SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL – I
SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL
SÚMULA Nº 01
SUCESSÃO TRABALHISTA - ALIENAÇÕES DE ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DECORRENTES DA EXECUÇÃO DO PROER - PROGRAMA DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO - CARACTERIZAÇÃO (REQUISITOS)
Nas alienações de estabelecimentos bancários decorrentes da execução do PROER - Programa de Apoio à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema financeiro, caracteriza-se sucessão trabalhista (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo nas hipóteses em que o bancário não tenha prestado trabalho ao sucessor, sendo, outrossim, irrelevante a tal configuração o fato de a instituição sucedida não ter sido extinta, ou seja, de estar submetida a regime de liquidação extrajudicial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 02
BANCÁRIO - CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS À DATA DA ADMISSÃO - EXEGESE DOS ARTIGOS 224 E 225 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento).
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 03
DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO DE REPOUSOS SEMANAIS - NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO - MATÉRIA DISCIPLINADA PELO ARTIGO 10 DO REGULAMENTO APROVADO PELO DECRETO Nº 27.048, de 12 DE AGOSTO DE 1949
As diferenças de remuneração de repousos semanais, decorrentes de horas extras, implicam o direito à complementação do pagamento de aviso prévio indenizado, férias, gratificação natalina e depósitos de fundo de garantia do tempo de serviço - FGTS, em razão da natureza salarial definida pelo artigo 10, caput, do regulamento aprovado pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949".
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 04
JUROS DE MORA - DEPÓSITO EM GARANTIA DO JUÍZO - EXEGESