendimento da constituição exclusivamente como norma

jurídica provocou a ampliação das questões versando sobre

interpretação e aplicação do direito constitucional, hoje no

centro do debate constitucional. A jurisdição constitucional,

assim, assumiu a pretensão de reduzir e concentrar nela

toda a problemática da teoria da constituição, abandonando

questões centrais como a da democracia

40

.

Para Bercovici, a falta de compreensão histórica e política da Constitui-

ção, como uma pretensão de eternidade, é resultado da visão do constitucionalismo liberal

41

. E completa afirmando: “O princípio legitimador da constituição

é a democracia em sua dimensão material, não apenas procedimental”

42

. 36 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Dando seguimento à crítica da concepção formal e apolítica do constitucionalismo liberal, Bercovici afirma:

A tentativa de congelar as aspirações democráticas para

salvaguardar as aquisições liberais das constituições,

segundo Palombella, gera a distorção de tornar o constitucionalismo o árbitro último de um conflito no qual é

parte. Esta prevalência do constitucionalismo retira força

da democracia. A neutralidade das constituições é ilusória

e o constitucionalismo não deve ter nenhuma primazia

ideológica que não o obrigue a ser continuamente colocado

à prova na esfera democrática

43

.

Mesmo atento para as críticas que mostram na judicialização um

fenômeno que esvazia determinadas esferas democráticas, tornando os

tribunais instâncias privilegiadas de decisão política, é necessário, no entanto, rever a condição apontada linhas atrás como uma das causas para o

desenvolvimento da judicialização: a inefetividade das instituições majoritárias. Inefetividade no sentido de “incapacidade dessas instituições de

dar provimento às demandas sociais”

44

.

Estas demandas sociais se tornam ainda mais exigíveis frente às Constituições dirigentes com suas normas programáticas

45

, especialmente porque não

há mais que se questionar acerca da juridicidade, portanto da força jurídica, que

os programas constitucionais possuem em face de todos os Poderes do Estado,

mormente o Executivo e o Legislativo.

Oscar Vilhena Vieira assim se expressa acerca das Constituições

dirigentes:

Além da organização e separação de poderes e de uma

carta de direitos civis e políticos, as constituições elaboradas neste século trazem, em geral, uma série de direitos

sociais, econômicos, culturais, e até ambientais […] As

constituições “dirigentes” além de organizar as clássicas

atribuições do Estado liberal, buscam criar condições de

realização de uma justiça substancial, que reside em tra-

çar procedimentos justos voltados a assegurar resultados

igualmente justos

46

.

A legitimidade destas Cartas Políticas reside na construção de uma sociedade permeada por uma justiça material. Assim, a atividade estatal necessita

estar embasada por esta concepção de justiça social e econômica. A construção Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 37

desta sociedade por meio de um ideal de justiça realiza-se paulatinamente, e

deve contar com a essencial participação dos Poderes Executivo e Legislativo.

Esclarecendo o tema, Vieira escreve:

Para que esses direitos possam ser efetivamente atendidos, as constituições “dirigentes” impõem ao legislador

e ao governante uma série de diretrizes e programas que

vinculam, em maior ou menor medida, a atuação desses

agentes, objetivando criar as condições materiais necessá-

rias para a efetiva fruição dos direitos expressos no texto

constitucional

47

.

E se o Executivo, na concretização das políticas públicas, não garante

direitos assegurados constitucionalmente? A ineficácia de um governo, entretanto, não pode ser considerada uma mera questão de opinião pessoal. Mas a

questão é que, nos países em desenvolvimento, a carência de políticas públicas

direcionadas a garantir as condições mínimas de existência é fato notório. Assim,

os atores sociais direcionam suas demandas ao Poder Judiciário. E este, não

podendo se negar a decidir as questões que lhe foram apresentadas, tendem a

pôr um fim no conflito, sendo que solução para este conflito deveria ter sido

apresentada nas esferas ordinárias do debate democrático, isto é, no âmbito

propriamente político.

5 JUDICIALIZAÇÃO E NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Como afirmado no início do artigo, a hermenêutica jurídica clássica,

vinculada ao positivismo, não estava preparada para cumprir satisfatoriamente

seu papel frente à valorização da Constituição como elemento integrador da

sociedade.

Como exposto acima, os princípios constitucionais são a estrela guia

para todo o ordenamento. Nos ensinamentos de GlaucoBarreira: “[…] os cânones

tradicionais da hermenêutica foram concebidos para a interpretação de normas

com estrutura de regras e, principalmente, para as normas de direito privado”

48

.

Vale lembrar que os princípios constitucionais nem sempre foram

considerados normas jurídicas, tendo sua juridicidade questionada. A discussão

sobre a juridicidade dos princípios constitucionais foi superada, no sentido de

considerá-los normas com força jurídica. Nas palavras de Paulo Bonavides:

[…] aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade,

ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que, pelo discurso metodológico, a norma

é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual

as espécies vêm a ser o princípio e a regra.

4938 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Percebe-se, portanto, que para a nova hermenêutica, as regras possuem

estrutura diferente da que possuem os princípios. Os princípios podem ser distinguidos das regras por três critérios: quanto ao conteúdo, quanto à estrutura

normativa e quanto às particularidades de aplicação

50

. Em relação ao primeiro

critério, os princípios trazem uma decisão política, como uma espécie de objetivo coletivo, de modo que a generalidade é sua tônica mais marcante; já as

normas, traçando uma conduta, têm caráter específico. Quanto à aplicação, os

princípios importam uma interpretação mais profunda, levando em consideração

fortes valorações morais; as regras têm interpretação mais simples. Quanto às

particularidades de aplicação, as regras aplicam-se sob a forma do “tudo ou

nada”, enquanto os princípios aplicam-se proporcionalmente. A aplicação de

um princípio não significa a exclusão dos demais.

Sobre o assunto, Habermas escreve:

Normas diferentes não podem contradizer umas às outras,

caso pretendam validade no mesmo círculo de destinatá-

rios; devem estar inseridas num contexto coerente, isto é,

formar um sistema. Enquanto valores distintos concorrem para obter a primazia; na medida em que encontram

reconhecimento intersubjetivo no âmbito de uma cultura

ou forma de vida, eles formam configurações flexíveis e

repletas de tensões

51

.

O filósofo alemão prossegue:

Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro

lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;

em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta

ou relativa, e, em quarto lugar, através dos critérios aos

quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve

satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades

lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira

52

.

Para Habermas, nos trechos acima, as “normas” estão no sentido de

regras, e os “valores” apresentam-se nos princípios.

A chamada “colisão de princípios” deriva do caráter dialético da

constituição, no sentido de ser a Constituição um instrumento unificador de

uma sociedade múltipla. Além disso, a Constituição é a norma maior na qual

se projetam as realizações de uma sociedade em transformação. É como se a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 39

Constituição, principalmente por meio de seus princípios, balizasse a efetivação

dos projetos de reestruturação social. Esta compreensão pode ser utilizada em

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decisões judiciais que se arvorem numa condição ativa de construção de uma

justiça idealizada pela Constituição.

Esfera interessante para a distinção entre princípios e regras é a da

colisão de princípios e a do conflito de regras. Paulo Bonavides, apud Robert

Alexy, nos ensina:

[…] os conflitos de regras – assevera o eminente jurista –

se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a

colisão de princípios, visto que somente princípios válidos

podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade,

ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor

53

.

Os métodos da hermenêutica jurídica clássica permanecem sendo utilizados. A diferença é que, no pós-positivismo, as espécies de normas jurídicas

chamadas de princípios não comportam um esquema fechado de interpretação.

A nova hermenêutica traz um método novo, caracterizado pelo aspecto aberto,

dialógico e pragmático. A generalidade de algumas normas constitucionais possibilita a abertura para o contato com as transformações sociais, principalmente

numa sociedade pós-industrial

54

, plural e que,  instrumentalizada pela tecnologia

da informação, forma novas redes de interações sociais constantemente

55

. Pelo

aspecto dialógico, os problemas devem ser resolvidos com base em uma argumentação viabilizada por uma pré-compreensão do tema, estando, assim, em

consonância com a inteligência de uma teoria discursiva do Direito. O ponto

pragmático liga o intérprete à responsabilidade de produzir um julgamento ou

mesmo de realizar a escolha executiva buscando dar a maior efetividade possível

às normas constitucionais, produzindo, deste modo, resultados eficientes no

processo de aplicação do Direito. Como se percebe, a característica dialógica

e pragmática, bem como o aspecto aberto na interpretação da constituição,

contribuem para uma maior discricionariedade na decisão judicial, como instrumentos hermenêuticos subjacentes ao fenômeno da judicialização.

Aqui, levanta-se a questão sobre a existência de certa criatividade judicial. Até que ponto pode-se compreender a função jurisdicional não apenas

como uma concretização da vontade da lei, mas como criação de uma norma

que regerá um caso específico? Pelos métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, parece difícil negar que a atividade judicial não guarda um elemento

de criatividade.

O exato nível de criatividade judicial não está claro. Segundo Cappelleti:

Trata-se […] de problema que não pode se resolver com um

claro sim ou não à criatividade dos juízes. Tal criatividade

– ou, para ser preciso, alto grau de criatividade, pois bem

vimos como se trata essencialmente de problema apenas

de natureza quantitativa – pode ser benéfica ou maléfica,40 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

segundo as muitas circunstâncias contingentes, de tempo

e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada

sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização

e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de

magistratura que exercem tal criatividade

56

.

A superação do paradigma de aplicação da lei advinda do estado Liberal

promove um campo fértil para uma atividade judicial de construção de sentido.

Neste sentido, Habermas afirma:

O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras

décadas do século XX, um consenso de fundo muito difundido entre os especialistas m direito, preparando, assim, um

contexto de máximas de interpretação não questionadas

para a aplicação do direito. Essa circunstância explica

por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado

a seu tempo, sem o recurso a princípios necessitados de

interpretação ou a “conceitos-chave” duvidosos. De fato,

toda ordem jurídica que se justifica, a partir de princípios,

depende de uma interpretação construtiva […]

57

.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste estudo, a conclusão que nos ocorre é a de que para a

compreensão do fenômeno da judicialização, devemos levar em consideração,

principalmente, três elementos: o surgimento do paradigma do Estado Social,

o Welfarestate; a superação da subsunção como técnica mecânica de aplicação

da lei pelos instrumentos abertos da Nova Hermenêutica Constitucional; e a

realidade da ineficiência das instituições políticas que deveriam assegurar a

prestação de serviços públicos. Estes três elementos contribuem especialmente

para que os atores sociais busquem assegurar, junto ao Poder judiciário, a frui-

ção de seus direitos. Além disto, também concluímos que o envio de questões

eminentemente políticas para o judiciário, principalmente por meio da jurisdição

constitucional, cria uma tensão entre democracia e constitucionalismo. Para alguns, a democracia deve guiar as decisões políticas e não caberia ao Judiciário

intervir nestas esferas de decisões majoritárias. Entretanto, na realidade de países

em desenvolvimento, onde as políticas públicas não atingem os objetivos constitucionais, o Poder Judiciário quando chamado a decidir, pode garantir aos atores

sociais a fruição de seus direitos fundamentais. Para tanto, fundamentado nos

métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, os juízes, em casos específicos,

possuem certa liberdade de decisão. Assim, o judiciário não simplesmente aplica

a vontade da lei, mas exerce certa criatividade. Esta criatividade está, contudo,

limitada pelos parâmetros dos princípios constitucionais.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 41

ciTações

 

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1

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito

(o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de direito administrativo,

n. 240. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

2

Uso a expressão “via de regra”, pela polêmica em torno da jurisdição voluntária. Pois,

neste caso, não há necessariamente agressão a direito, nem reparação da ordem, pois

não houve violação de direito. Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de

Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001.

3

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos

de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 277.

4

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4

a

tiragem. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 45.

5

“O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acentuado grau

de auto-suficiência. Rigorosamente separado da política, não se inclui na sua esfera

própria de atuação qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das

leis”. BARROSO, op. cit., p. 277.

6

In ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São

Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.

7

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Trinunais, 2008, p. 42.

8

PICARDI, op. cit., p. 13.

9

BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008, p. 188.

10

WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel

Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das

Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22.

11

“[…] a ampliação do âmbito da jurisdição […] deita suas raízes, como se disse, na

passagem do Estado liberal clássico para o Estado social de direito […]”. PICARDI,

op. cit., p. 11.

12

PICARDI, op. cit., p. 13.

13

FARIA, op. cit., p. 13.42 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

14

MARINONI, op. cit., p. 43.

15

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 52.

16

A Nova Hermenêutica Constitucional está ligada ao pós-positivismo como uma nova

forma de compreensão do Direito que supera a metafísica jusnaturalista e o esvaziamento

axiológico do formalismo positivista. Intimamente harmonizada com a valorização da

Constituição, a Nova Hermenêutica Constitucional dá especial tratamento aos princípios

constitucionais, conferindo-lhes força jurídica vinculante e tornando-os a base para a

unidade e interpretação das leis.  Na lição de Paulo Bonavides in Curso de Direito

Constitucional, p. 231: “Os princípios, uma vez constitucionalizados,se fazem a chave

de todo o sistema normativo”.

17

Segundo FARIA in O Direito na Economia Globalizada, p. 134, “o termo Verrechtlichung

(juridificação) surgiu na Alemanha, durante a República de Weimar, por iniciativa de

autores como Ernnst Fraenkel, Otto Kircheimer e Franz Neumann […]”.

18

“A nossa época, como já acenei, foi definida como a época da decodificação […]

Tal fenômeno também ocorreu com os códigos de rito […].” PICARDI, op. cit., p. 3.

19

FARIA, op. cit., p. 117.

20

PICARDI, op. cit., p. 12.

21

“A título de exemplo, basta recordar como na justiça civil o recurso aos pronunciamentos de urgência se tornou agora muito freqüente, e as medidas cautelares ou

antecipatórias tendem a definir a controvérsia”. In PICARDI, op. cit., p. 15.

22

PICARDI, op. cit., p. 4.

23

“O tradicional operador do direito civil é, por excelência, um conservador. Ainda

inspirado na noção napoleônica de um código civil como ‘Constituição do cidadão’,

manuseia suas páginas com espírito recluso. Visualiza o direito privado de modo hermético e acredita que a carta constitucional é algo que não lhe afeta”. In ROSENVALD,

Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.

24

“Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente,

definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim, como ponto de referência

interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”. In ROSENVALD apud Gustavo Tepedino,

op. cit., p. 160.

25

“Tomando como fonte de inspiração o critério de sistematização proposto por

Clèmerson Merlin Clève, podem-se classificar os sistemas de controle da constitucionalidade da seguinte forma: a) o modelo inglês de ausência de fiscalização da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 43

constitucionalidade […] b) o modelo francês de controle político e preventivo da

constitucionalidade […] c) o modelo de jurisdição constitucional difusa, de origem

norte-americana […] d) o modelo de jurisdição constitucional concentrada, desenvolvido a partir da matriz austríaca […]”. In BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição

Constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 42.

26

KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 67.

27

“Que o princípio da maioria é largamente utilizado como técnica de tomada de decisão

coletiva não resta dúvida. No entanto, cabe indagar se um critério quantitativo pode dar

fundamento qualitativo a uma decisão coletiva, ou mesmo, preliminarmente, se há fundamento qualitativo para justificar o princípio da maioria. Distinguimos pelo menos quatro

linhas de fundamentação: a) o argumento conoscente; b) o argumento contratualista;

c) o argumento axiológico e d) o argumento exclusivamente utilitarista.” MATOS, Nelson

Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao Estado Democrático

Liberal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.

28

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 2, p. 317.

29

FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função

última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus,

2007, p. 88.

30

FERRY, op. cit., p. 83.

31

DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 101.

32

Vale a pena conhecer a sinopse da história: “Derrotado porThomasJefferson na eleição

presidencial, o então Presidente John Adams nomeou diversos de seus correligionários

do Partido Federalista como juízes federais, entre os quais se encontrava Wiliam Marbury. O próprio Marshall, secretário de Estado de Adams, havia sido nomeado, com

aprovação do Senado, Chief Justice da suprema Corte, algum tempo antes. O título de

nomeação de Marbury não lhe foi entregue a tempo, sendo sua nomeação suspensa por

determinação do novo presidente Thomas Jeferson ao seu Secretário de Estado James

Madison. Marbury acionou Madison exigindo informações, num primeiro momento.

Não sendo fornecida nenhuma explicação, impetrou uma nova ação, writ of mandamus,

com o objetivo de alcançar a nomeação. O tribunal adiou por mais de dois anos a decisão,

o que gerou uma forte reação contra os juízes. Finalmente, ao anunciar a decisão da

Suprema Corte, Marshall destacou duas questões: Jefferson não tinha o direito de negar

posse a Marbury. Porém a Suprema Corte não poderia conceder o writ of mandamus,

requerido por Marbury, pois esta competência que lhe havia sido atribuída pela seção

13 do judiciary Acta de 1789 era contrária à Constituição, na medida em que alargava

as competências constitucionais originalmente estabelecidas para a Suprema Corte. A

Corte não poderia se utilizar de uma atribuição, ainda que conferida pelo parlamento,

quando incompatível com a Constituição”. In VIEIRA, Oscar Vilhena, op. cit., p. 43.44 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

33

Expressão utilizada pela Carta Política de 1988 para designar o Supremo Tribunal

Federal.

34

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adi>.

35

Cf. CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Juicialização: apontamentos

para uma nova abordagem. In Rev. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.

36

CARVALHO, op. cit., p. 118.

37

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.

38

CARVALHO, op. cit., p. 119.

39

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.

asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.

40

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.

41

Ibid., op. cit., p. 16.

42

Ibid., op. cit., p. 17.

43

Ibid., op. cit., p. 17.

44

CARVALHO, op. cit., p. 120.

45

“As constituições contemporâneas não se limitam às regras clássicas do constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX. Trazem uma vasta estrutura de normas diretivas e

programáticas e criam alterações extremamente importantes no quadro tradicional do

controle da constitucionalidade”. In VIEIRA, op. cit., p. 31.

46

VIEIRA, op. cit., p. 32.

47

Ibid., op. cit., p. 32.

48

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da

Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004, p. 61.

49

BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 248.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 45

50

Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:

Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004.

51

HABERMAS, op. cit., v. 1, p. 317.

52

Ibid., p. 317.

53

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 251.

54

Cf. MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora

Senac, 1999.

55

Cf. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura.

10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.

56

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1993.

57

HABERMAS, op. cit., p. 313.

ReFeRências

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos

de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

BONAVIDES, Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2008.

____________. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000.

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1993.

CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Judicialização: apontamentos para

uma nova abordagem. In Ver. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 10.

ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.46 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

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Malheiros, 2001.

DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4

a

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Malheiros, 2004.

FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus, 2007.

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 1.

KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da

Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004.

MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora Senac,

1999.

MATOS, Nelson Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao

Estado Liberal Democrático. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

PICARDI, Nicola. Jurisdição e Processo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.

ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2005.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel Palácios

Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das Relações

Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 47

“A INTERNALIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES DA OIT

COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE

DIREITOS HUMANOS”

Konrad Saraiva Mota

Juiz do Trabalho junto ao TRT 7ª Região

(Aprovado em 1º Lugar no Concurso Público de 2006)

Ex-Juiz do Trabalho junto ao TRT da 14ª Região

(Aprovado em 4º Lugar no Concurso Público de 2004)

Juiz Coordenador dos Leilões Judiciais junto ao

TRT da 7ª Região desde 2008

Membro da Ordem Alencarina do Mérito Judiciário Trabalhista

no grau de Oficial desde 2009

Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho

da Universidade de Fortaleza – UNIFOR desde 2007

Professor Colaborador da Escola da Magistratura do Trabalho da 7ª Região

Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exame da OAB

SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais; 2 Direitos Humanos: definição, caracterização

e classificação; 3 Organização Internacional do Trabalho – OIT: criação, desenvolvimento e finalidade; 4 Convenções da OIT como espécies de tratados internacionais

sobre direitos humanos; 5 Internalização das normas concebidas perante a OIT a partir

da perspectiva de que compreendem tratados internacionais sobre direitos humanos;

6 Considerações Finais.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Sabe-se que a República Federativa do Brasil, na condição de Estado

soberano, pacífico e democrático, regendo-se nas suas relações internacionais

pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Art. 4º, IX,

CF), busca integração ativa na comunidade internacional, mormente através da

participação em organismos multilaterais, capazes de congregar outros Estados

igualmente soberanos com vistas ao desenvolvimento compartilhado.

Dentre tais organismos destaca-se a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pela Conferência de Paz em 1919, como componente da antiga

Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII do Tratado

de Versailles e cuja competência, no dizer de Arnaldo Süssekind

1

, destina-se a

tratar “de questões que visem à justiça social, no seu mais largo conceito, tendo

em vista o processo material e espiritual do ser humano, em condições de liberdade e dignidade, com segurança econômica e iguais oportunidades”.48 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

O Brasil, como membro da OIT desde a sua fundação, há muito se

depara com os preceptivos decorrentes das convenções oriundas do referido

Organismo Internacional, internalizando seus textos e fazendo ingressar suas

normas no Ordenamento Jurídico nacional.

Portanto, tem-se que o convívio das normas jurídicas brasileiras com

os textos internacionais concebidos no âmbito da OIT não é fenômeno recente,

já tendo sido, inclusive, objeto de vários e abalizados estudos.

Ocorre que, a despeito dos fatores históricos que culminaram com a

própria criação do citado organismo internacional trabalhista – o que por si só

já justificaria o conteúdo humanizado de seus preceptivos – é raro na Doutrina

o reconhecimento de que as normas trazidas pelos instrumentos celebrados

junto à OIT consagram verdadeiros direitos humanos e, como tais, dotados de

valorosa universalidade, cuja internalização desafia olhares mais cuidadosos,

especialmente no que tange à possibilidade de ostentarem patamar eminentemente constitucional e, por conseqüência, status de Direitos Fundamentais.

Sob essa perspectiva, passam a surgir inquietações relacionadas à

internalização das normas da OIT a partir da promulgação da Constituição

Federal de 1988 que, em seu art. 5º, § 2º, instituiu cláusula aberta concernente

aos direitos e garantias fundamentais, não excluindo outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a

República Federativa do Brasil seja parte.

Tais inquietações sobressaem ainda mais relevantes diante da inovação

trazida pela Emenda nº 45/2004, que, ao inserir o § 3º no art. 5º constitucional,

permitiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,

desde que aprovados por maioria qualificada perante o Congresso Nacional,

subam a degrau formalmente constitucional, adquirindo, com isso, a rigidez

inerente ao texto maior frente às casualidades que tão freqüentemente costumam

abalar os alicerces democráticos.

Com efeito, tratar sobre a internalização dos preceitos concebidos

perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, partindo-se da premissa de que os mesmos veiculam direitos humanos e que, em virtude disso,

podem assumir caráter de normas material e formalmente constitucionais,

compreende estudo da mais alta relevância que por certo não se encerra do

presente ensaio.

Este trabalho, ao enfrentar a temática acima disposta, iniciará buscando definir e caracterizar os direitos humanos, diferenciando-os, tecnicamente,

dos direitos fundamentais, segundo consagrada Doutrina.

Em seguida, traçará considerações acerca da criação, desenvolvimento

e atuação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, reconhecendo-a

como organismo multilateral paritário, destacado pela preocupação com

direitos sociais e econômicos dos Países que a integram.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 49

Mais adiante, tentará demonstrar que os direitos veiculados nas normas trazidas pelos textos internacionais produzidos junto à OIT integram o rol

de direitos humanos, o que acaba por transformá-los em verdadeiros tratados

internacionais sobre direitos humanos.

Finalmente, serão estudadas questões relacionadas à internalização das

normas concebidas perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, sob a

óptica de que se está diante de tratados internacionais sobre direitos humanos,

passíveis de assumir patamar constitucional. Não será olvidado, ademais, o

enfrentamento das polêmicas atinentes às convenções já ratificadas pelo Brasil

anteriormente a promulgação da Constituição de 1988 e do advento da Emenda

Constitucional 45/2004.

2 DIREITOS HUMANOS: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E

CLASSIFICAÇÃO

Para Maurício Godinho Delgado “definir um fenômeno consiste na

atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o

nexo lógico que os mantém integrados

2

”.

Com efeito, na tentativa de definir direitos humanos, busca-se analisar

os elementos que o compõem, identificando, ato contínuo, os fatores que permitem a mantença da união de tais elementos na estrutura do fenômeno.

De antemão admoesta-se não ser tarefa fácil definir direitos humanos, tampouco tal problemática se revela ponto principal do presente estudo.

Em contrapartida, entender os direitos humanos, diferenciando-os de outros

fenômenos que lhes são correlatos, afigura-se indispensável à sustentação da

teorética aqui enfocada.

O termo “direito”, sem maiores incursões acerca de sua essência, deve

ser aqui entendido como o conjugado de preceitos que disciplinam e protegem

determinados interesses ou regulamentam relações jurídicas

3

. Já o vocábulo

“humanos” abrange tudo aquilo que pertence ou se refere ao ser humano.

Aliando o significado dos termos supra, pode-se dizer que direitos

humanos compreendem o conjunto de preceitos que disciplinam e protegem

determinados interesses que se referem ou pertencem ao ser humano considerado como tal, tanto em sua acepção pessoal como na qualidade de membro

integrante de uma coletividade.

Ingo Wolfgang Sarlet, parafraseando O. Höffe, assinala que “os direitos humanos referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser

pessoa humana)

4

”.

Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam que

“a denominação Direitos do Homem ou Direitos Humanos […] indica predicados inerentes à natureza humana e, enquanto tais, independentes de um sistema

jurídico específico, mas de uma dimensão ingênita e universalista

5

”.50 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

A partir do sobredito pode-se identificar, sem maiores esforços, que o

elemento “homem” situa-se como componente indissociável dos direitos humanos. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos direitos humanos.

É destinatário principal de seus disciplinamentos.

Ora, os homens – a despeito das diferenças biológicas, sociais, políticas,

filosóficas e culturais que os cercam – possuem uma essência de certa forma

unívoca, sempre voltada à consecução de sua dignidade, independentemente

da sociedade na qual estejam inseridos.

Daí resulta dizer que a dignidade do homem, assim considerada como

o modo de proceder que lhe infunde respeito, elevação e grandeza moral,

constitui-se no fator de interligação entre os preceitos jurídicos e humanos que

compõem os direitos humanos.

Desse modo, os elementos que compõem os direitos humanos revelamse a partir de sua própria denominação. De um lado os direitos como disciplinamentos de proteção e regulação; do outro, o termo humanos como tudo que

se relaciona ao homem. Já o nexo lógico que mantém tais elementos integrados

consubstancia-se na dignidade da pessoa humana, inerente ao homem independentemente das idiossincrasias sociais, políticas e culturais que o cercam.

Neste trilhar, considerando que os direitos humanos visam à proteção

do homem, mais precisamente em aspectos relacionados à sua dignidade,

nascem, para tais direitos, características que lhes são imanentes, tais como a

atemporalidade (no sentido de durabilidade e perpetuação) e a universalidade

(no sentido de se reportar a todos os homens, independentemente da raça,

origem, sexo, cor, concepções, etc.).

É justamente por serem atemporais e universais que os direitos humanos constituem terminologia consagrada em textos normativos internacionais,

instituidores de disciplinamentos com pretensão de incidência mais ampla,

abrangendo vários e distintos Estados Soberanos.

Nessa perspectiva, diferenciam-se direitos humanos de direitos fundamentais, pois enquanto os primeiros, pelo caráter supranacional ou universal,

estão positivados em textos normativos internacionais; os segundos, por serem

mais específicos (apesar de não menos relevantes), encontram-se positivados

e reconhecidos pelo direito interno de cada Estado, normalmente assumindo

patamar constitucional.

Sobre o tema, sábios são os ensinamentos de Sarlet

6

, que, respaldado

em Pérez Luño, alude:

[…] o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou

conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 51

noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais precioso e restrito, na medida em que

constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo

de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos

delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação

se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema

jurídico do Estado de Direito.

No mesmo sentido leciona Hermano Queiroz Júnior

7

, ao dizer que:

[…] os direitos humanos são inerências da natureza humana, donde seu caráter inviolável, atemporal e universal,

enquanto os direitos fundamentais são os objetivamente

vigentes em uma dada ordem jurídica concretamente

considerada, concernindo igualmente à pessoa humana.

Em resumo: enquanto os  direitos humanos encontram respaldo em

textos internacionais, visto que sua aplicação, pautada pelo caráter universal e

atemporal, refere-se a todo ser humano como tal, independentemente do Estado onde se situe; os direitos fundamentais estão positivados no ordenamento

de um determinado Estado e, inobstante referir-se igualmente ao ser humano,

encontram limitação temporal e espacial na normatização de certa sociedade. O

que irá diferenciar uma ou outra categoria será exatamente o nível de concreção

e positivação que se lhe atribui.

Finalmente, insta salientar que os direitos humanos possuem consagrada classificação em três distintas e não-excludentes dimensões ou gerações

8

,

identificadas a partir de etapas históricas de sua evolução.

Destarte, consideram-se de primeira dimensão os direitos humanos de

liberdade, concebidos no seio do Estado Liberal, compreendidos nas garantias

civis, políticas e de nacionalidade. Já os direitos sociais refletem os denominados direitos humanos de segunda dimensão, gerados com o advento do Estado

Social e pautados na aspiração de igualdade, comportando as garantias sociais,

econômicas e culturais. A terceira dimensão dos direitos humanos açambarca

postulados de garantia transindividual, enaltecendo direitos difusos e coletivos, tais como a higidez do meio ambiente, a proteção do patrimônio artístico

e cultural, o acesso à comunicação, a autodeterminação dos povos, a paz e o

desenvolvimento.

Frise-se, no entanto, que a divisão em dimensões ou gerações de direitos

humanos não deve desaguar uma perspectiva atomizada dos referidos direitos,

como se os direitos humanos de primeira dimensão tenham sido sucedidos pelos 52 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

de segunda e estes pelos de terceira. Na verdade, os direitos humanos não se

sucedem ou se substituem, mas se expandem. Neste aspecto, valorosos são os

ensinamentos de Antonio Augusto Cançado Trindade

9

:

Distintamente do que a infeliz invocação da imagem

analógica da “sucessão generacional” parecia supor, os

direitos humanos não se “sucedem” ou “substituem” uns

aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais (tendo

estes últimos inclusive precedido os primeiros no plano

internacional, a exemplo das primeiras convenções internacionais do trabalho). O que testemunhamos é o fenômeno

não de uma sucessão, mas de uma expansão, cumulação e

fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar

a natureza complementar de todos os direitos humanos.

É preciso que fique claro: a divisão dos direitos humanos em dimensões

ou gerações não pode ser utilizada para justificar teoréticasinfundadas de que os

direitos humanos se sucederam no tempo, de modo que os mais contemporâneos

substituíram os mais antigos. Ao revés, os direitos humanos compreendidos

nas distintas dimensões se complementam e convivem harmonicamente.

Superados os esclarecimentos concernentes a definição, caracterização

e classificação dos direitos humanos, passa-se, a seguir, ao estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT, enfrentando aspectos de sua criação,

desenvolvimento e competências.

3 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT:

CRIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E FINALIDADE

Para compreender a importância da Organização Internacional do Trabalho – OIT no contexto mundial, bem como a relevância de seus normativos

como instrumentos garantidores de direitos humanos sociais dos Países que a

compõem, faz-se oportuno algumas considerações acerca do momento histórico

em que tal organismo fora concebido.

De início, é de se destacar que a OIT teve sua criação pautada, entre

outras coisas, na imperiosa necessidade de afirmação do denominado Estado

Social, marcado pela participação ativa do Estado como assegurador de patamares mínimos de civilidade dos cidadãos.

Até o final do século XIX, prevaleceu nos Estados Democráticos do

Ocidente o modelo liberal de organização do Estado. Tal modelo, concebido

a partir do ideário iluminista construído na segunda metade do século XVIII,

caracterizava-se pela intervenção mínima do Estado nas relações privadas.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 53

Esta postura absenteísta do Estado, no plano político, tinha razão de

ser no modelo reacionário da época, contrapondo-se ao Estado Absolutista e

centralizador de outrora. No plano econômico, todavia, o não-intervencionismo

estatal decorria do movimento capitalista burguês que buscava sua consolidação

desde o advento da Revolução Industrial.

Daniel Sarmento

10

retrata com propriedade a postura do Estado Liberal

na economia, ao dizer que “o Estado ausentava-se da esfera econômica, que

permanecia à mercê das forças do mercado, limitando-se ao modesto papel de

proteger a segurança interna e externa e da propriedade dos seus cidadãos”.

Acontece que essa abstenção do Estado nas relações privadas, sobretudo

naquelas que envolviam a tensão existente entre capital e trabalho, começou

a perceber-se danosa. Isto porque, tal relação (capital vs trabalho) é marcada

pela existência de uma profunda desigualdade material entre o detentor dos

meios-de-produção e aquele que despende sua força de trabalho.

Aludida desigualdade, aliada a total omissão estatal, culminou em

fenômenos sociais desastrosos, tais como a exploração desmesurada do trabalho da mulher e do menor, elevadas jornadas de trabalho, além do crescimento

no número de acidentes de trabalho oriundo da despreocupação com o meio

ambiente laboral.

Ocorre que o modelo capitalista liberal mostrava-se incapaz de, alicerçado em pilares não-intervencionistas, solucionar a celeuma social gerada.

Foi a partir dessas diversas tensões sociais que surgiu a necessidade de sair do

modelo político liberal para se chegar ao Estado Social ou Estado Providência.

O individualismo prevalecente no Estado Liberal deu lugar à solidariedade do Estado Social, não pela benevolência dos detentores de poder, mas

pela necessidade de sobrevivência do próprio capitalismo.

Sobre o tema, sábias são as palavras de Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione G. Correia

11

, ao dizerem que “o Direito Social e o seu consequente

Estado Social são produtos do modelo capitalista de produção. Significam,

entretanto, um modo do capitalismo tentar demonstrar-se viável como elemento

regulador dos padrões de conduta da humanidade”.

Assim, várias iniciativas foram sendo adotadas, em especial na Europa, com vistas a solver as problemáticas geradas pelo modelo capitalista de

produção, mormente no que concerne às relações de trabalho.

Com efeito, em 1889, o governo suíço propôs a realização de uma

conferência para fixar bases de um acordo sobre o trabalho nas fábricas. Já em

1891, quatorze países reuniram-se em Berlim na primeira conferência internacional para estudo da questão operária. Em 1900, realizou-se, em Paris, um

congresso internacional para a proteção legal dos trabalhadores. Em 1902, um

novo congresso em Colônia reconheceu a necessidade de intervenção legislativa para proibição do trabalho noturno das mulheres e vedação à utilização de 54 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

fósforo nas fábricas. Mais uma vez por iniciativa do governo suíço, outras

duas conferências diplomáticas sobre a questão trabalhista foram realizadas

em 1905 e 1906. Novos congressos também foram efetivados nos anos de

1908, 1910 e 1912

12

.

Sobrevindo a primeira guerra mundial, as reuniões foram suspensas.

Contudo, em 1919, com a instalação da conferência de paz, no palácio de

Versailles em Paris, fora designada uma comissão de legislação internacional

do trabalho, a qual, após várias sessões, concluiu o projeto que culminou na

criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como componente

da antiga Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII

do Tratado de Versailles

13

.

Como se vê, a OIT foi criada num momento histórico de afirmação

do Estado Social, sendo este verdadeira opção de manutenção do modelo

econômico capitalista então prevalente, que já começava a sofrer abalos com

o advento do contraponto socialista.

Com a deflagração da segunda guerra mundial (1939-1945), as atividades da OIT permaneceram praticamente paralisadas. Porém, o pós-guerra

trouxe consigo a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, que, em

acordo firmado no ano de 1946, reconheceu a OIT como organismo especializado voltado à proteção dos direitos do trabalhador

14

.

Em 1946, fora discutida e elaborada uma nova constituição da Organização Internacional do Trabalho, em substitutivo àquela adotada em 1919 (ano

de criação do Organismo). O novel instrumento, vigente a partir de 1948, foi

ratificado pelo Brasil ainda na década de 40, conforme Decreto de Promulgação

nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.

De acordo com o artigo 2º da Constituição da OIT

15

, a organização

compreenderá:

a) uma Conferência geral constituída pelos Representantes

dos Estados-Membros;

b) um Conselho de Administração; e

c) uma Repartição Internacional do Trabalho sob a direção

de um Conselho de Administração.

A Conferência geral, por sua vez, será composta de quatro representantes de cada um dos Membros, dos quais dois serão Delegados do Governo e

os outros dois representarão, respectivamente, os empregados e empregadores

(Art. 3º da Constituição da OIT), o que revela a feição paritária do Organismo.

Em relação aos objetivos da Organização Internacional do Trabalho,

o artigo 1º de sua Constituição assinala que o organismo está encarregado de

promover a realização do programa exposto no respectivo preâmbulo, cujo

texto, por sua vez, é expresso em considerar que a paz, para ser universal e

duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 55

Aludido preâmbulo destaca, ademais, existirem condições de trabalho

que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o

descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais,

considerando ser urgente a melhora de tais condições.

Outrossim, o anexo da Constituição da OIT, trazendo declaração relativa a seus fins e objetivos – nos moldes como traçados pela sua Conferência

Geral – aduz, no item II, que:

a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou

sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e

o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da

dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas

possibilidades;

b) a realização de condições que permitam o exercício de

tal direito deve constituir o principal objetivo de qualquer

política nacional ou internacional;

c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou

internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e

somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem,

a realização desse objetivo principal;

d) compete à Organização Internacional do Trabalho

apreciar, no domínio internacional, tendo em vista tal

objetivo, todos os programas de ação e medidas de caráter

econômico e financeiro;

e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a

Organização Internacional do Trabalho tem capacidade

para incluir em suas decisões e recomendações quaisquer

disposições que julgar convenientes, após levar em conta

todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.

Note-se que não apenas os fatos sociais que envolveram sua criação

e desenvolvimento, mas as próprias finalidades institucionais da OIT deixam

clara sua preocupação com a garantia dos direitos humanos do trabalhador.

Nesse sentido, obtempera Arnaldo Süssekind

16

:

Se, antes da reforma constitucional de 1946, a OIT se

dedicava, quase que exclusivamente, à regulamentação

das condições de trabalho e das prestações de seguro

social, a partir da Conferência de São Francisco, como

reflexo da nova filosofia consagrada, passou a adotar

instrumentos relativos aos direitos humanos fundamentais do trabalhador […].56 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Sobressai evidente que a OIT, pelo próprio momento histórico que

marcou sua criação e à vista de seus fins e objetivos institucionais, cuida-se

de organismo internacional voltado ao resguardo de direitos sociais, os quais

integram o rol de direitos humanos, notadamente porque pautados pela prevalência da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, os instrumentos normativos confeccionados no âmbito

da OIT, em especial suas convenções, retratam disciplinamentos que guardam

em si essência de verdadeiros tratados internacionais sobre direitos humanos,

assunto que será melhor analisado nas linhas que se seguem.

4 CONVENÇÕES DA OIT COMO ESPÉCIES DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

O art. 2, item I, “a”, da Convenção de Viena de 1969

17

dispõe que

“tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e

regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de

dois oumaisinstrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.

O artigo 26 da mesma Convenção preleciona que “todo tratado em vigor obriga

as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé

18

”.

Flavia Piovesan

19

afirma que “os tratados internacionais, enquanto

acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes (pacta

sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito

Internacional”.

Percebe-se, portanto, que tratado internacional compreende um acordo

juridicamente vinculante consubstanciado num instrumento escrito elaborado

por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos Internacionais),

com vistas a tratar juridicamente de temas de interesse comum.

O tratado internacional deve ser fruto de um consenso entre os seus

signatários. Tal consenso é, inclusive, enaltecido pelo art. 52 da Convenção

de Viena de 1969, que diz ser “[…] nulo um tratado cuja conclusão foi obtida

pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito

Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas

20

”.

Oportuno ressaltar que a denominação dada ao instrumento internacional com natureza jurídica de tratado é não é fundamental à caracterização do

instituto, de modo que um tratado internacional pode assumir diferentes nomes

sem que isso lhe retire a essência.

Nesse sentido, Rebeca M. M. Wallace, citada por Flávia Piovesan

21

,

alude que:

O termo tratado é um termo genérico, usado para incluir

as convenções, os acordos, os protocolos e a torça de

instrumentos. O Direito Internacional não distingue os Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 57

acordos identificados como tratados, dos outros acordos.

O termo escolhido para se referir a um acordo não é em

si mesmo importante e não apresenta maior conseqüência

jurídica.

A Organização Internacional do Trabalho, na qualidade de sujeito de

Direito Internacional, possui atribuição para celebrar acordos internacionais

com natureza de tratados.

O art. 19, item 1, da Constituição da OIT

22

assinala que

[…] se a Conferência pronunciar-se pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deverá

decidir se essas propostas tomarão a forma:

a) de uma convenção internacional;

b) de uma recomendação, quando o assunto tratado, ou

um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de

uma convenção.

Existem, basicamente, dois instrumentos de Direito Internacional

celebrados no âmbito da OIT: (1) a convenção, que é um tratado internacional por excelência, impondo o compromisso do Estado-Membro signatário

submetê-la, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão

da Conferência, ao parlamento do respectivo Estado para fins de internalização; e (2) a recomendação, que não é tratado vinculativo, desafiando tão

somente o conhecimento do Estado-Membro e a obrigação de o mesmo,

também no do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência, submeter ao parlamento nacional para que se apresente projeto de

lei sobre o assunto ou tome outras medidas cabíveis (vide art. 19, itens 5 e

6 da Constituição da OIT).

Com efeito, pode-se concluir que as convenções celebradas no âmbito

da OIT, apesar de não serem literalmente denominadas tratados internacionais,

possuem referida natureza jurídica, devendo ser analisadas como tal para fins

de estabelecer direitos e obrigações entre os sujeitos de Direito Internacional

que lhes são signatários.

Como dito em tópico anterior, a OIT foi criada com a pretensão de

promover patamares sociais minimamente dignos relacionados ao exercício

do trabalho humano nos domínios dos Estados que a compõem.

Viu-se, ainda, que os aludidos Direitos Sociais relacionados ao

trabalho humano integram o rol dos direitos da pessoa humana ou direitos

humanos, na medida em que possuem como elemento nodal a consecução da

dignidade do homem.

Assim, fácil intuir que as Convenções Internacionais da OIT, que carregam conteúdo voltado à ampla proteção do trabalho humano nas suas inúmeras

acepções, devem sim receber o reconhecimento de tratados internacionais de

direitos humanos.58 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Ratifica-se, pois, que a convenções internacionais da OIT, por consagrarem “valores comuns superiores consubstanciados em última análise na

proteção do ser humano”, como acima citado, guardam em sua essência a índole

de tratados internacionais de direitos humanos.

Para demonstrar a veracidade desta compreensão, pertinente a citação

de várias convenções da OIT que trazem em seus textos matérias eminentemente

relacionadas a direitos humanos, como é o caso da convenção 29 de 1932, que

dispõe sobre a erradicação do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas

formas; da convenção 138 da OIT de 1973, que estabelece a idade mínima para

o trabalho; da convenção 182 de 1999, que elenca as piores formas de trabalho

infantil; da convenção 111 de 1958, que veda a discriminação nas relações de

trabalho, entre outras.

Necessário se faz, a seguir, analisar como as convenções da OIT, assim

entendidas como tratados internacionais de direitos humanos, assumirão posição

no Ordenamento Jurídico Nacional frente as normas internas instituídas.

5 INTERNALIZAÇÃO DAS NORMAS CONCEBIDAS PERANTE A OIT

A PARTIR DA PERSPECTIVA DE QUE COMPREENDEM TRATADOS

INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

Antes de analisarmos a questão da internalização das convenções

da OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, afiguram-se necessários alguns

esclarecimentos acerca do processo de formação e incorporação dos tratados

internacionais.

Flávia Piovesan

23

, citando João Grandino Rodas esclarece que

[…] os tratados em forma solene, também conhecidos

como em devida forma, passam pelas seguintes fases:

negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa

por parte dos Estados interessados em se tornar parte no

tratado e, finalmente, ratificação ao adesão.

No Brasil, o art. 84, VIII, da Constituição de 1988, diz que “compete

privativamente ao Presidente da República: […] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Por

sua vez, o art. 49, I, da Constituição dispõe que “É da competência exclusiva

do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos

ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao

patrimônio nacional”.

Vê-se, com isso, que a República Federativa do Brasil exige a colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo para a internalização de um

tratado internacional em seu ordenamento.

Após internalizados, os tratados internacionais, como regra, acabam

assumindo o status jurídico de leis ordinárias, portanto normas infraconstitucionais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 59

Acontece que, em se tratando de tratados internacionais que versam

sobre direitos humanos, a questão não é tão simplista.

Isto porque, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988 é claro ao

dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Note-se que, no referido dispositivo, a Carta Maior faz expressa menção

aos tratados internacionais em que o Brasil faça parte, de modo que, possuindo tais instrumentos conteúdo humanístico, poderão integrar o rol de direitos

fundamentais constitucionalmente reconhecidos.

Sobre o tema, ensina-nos Sarlet

24

(2008, p. 90):

[…] a citada norma traduz o entendimento de que, para

além do conceito formal de Constituição (e de direitos

fundamentais), há um conceito material, no sentido de

existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição

de um Estado, mesmo não constando no catálogo. Neste

contexto, importa salientar que o rol do art. 5º, apesar de

analítico, não tem cunho taxativo.”

Não se pode olvidar que, conforme dito em tópico anterior, direito

fundamental nada mais é do que denominação atribuída a direito humano

internamente positivado no ordenamento jurídico de determinado Estado.

Assim, é certo dizer que o ordenamento nacional brasileiro reverencia

duas modalidades de direitos fundamentais: (1) aqueles que são material e formalmente fundamentais, já que insertos no texto constitucional; e (2) aqueles

que são apenas materialmente constitucionais, vez que não inseridos expressamente no texto constitucional, mas reconhecidos como tais pela cláusula aberta

insculpida no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.

Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 fez inserir o § 3º,

no já tão citado art. 5º da Constituição, o qual possui a seguinte redação:

[…] os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos

dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

constitucionais.

Aludido dispositivo passou a permitir a possibilidade de um tratado

internacional ratificado pelo Brasil que verse sobre direitos humanos assumir patamar de Emenda Constitucional, desde que aprovado pelo quórum

qualificado para tanto exigido, em moldes idênticos aos trazidos pelo art. 60,

§ 2º, da Lei Maior.60 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Diante destes esclarecimentos iniciais, resta enfrentar agora as questões

da internalização e hierarquia normativa das convenções da OIT, a partir da

perspectiva já elucidada de que tais instrumentos são tratados internacionais

de direitos humanos.

O enfrentamento do problema passa necessariamente pela análise no

momento de ratificação das mencionadas convenções: se antes ou depois da

Emenda Constitucional 45 de 2004.

Com efeito, para as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil posteriormente à citada Emenda, duas são as possibilidades:

A primeira delas decorre da submissão e aprovação da convenção da

OIT, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, momento em que seriam equivalentes às

emendas constitucionais, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF.

Ingo Wolfgang Sarlet (2007. p 350) sustenta pela compulsoriedade

de submissão dos tratados internacionais sobre direitos humanos ao quórum

qualificado:

Com relação a esse aspecto, parece-nos que há, sim,

pelo menos espaço para uma interpretação teleológica e

sistemática em prol da compulsoriedade do procedimento

reforçado das emendas constitucionais. […] poder-se-á

sustentar que, a partir da promulgação da Emenda

Constitucional 45/2004 a incorporação destes tratados

deverá ocorrer pelo processo mais rigoroso das reformas

constitucionais.

Na segunda, a convenção da OIT não seria submetida ao quórum qualificado das emendas constitucionais. Neste caso, a convenção poderia assumir

dois caracteres: (1) legal e, portanto, equiparada à lei ordinária; (2) supralegal,

estando acima das leis e abaixo da Constituição.

Vale lembrar que o STF, desde o julgamento do recurso extraordinário

nº 80.04/1977, vinha compreendendo que ostratadosinternacionaisratificados

pelo Brasil, versem ou não sobre direitos humanos, assumiriam status jurídico

de lei ordinária.

Nada obstante, no ano de 2007, ao analisar o recurso extraordinário

nº 466.343 e o habeas corpus nº 90.172, o STF modificou seu posicionamento

quanto aos tratados internacionais sobre direitos humanos, passando a entender

que os mesmos gozam de status supralegal.

Por outro lado, para as convenções da OIT já ratificadas pelo Brasil

em momento anterior à Emenda Constitucional 45 de 2004, não haveria a

possibilidade de submissão das mesmas ao quórum qualificado previsto no art.

5º, § 3º, da CF, de modo que não poderiam tais instrumentos assumir caráter

formalmente constitucional, embora, para alguns

25

, possam ser materialmente

constitucionais, por integrarem o chamado “bloco de constitucionalidade”

inserto na cláusula aberta trazida no art. 5º, § 2º, da CF.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 61

Nesse sentido, sábios são os ensinamentos de Sarlet

26

(2007. p. 339):

De acordo com a interpretação mais afinada com o espírito

na norma contida no art. 5º, § 2º, da CF, vale lembrar que

a abertura material do catálogo de direitos fundamentais

abrange tanto direitos expressamente positivados em outras

partes do texto constitucional quanto sediados em tratados

internacionais, incluindo, de resto, os assim (genericamente) designados direitos implícitos, no sentido de posições

jusfundamentais não amparadas em texto constitucional

expresso (portanto, direitos não explicitados), aos quais o

constituinte se referiu ao mencionar direitos decorrentes do

regime e dos princípios da Constituição.

Restaria, apenas, a possibilidade de as convenções da OIT já ratificadas

assumirem o caráter legal, com status de lei ordinária; ou supralegais, estando

acima das leis, mas em posição inferior à constituição.

Defendemos que as convenções da OIT, com nítida índole humanística, por si já merecem status de materialmente constitucionais. Concordamos,

ainda, com a posição já citada por Sarlet no sentido da compulsoriedade na

submissão das convenções ratificadas pelo Brasil após a Emenda 45 de 2004

ao procedimento trazido pelo novel art. 5º, § 3º, da CF, passando a serem formalmente constitucionais.

Finalmente, para as convençõesjá ratificadas pelo Brasil em momento

anterior ao advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, concordamos que

tais tratados possuam, ao menos, hierarquia supralegal, conforme vem-se inclinando o STF.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

a) direitos humanos são o conjunto de normas e preceitos que

protegem o homem considerado em sua essência, tendo o

ser humano como seu titular e destinatário último, possuindo

como elemento nodal a dignidade da pessoa humana, sendo,

pois, universais e atemporais;

b) o surgimento da OIT se deu no âmago do Estado Social,

com vistas a promover patamares mínimos de proteção ao

trabalhador, sobrelevando sua dignidade;

c) os tratados internacionais são instrumentos escritos, elaborados

por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos

Internacionais), com vistas a tratar juridicamente de temas de

interesse comum. A denominação dada ao instrumento não é

relevante para sua caracterização como tratado;62 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

d) no âmbito da OIT dois são os instrumentos passíveis de serem

produzidos:

– a convenção, que é pacto vinculativo e passível de ser internalizado no âmbito dos Estados signatários,

– a recomendação, que não tem escopo vinculativo e deve ser

submetido ao parlamento dos Estados signatários para que produza norma interna sobre a matéria ou adote outras medidas

cabíveis.

e) as convenções da OIT são tratados internacionais de direitos

humanos, porque versam sobre direitos sociais;

f) a internalização das convenções da OIT no ordenamento

jurídico brasileiro, enquanto tratados internacionais de direitos

humanos, deve ser analisada em dois momentos distintos: o

primeiro se ratificadas anteriormente à Emenda Constitucional

45 de 2004 e o segundo se ratificadas após a referida Emenda;

g) se ratificadas posteriormente à Emenda Constitucional 45 de

2004, as convenções da OIT podem assumir status de emenda

constitucional, passando a integrar formalmente à Constituição,

desde que submetidas ao quórum qualificado de aprovação em

cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros. Podem, todavia,

assumir status de lei ordinária ou de norma supralegal;

h) se as convenções tiveram sido ratificadas anteriormente à

Emenda Constitucional não poderão, ao menos em princípio,

serem submetidas ao quórum qualificado previsto no art. 5º,

§ 3º, da CF, embora para alguns possam ter status materialmente

constitucional, com base no art. 5º, § 2º, da CF. Porém,

poderiam assumir caráter legal, equiparável a lei ordinária, ou

supralegal, acima das leis, mas abaixo da Constituição.

ciTações

1

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr,

1987, p. 119.

2

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2006, p. 49.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 63

3

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:

Rideel, 2006, p. 259.

4

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados

internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,

Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho

(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335.

5

DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 108.

6

SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 334-335.

7

QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na

Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006, p. 34.

8

A menção feita a apenas três dimensões dos direitos humanos não exclui a doutrina que

admite a existência de uma quarta dimensão, tal como adotada por Paulo Bonavides,

no seu Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

9

CANÇADO, Antônio Augusto Trindade in PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o

direito constitucional internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Apresentação.

10

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2004, p. 29.

11

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é

direito social – Curso de Direito do Trabalho. Marcus Orione Gonçalves Correia (org.).

Vol I. São Paulo: LTr, 2007, p. 23.

12

Dados históricos colhidos em SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. op. cit., p. 20-21.

13

SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 98-99.

14

Ibid., p. 108-111.

15

Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.

16

SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 112.

17

Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acessado em 26 de março

de 2010.

18

Idem.

19

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.

20

Idem.64 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

21

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 44.

22

Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.

23

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.

24

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual.

e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 90.

25

SARLET, Ingo Wolfgang e PIOVESAN, Flávia no Brasil e J.J. Gomes Canotilho,

na Europa.

26

op cit., p. 339.

ReFeRências

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. ed.

São Paulo: Saraiva, 2009.

QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na

Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual. e

ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados

internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,

Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho

(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2004.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é

direito social – Curso de Direito do Trabalho. GONÇALVES CORREIA, Marcus

Orione (org.). vol I. São Paulo: LTr, 2007.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1987.

TORRIERI, Deocleciano Guimarães. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:

Rideel, 2006.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 65

“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO

JUSTO AO ACRÉSCIMO DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,

CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS,

À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA”

Rodolfo PamPlona filho

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador – BA (TRT da Quinta Região)

Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da

Universidade Salvador – UNIFACS

Professor (licenciado) do Programa de Pós-Graduação em

Direito da UCSAL – Universidade Católica de Salvador

Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA – Universidade Federal da Bahia

Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA

Coordenador do Curso de Especialização em

Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm – BA

Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Cadeira 58) e da

Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira 27)

Autor de diversas Obras Jurídicas

heRmano fabRício oliveiRa Guanais e QueiRoz

Formado em Magistério pelo CNMP

Monitor do Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e

Assessor do Poder Executivo do Município de Palmeiras-Bahia

Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS)

Pós-graduado em Direito latu sensu pela Escola de Magistrados da Bahia (EMAB)

Advogado da Procuradoria do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC)

Ganhador de Menção Honrosa no Prêmio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães – 2004

Autor de diversos artigos jurídicos publicados na Revista Jurídica da Editora Síntese

do Rio Grande do Sul e na Revista Jurídica Eletrônica da UNIFACS

Coautor e organizador da obra “João da Paz”

Prefaciou a obra “Encontro com a Villa Bella das Palmeiras”

publicada pelo Governo do Estado da Bahia

“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: cada um

pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis

de se satisfazerem com qualquer outra coisa não acostumam desejar

mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se

enganem: mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem

julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que 66 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual, em todos os

homens; e portanto, a diversidade de nossas opiniões não decorre de

uns serem mais razoáveis que o outro, mas somente porque conduzimos

nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas

coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo

bem. As maiores almas são capazes de maiores vícios, assim como das

maiores virtudes; e aqueles que só caminham muito lentamente podem

avançar muito mais, se bem seguirem o caminho certo, do que aqueles

que correm e deles se afastam”.

René Descartes (Discurso do Método)

RESUMO: Tomando como ponto de partida a diversidade e equivocidade na análise

hermenêutica de alguns magistrados e membros do Ministério Público, a respeito do

requisito “motivadamente”, presente no art. 57 da Lei 6.015/73, que ao rechaçarem a

possibilidade de acréscimo de sobrenome, alegando ausência de justo motivo, tendo

por fundamento, causa de pedir, a homenagem aos antepassados, acabam por ensejar

retrocesso aos avanços da Ciência do Direito, é que este artigo trata da “Homenagem

aos ascendentes como motivo justo ao acréscimo de sobrenome: uma interpretação da

expressão ‘motivadamente’, constante do art. 57 da Lei de Registros Públicos, à luz da

hermenêutica pós-positivista”, tendo-se, pois, a hermenêutica como vertente norteadora

a explicitar que a homenagem aos ascendentes constitui, sim, motivo justo a acrescer

sobrenome que integra a linhagem familiar de quem requer.

PALAVRAS-CHAVE: homenagem aos ascendentes. motivo justo. acréscimo de sobrenome. hermenêutica. lei de registros públicos.

ABSTRACT: Starting on the diversity and ambiguity in the hermeneutics analysis of

some judges and members of the public prosecutor, regarding the induced’ requirement,

provided in art. 57 of Law 6,015/73, that rejects the possibility of inclusion of a

surname, claiming the lack of due cause, based, in the cause of action, a tribute to the

ancestors, ultimately setbacks the advances of law, is that this article deals with “Honor

to the ancestors as a due cause to the inclusion of surname: an interpretation of the

term ‘induced’, in the art. 57 of the Public Records Law, in the light of hermeneutics

post-positivist “ therefore, hermeneutics as the guiding part to clarify that the tribute

to the ancestors is a good cause, in adding surname lineage that includes his family.

KEY-WORDS: tribute to the ancestors. just cause. inclusion of surname. hermeneutics.

law of public records.

SUMÁRIO: 1 Intróito; 2 A importância da hermenêutica no contexto jurídico

pós-positivista; 3 A função do nome e a relativização da sua imutabilidade no

ordenamento jurídico brasileiro; 4 O art. 57 da Lei 6.015/73 e a possibilidade de

acréscimo de sobrenome: uma interpretação jurisprudencial; 5 O alcance conceitual

da expressão “motivadamente”: uma revelação hermenêutica; 6 A homenagem aos

ascendentes como motivo razoável a justificar o acréscimo de sobrenome e a equivocidade interpretativa de alguns magistrados e membros do Parquet: um retrocesso

hermenêutico?; 7 Considerações Finais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 67

1 INTRÓITO

Registra-se crescente, na ordem jurídica brasileira, a propositura de

ações de retificação em assentamento de registro civil, tendo como fundamento

o quanto estatuído no art. 57 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 2008b), a “conhecida”

Lei de Registros Públicos (LRP), que autoriza ao jurisdicionado requerer ao

Estado-juiz a alteração posterior de nome, desde que, por exceção e “motivadamente”, após a audiência do Ministério Público (MP).

Diante dessa previsão, ações são ajuizadas nas Varas de Registros

Públicos, pleiteando-se o acréscimo de qualquer um dos sobrenomes dos ascendentes ao nome do descendente que deseja lhes prestar homenagem ou até

mesmo ao seu núcleo familiar, ainda que já constante no seu os respectivos

sobrenomes identificadores dos seus progenitores, configurando-se, pois, tal

justificativa como justo motivo a embasar o acréscimo, consoante possibilita

a leitura e aplicação do art. 57 da LRP, sob as luzes da hermenêutica.

Para explicitação maior da temática proposta, este artigo discutirá, inicialmente, a importância da hermenêutica para o Direito na era pós-positivista,

destacando-se, após, a primordial função do nome e relativização da sua imutabilidade na ordem jurídica brasileira, por meio das inovadoras e avançadas

interpretações conferidas pela jurisprudência dos Tribunais pátrios, que, de

forma acertada, vem admitindo a homenagem aos ascendentes como “motivo

justo” a fundamentar o requerimento de acréscimo de sobrenome.

A seguir, será demonstrado que, por meio de elementos hermenêuticos

postos ao intérprete do Direito, notadamente aqueles relacionados à teoria

da linguagem e da argumentação, é possível extrair da expressão conceitual

“motivadamente” a justeza e a razoabilidade pelas quais se afirma a possibilidade de homenagear os ascendentes, promovendo-se a adição de mais um

dos sobrenomes dos genitores ao descendente que assim pretender. Por fim,

serão tecidas as necessárias críticas aos, data venia, equivocados posicionamentos manifestados por alguns membros do MP e magistrados brasileiros,

os quais, num retrocesso hermenêutico, reconhecem tal pedido como “mero

capricho pessoal”.

2 A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA NO CONTEXTO JURÍDICO

PÓS-POSITIVISTA

A hermenêutica é a ciência da interpretação, fixadora das condições

de potencialização das normas jurídicas, sendo, ao mesmo tempo, a reflexão, a

análise e a epistemologia da interpretação do Direito. Confere ao jurista instrumentos para a interpretação, sem, ao mesmo tempo, exercer atividade legislativa.

Sobressai o seu caráter epistemológico, sendo a interpretação a compreensão da 68 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

norma jurídica e a realidade que a ela se integra – concretização da norma

jurídica frente à realidade – e a hermenêutica, uma linguagem ideal que

traduz o Direito.

Originariamente, desde a Antiguidade, a expressão hermenêutica

possuía três significados: “dizer, explicar e traduzir”. Todos esses sentidos

pressupunham que o texto tivesse uma existência própria, que caberia ao intérprete apreender. Procurava-se, então, alcançar o que o autor do texto quis

dizer, qual a sua intenção, especialmente quando se referia à interpretação das

Sagradas Escrituras, em que se buscava a compreensão da exata vontade de

Deus, e também de obras literárias. (GADAMER, 1998)

Nos idos do século XVIII, Schleiermacher (1999) procurou desmistificar esse caráter fragmentário da hermenêutica, lançando as bases de uma

hermenêutica geral, destacando que todo indivíduo, quando se depara com

alguma obra, já leva consigo uma pré-compreensão, a do texto e do seu autor.

Afilosofia da consciência, pautada no idealismo cartesiano, encontrou na teoria

romântica de Schleirmacher uma nova concepção de hermenêutica, já de cunho

científico e universal, que privilegiava não apenas o texto escrito, mas também

toda expressão da linguagem, seja escrita ou falada, seja gestual ou simbólica.

Logo após, vários outros teóricos o sucederam, destacando-se Gadamer

(1998), o qual vem afirmar que não existe esta ideia de sentido objetivo do texto

nem do autor. Ele não estava preocupado com o método e sim com o processo

de compreensão: a partir do contato com o texto o leitor altera o seu sentido,

da mesma forma que o texto interfere no leitor. Esta interação vai formar o

círculo hermenêutico, interação recíproca entre o texto e o sujeito. Por esta

teoria, conclui-se que cada indivíduo poderia ter a sua própria norma, o que

não deixaria de ser uma ameaça à segurança jurídica.

Daí por diante, outras teorias surgiram, algumas reforçando as até

então predominantes, defendendo a necessidade de se buscar o “verdadeiro

significado da norma”, outras apontando para a importância da compreensão

zetética do Direito e não apenas dogmática. A nova hermenêutica de Gadamer

(1997) vai relevar, deste modo, a necessidade de observância do contexto para

interpretação do texto, não se podendo desvincular um do outro. Diante dessa

nova visão, não há nada mais incoerente do que a possibilidade de interpretação

baseada na busca da vontade da lei ou do legislador.

A nova hermenêutica, para livrar-se da insegurança jurídica que poderia

advir da teoria pura de Gadamer, buscou contemporizar com a teoria de Betti

(1990), a qual impunha limites a esta interpretação, de modo que o intérprete

não poderia transcender à literalidade do texto normativo.

O objeto da hermenêutica jurídica estava centrado no estudo e na sistematização de processos sobrepostos para determinar o sentido e o alcance das

expressões do Direito. A positivação das normas é realizada em termos gerais, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 69

estabelecendo regras, solidificando princípios, fixando normas, em linguagem

precisa, porém ampla, ensejadora de variadas interpretações. No escólio de

Habermas (1997, p. 297) a interpretação, tal qual as artes em geral, tem a sua

técnica, os seus meios para alcançar os fins pretendidos. Seu embasamento

adveio de princípios e regras desenvolvidos e aprimorados por meio da interpretação constante das noções vagas e imprecisas contidas na legislação. Diz-se

que “a arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma

ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia;

e a outra, especial, a Hermenêutica”.

Foram rompidos, desta maneira, os paradigmas do legislador racional,

do juízo subsuntivo, do pensamento lógico-dedutivo, da exegese e das teorias:

objetivista e subjetivista.

Neste contexto, superado historicamente o jusnaturalismo e percebendo-se

o declínio político do positivismo,surgiram vastos espaços para reflexõessobre

a interpretação como ato político, sob o respaldo da teoria da argumentação e da

função social do Direito, o pós-positivismo. Dentre seus objetivos primordiais,

sobreleva-se a necessidade de se repensar os aspectos da chamada nova hermenêutica, à luz da valorização dos princípios, desenvolvendo o esforço teórico

a fim de transformar o progresso filosófico em instrumental técnico-jurídico

aplicável aos problemas concretos, produzindo sobre eles efeitos positivos. A

expressão hermenêutica passou a significar o estudo da linguagem, baseando-se

na leitura e interpretação do homem num determinado contexto sócio-cultural,

a partir da sua historicidade e temporalidade.

A hermenêutica, concebida como uma teoria sobre a interpretação,

passa, efetivamente, a auxiliar o juiz na tarefa de bem pensar o Direito,

trazendo possibilidades para decidir democraticamente a melhor forma de

aplicar a justiça social. Daí, o que legitima uma decisão judicial é a sua

fundamentação razoável e coerente com a realidade, em sintonia com a

evolução dos tempos, dos fatos, das teorias e das necessidades do homem

como protagonista da história. E é a nova hermenêutica que conduzirá

os operadores do Direito à certeza de que a homenagem aos ascendentes

constitui, sim, motivo justo à adição de sobrenome.

3 A FUNÇÃO DO NOME E A RELATIVIZAÇÃO DA SUA IMUTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Conforme melhor doutrina, a função primária do nome em nossa

sociedade, para além mesmo do direito fundamental da pessoa humana, diz

respeito à individualização do sujeito, titular de direitos e obrigações, sendo que

o princípio geral atinente à matéria, consagrado pela Lei de Registros Públicos

vigente, estabelece a imutabilidade do nome, compreendendo este termo tanto

o prenome quanto o nome de família ou patronímico. 70 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

No que tange ao prenome, somente situações excepcionais, como são

aquelas nas quais a designação expõe o indivíduo ao ridículo social ou homonímia,

entre outras, viabilizam a retificação judicial. Sobre tal temática, destaquem-se os

registros de NERY JÚNIOR e ANDRADE NERY (2003, p. 161):

[…] 9 Imutabilidade do nome. É a regra geral: feito o registro,

não mais se poderá modificar o nome. A alteração somente

será possível por autorização judicial, em casos excepcionais

(LRP 57). Os casos mais comuns de alteração do nome são:

a) homonímia, que prejudica a identificação do sujeito,

podendo trazer-lhe prejuízos econômicos e morais;

b) exposição ao ridículo, em decorrência de nomes ou de

combinações de nomes que possam constranger a pessoa

(LRP 55 par. ún., a contrario sensu);

c) acréscimo para melhor identificação da pessoa para fins

sociais e políticos (convivente que acrescenta aos seus o

apelido do companheiro – LRP 57 § 2º; político que acrescendo ao seu nome apelido pelo qual é conhecido junto a

seus eleitores – LRP 58 par. ún.);

d) proteção de vítima ou testemunha de crime, alteração

que é autorizada quando houver fundada coação ou ameaça

decorrente da colaboração para a apuração de crime (LRP

58 par. ún.; L 9.807/99 9º § 3º).

Essa imutabilidade do nome decorre do princípio da segurança jurídica.

Não obstante, há situações em que esse princípio pode ser relativizado, como forma de se efetivar princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana. Preserva-se o nome, traço basilar da personalidade, com o fim de não

se prejudicar a terceiros e os apelidos de família. É a partir dele que a pessoa

se relaciona consigo mesma, com outros e com o mundo, constituindo-se uma

representação simbólica da pessoa humana, dando-lhe um traço distintivo e

singular perante a universalidade de pessoas. Daí porque a sua imutabilidade

pode ser flexibilizada, quando o sujeito desejar e não gerar lesão à ordem pú-

blica brasileira, ainda mais por tratar-se de acréscimo de sobrenome e não de

mudança de prenome. (SWENSSON, 2003)

O prenome é, pois, inalterável. Mas, como exceção à regra, desde que

haja justo motivo e não se prejudiquem os apelidos de família, permite-se,

ouvido o MP, a retificação do nome civil no assento do nascimento no cartório

de registro civil. As hipóteses de mudança encontram-se nos artigos 55 a 58

da Lei nº 6.015/73 (BRASIL, 2008b).

Destaque-se que o art. 56 da LRP estabelece um prazo decadencial

para a alteração imotivada do nome, quando estabelece que

[…]  o interessado, no primeiro ano após ter atingido a

maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique

os apelidos de família, averbando-se a alteração que será

publicada pela imprensa.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 71

Para o exercício deste direito potestativo, não exige realmente a Lei

uma motivação peculiar para a pretensão deduzida em juízo.

Todavia, esta autorizada alteração imotivada de nome, porém, deve

ser entendida modus in rebus.

Isto porque o prenome, na forma do art. 58, é imutável relativamente,

somente podendo ser alterado em estritas hipóteses legais. Da mesma forma,

nesta hipótese de alteração espontânea, devem ser mantidos os apelidos de

família, o que limita também as possibilidades de modificação do nome,

sendo mais comum a incorporação de sobrenomes maternos ou de avós,

traduções de nomes estrangeiros ou transformações de prenomes simples

em compostos ou vice-versa.

Para o ajuizamento desta ação constitutiva negativa (retificação voluntária de registro de nome), além do prazo decadencial previsto de 1 ano, soa

imprescindível que o autor comprove, através de certidões negativas extraídas

de órgãos públicos, que não há qualquer intuito fraudulento a direito de terceiros

na sua pretensão de modificação de nome.

Ao se buscar razoável interpretação da lei, em consonância com os

ditames constitucionais, atentando-se ao referido princípio da definitividade,

deve-se ter em mente que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade. E a adição de sobrenome,

sob esta ótica, não tem o condão de prejudicar a individualização da pessoa.

Conforme posicionamento jurisprudencial emanado do Tribunal de

Justiça (TJ) de Minas Gerais:

O nome civil, em regra, é imutável. Todavia, a lei admite

exceções em determinadas circunstâncias, autorizando a

alteração […] É possível a alteração no registro de nascimento para acrescer ao nome do menor um apelido de família, embora avoengo. (BRASIL, 2008c; grifos nossos).

Já o Des. Nepomuceno Silva acrescenta:

A regra da imutabilidade do nome reveste-se de caráter

relativo, razão porque admissível sua integração pelo apelido de família paternal, que designa a linhagem da pessoa,

não se vislumbrando prejuízo a terceiros ou à ordem

pública, sendo que o acréscimo do patronímico evitará,

inclusive, a ocorrência de homonímia, já que o assento

original – bastante comum – mostra-se hábil à geração de

embaraços sócio-jurídicos. (AP 1.0372.04.007943-9/001;

Des. Nepomuceno Silva, publicação: 26.11.2004) (grifos

nossos).

Verifica-se do exame, ainda que perfunctório, das posições doutrinárias

e jurisprudenciais, que a regra da imutabilidade, especificamente o acréscimo

de sobrenome para homenagear ascendentes e preservação de linhagem, decorrente diretamente do dever de identificação, vem sendo amplamente suavizada.72 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Percebe-se, notadamente na jurisprudência, uma forte tendência no sentido de

admitir-se a alteração do registro civil mesmo quando não constatada a ocorrência

de erro cartorial, desde que motivadamente, não se prejudicando os apelidos de

família e nem se violando a ordem pública. (QUINTANILHA, 1981)

Tal posicionamento, à luz dos ensinamentos hermenêuticos, justifica-se

largamente, haja vista que, recentemente, o valor soberano do ordenamento jurí-

dico é de ser conferido à pessoa humana certa margem de liberdade na disposição

de seu sobrenome, particularizado por meio do direito personalíssimo de possuir

um nome como melhor lhe aprouver, por mais íntimo que esse pleito pareça

aos olhos de alguns representantes do Poder Judiciário e do MP. Neste sentido,

saliente-se o julgado do TJ do Rio Grande do Sul, o qual acolheu o requerimento de

mudança de nome,sob o argumento de que: “Amoderna compreensão de atributo

da personalidade cuida hoje da pessoa, superando a inflexibilidade da doutrina

reacionariamente patrimonialista que impedia a troca”. (RTJRGS 150/643)

Por fim, registra-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

(BRASIL, 2008b):

DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA.  PRODUÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO.

Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, o

princípio da imutabilidade do nome de família não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente, desde que presentes

a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério

Público, a alteração do patronímico, mediante sentença

judicial. No caso dos autos, atendidos os requisitos do artigo 57 c/c o parágrafo 1º do artigo 109 da Lei nº 6.015/73,

deve ser autorizada a produção de  prova requerida pela

autora, quanto aos fatos que embasam o seu pedido inicial.

Recurso provido. (STJ – RESP 401138-MG – Rel. Min.

Castro Filho – DJU 12.08.2003 – p. 00219)”

Vê-se, a partir dos argumentos expostos, que a regra da imutabilidade

deve ser relativizada, como medida da mais lídima justiça.

4 O ART. 57 DA LEI 6.015/73 E A POSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO

DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

Preambularmente, torna-se mister reiterar, neste tópico, que a hipótese

aqui defendida, a propositura de ação de retificação para acrescer sobrenome

de ascendente ao descendente, versa não sobre retificação, no sentido estritoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 73

do termo (significando emenda, correção ou conserto, do nome), mas sobre a

possibilidade de acréscimo de patronímico dos ascendentes, como forma de

homenagear-lhes diante dos fortes laços de afeto que guardam.

Esse procedimento de jurisdição graciosa, previsto na Lei nº 6.015/73

(2008b), Título II, Capítulo XIV, obedece ao rito previsto no art. 109 e ss., encontrando amparo em seus arts. 56 e 57, caput, que assim versam, respectivamente:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou

retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em

petição fundamentada e instruída com documentos ou com

indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o

órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo

de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório.

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido

a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique

os apelidos de família, averbando-se a alteração que será

publicada pela imprensa.

Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do

Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a

que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e

publicando-se a alteração, pela imprensa. (grifos nossos)

A jurisprudentia, vetor de onde promana a admissibilidade da inclusão de sobrenome outro, já que fruto da hermenêutica, traduz, genericamente,

um Direito elaborado com prudência “como conhecimento moral, capaz de

sopesar, diante da mutabilidade das coisas, o valor e a utilidade delas, bem

como a correção e justeza do comportamento humano.” (FERRAZ JÚNIOR,

1980, p.19-20). A prudência revela uma racionalidade própria, cuja ferramenta

pontual é a dialética, enquanto arte das contradições e caminho coerente ao

desenvolvimento da tese ora sustentada.

No caso de ajuizamento de ação de retificação, desejando qualquer

cidadão adicionar ao seu nome o sobrenome de qualquer dos seus ascendentes,

com o objetivo único de dar continuidade ao nome da família, homenageando

os seus, não há razão para não se deferir tal pleito, mesmo porque não se está

infringindo nenhuma norma legal ou princípio da ordem jurídica brasileira,

ao contrário, há uma justa homenagem em favor da família pátria que, não se

pode obscurecer, está em intensa desintegração. Como decidido pelo TJ de São

Paulo, em acórdão publicado na Revista dos Tribunais(1997, p. 72): “Alei não

proíbe a adição de sobrenome”. 74 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

Observando-se tais orientações, interessa saber, no tema ora debatido,

se o acréscimo de outro sobrenome ou apelido de família, de ascendente paterno ou materno, ao nome de seu ascendente, encontra óbice no ordenamento

jurídico brasileiro.

Embora quando da lavratura da certidão de nascimento os genitores

revelem qual o sobrenome a ser adotado pelo filho, não há razão para que se

vede a possibilidade de inclusão de outro sobrenome que, de fato, pertença

àquele, o qual, já consciente de sua posição de cidadão, portador de direitos e

obrigações, pode manifestar esse anseio, apresentando, para efeito de controle

judicial, o motivo específico do pedido.

Sobre isso, a jurisprudência vem firmando o entendimento de que

poderá se incluir ao nome oficialmente registrado o sobrenome de qualquer

dos ascendentes, visando a perpetuar o nome de sua família e manter sua tradição. Além de identificar ainda mais o postulante na sociedade, integrar sua

personalidade, individualizá-lo, um outro sobrenome melhor indicará a sua

procedência familiar, identificando a sua origem, mesmo que remota.

Cabível, nesta senda, escorreita menção ao julgado oriundo do TJ/MG,

em que o apelante objetivava alterar o seu nome para homenagear o seu avô

paterno, justificando que foi este quem, efetivamente, lhe deu o carinho, criação

e amor de avô. Com suporte nesse argumento, decidiu a ilustre julgadora:

Nada mais justo e digno. Afinal o nome permite a continuidade no mundo de uma pessoa, dando-lhe a idéia de

eternidade, já que se transfere de geração para geração.

Não há no pedido do apelante qualquer capricho, apenas

uma justa homenagem a quem lhe tratou como verdadeiro neto. Manter o sobrenome de um avô biológico, mas

ausente, ao argumento de segurança jurídica, é descurar a

aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no

campo do registro público. O nome do avô adotivo possui

um significado afetivo muito maior para o apelante do que

o do avô biológico, daí porque não vislumbro razão para

se impedir a alteração, ainda mais que não há prejuízo

para terceiros e para os apelidos de família, já que será

preservado o sobrenome paterno e materno de seu nome.

(BRASIL, 2008d)

Segue a ementa do voto supramencionado:

RETIFICAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. ADIÇÃO DE PATRONÍMICO AO NOME.

ASCENDENTE DE FAMÍLIA TRADICIONAL NA

CIDADE. HOMENAGEM. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO

AOS APELIDOS DE FAMÍLIA. VIABILIDADE. Viável

é a adição do patronímico da avó materna de tradicional Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 75

família italiana da cidade no nome da apelante dada a

excepcionalidade do caso, máxime quando comprovada

que a inclusão em nada prejudica os apelidos de família,

e o pedido foi acompanhado de certidões negativas de

distribuição de ações cíveis, criminais e protestos, as quais

atestam a idoneidade da requerente. (APELAÇÃO CÍVEL

Nº 1.0518.03.043527-6/001 – COMARCA DE POÇOS

DE CALDAS – APELANTE(S): PATRÍCIA GOMES

BASTOS – PROCESSO SEM RÉUS CADASTRADOS

– RELATOR: EX.MO SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA). (BRASIL, 2008d)

A jurisprudência dos Pretórios brasileiros, manifesta-se remansosa,

nesse mesmo diapasão, verbo ad verbum:

Sabido que o prenome é imutável, nos termos do art. 58,

caput, da Lei nº 6.015/73, não havendo, todavia, qualquer

impedimento que os nomes sejam alterados, mediante determinação judicial, mormente quando o motivo

apontado se apresenta razoável, como no caso, onde se

busca homenagear as avós. Não existe qualquer norma

jurídica que impeça essa providência, salientando-se que

o disposto no artigo 56, da lei referida, ao estabelecer que

essa alteração não pode prejudicar os apelidos de família,

não obstaculiza, obviamente, o acréscimo ou a eliminação

de certos apelidos, mormente quando a pretensão busca,

na verdade, preservar os nomes de seus ascendentes. Essa

vedação tem o sentido exatamente contrário, qual seja o de

impedir que o requerente se desvincule de sua família. O

que não é o caso da apelante. Ademais, deve ser lembrado

que, em matéria de emprego de nomes, na falta de regra

expressa a respeito da adoção dos apelidos dos pais, impera

a tradição. Inobstante (sic) os argumentos aduzidos pelo

prolator da sentença e pelos representantes do Ministério

Público, entendo que os motivos invocados são razoáveis,

podendo, assim, a pretensão ser enquadrada na excepcionalidade prevista no artigo 57, da Lei dos Registros

Públicos, sendo, assim, lícita e admissível. Quando do

julgamento da apelação cível n.º 595026196 tive a oportunidade de salientar que, pelo exame dos dispositivos

que regem a matéria, que foram acima citados, apenas o

prenome é imutável, podendo, assim, o nome ser alterado, desde que a alteração se apresente motivada. É o

caso dos autos, já que a pretensão busca homenagear os

ascendentes. E a homenagem que se pretende prestar 76 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

aos avós maternos não pode ser repelida. Retificação

que, ao contrário do entendido, não desfiguraria o nome da

autora, não dificultaria a identificação imediata da origem

dos respectivos titulares e, muito menos, não caracterizaria

ameaça concreta à segurança jurídica que o nome de cada

um proporciona à sociedade. (O TJ/RS, Des. Tael João

Selistre, Ap Cível nº 033.810, sessão de 22.05.97, na 3ª

Câmara Cível). (grifos nossos) (BRASIL, 2008e)

Por seu turno, na Ap. Cível, nº 1997.013250-6, o Des. Gaspar Rubik,

do TJ/SC, decidiu:

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – PEDIDO DE

INCLUSÃO DE SEGUNDO PRENOME OU, TECNICAMENTE, DE SOBRENOME, QUE NÃO SE CONFUNDE

COM O PATRONÍMICO OU APELIDO DE FAMÍLIA-

RECURSO PROVIDO. (Data: 26/03/1998) (BRASILf)

Alguns dispositivos infraconstitucionais revelam a presença, na linguagem das normas jurídicas, de signos e expressões vagos e essa circunstância

torna a atividade de interpretação e aplicação do Direito, sobretudo na jurisprudência, bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos,

sociais e políticos de uma comunidade.

5 O ALCANCE CONCEITUAL DA EXPRESSÃO “MOTIVADAMENTE”:

UMA REVELAÇÃO HERMENÊUTICA

A grande discussão acerca da admissibilidade ou não do acréscimo de

sobrenome, objetivando a homenagem a ascendentes por descendentes, tem sua

gênese na expressão “motivadamente”, constante do art. 57 da Lei 6.015/73,

cuja interpretação atribuída em alguns julgados vem se revelando contrária aos

ditames da hermenêutica jurídica pós-positivista.

O Direito, como instrumento de comunicação que é, traz em si um

forte poder de violência simbólica, expressado por meio dos signos linguísticos

contidos nas normas jurídicas. Sob este prisma, o signo deve ser visto não como

uma unidade semântica isolada, mas como uma ideia de ligação significativa

de certos conjuntos de signos linguísticos.

Partindo de uma análise do signo linguístico “motivadamente”, fincada

na trilogia semiótica, que é subdivida em semântica, sintática e pragmática,

chega-se ao alcance conceitual de tal expressão.

No plano semântico, os termos lingüísticos são considerados em seu

aspecto referente à realidade e ao contexto em que são colocados, buscando-se Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 77

o significado e o sentido da palavra, também por meio do dicionário, posto

que, em algumas vezes, a palavra é imprecisa, ainda mais quando integrante

da norma jurídica formulada por meio de orações e enunciados vagos.

Nesta linha, a expressão “motivadamente”, sob a luz do dicionário,

significa “expor ou explicar a razão ou motivo de; fundamentar.” (FERREIRA,

p. 1988). No entanto, a semântica da linguagem do Direito não se resume apenas

em um tecnicismo oriundo de dicionário, mas também na evolução e dinâmica

dos conceitos, materializadas na contínua elaboração de leis, as quais criam e

recriam novas terminologias, para representarem novos fatos jurídicos, objeto

de estudo da doutrina e da jurisprudência que, ininterrupta e elogiosamente,

no pleno exercício da hermenêutica, fixam diretrizes interpretativas das novas

expressões incorporadas à linguagem do Direito. Destaca Ferraz Júnior (2007,

p. 256) que: “A determinação do sentido das normas, o correto entendimento

do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de

conflitos constitui a tarefa dogmática da hermenêutica.”

Assim, norteado por uma hermenêutica coerente com a evolução do

Direito, não se pode conceber o equivocado entendimento de que o signo

“motivadamente” implicitamente signifique o sintagma “motivo justo”, como

se vem fazendo aleatoriamente. Ainda mais porque “motivo justo”, para a

hipótese de requerimento de acréscimo de sobrenome, tem sido erroneamente

interpretado como “capricho pessoal”, “mero capricho”, “ausência de motivação

séria e excepcional”. Entretanto, nesses casos, o princípio a ser aplicado é o

de que deve, em regra, ser deferida a retificação do nome quando, além de não

ser expressamente proibida por lei, melhora a situação social do interessado e

não acarreta prejuízo à ordem pública nem a terceiro.

No plano da sintática, sob os ventos da interpretação gramatical, o

vocábulo é considerado a partir do sistema no qual está inserido, observando-se

uma determinação dos múltiplos sentidos das expressões utilizadas no Direito.

Na concepção de Ferraz Júnior (1991), as questões sintáticas dizem respeito a

problemas de conexão das palavras nas sentenças: questões léxicas; e à conexão de uma expressão com outras dentro de um contexto: questões lógicas; e

à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.

A primeira questão analisada pelo aludido jurista vem afirmar que a

ordem das palavras e a forma pela qual elas estão atreladas no texto são de suma

relevância para se extrair o significado da norma. Com base nessa premissa, ao

verificar-se o texto do art. 57, nota-se que a palavra “motivadamente” está ao

lado da expressão “por exceção e”. Daí uma das causas de atribuir-se àquele

vocábulo um sentido negativo como o é este último. É a partir disso que

alguns operadores do Direito, de maneira infeliz, defendem que a expressão 78 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009

“motivadamente” quer significar, para a hipótese de acréscimo do sobrenome,

o sintagma “motivo justo”, que, por sua vez, estaria relacionada somente às

situações excepcionais de alteração de prenome.

Não se leva em conta, em vista dessa má interpretação, que os motivos

que impulsionam osjurisdicionados a buscarem no Judiciário a modificação, por

mínima que seja, de algo tão pessoal quanto o próprio nome, são, algumas vezes,

de foro exclusivamente íntimo, sem correspondência, portanto, a uma situação

objetiva necessariamente de dificuldade ou humilhação – a excepcionalidade

supramencionada. Apenas quem requer tal acréscimo pode mensurar o quanto

lhe afeta constar em seu nome o sobrenome daqueles que tanto contribuíram

para a sua formação como pessoa humana.

Ademais,de relaçãoàpartícula aditiva “e”,presentena locução“por exceção

e motivadamente”, segundo Vilanova (1969), sua função sintático-gramatical

tem relevância formal e, por vezes, confere ambiguidade ao texto, o que compromete a significância de outras palavras a ela conectadas.

No terceiro e último plano, dentro dos estudos da semiótica ou semiologia, tem-se a pragmática, nascida da relação firmada entre os signos e as

pessoas que deles se utilizam, a fim de que a comunicação entabulada entre os

comunicadores alcance a sua finalidade: a sua exata compreensão nos moldes

em que foi transmitida. Sob este enfoque, e voltando-se para a temática proposta, questiona-se, por exemplo, como é que o emissor e o receptor do elemento

Rolar para cima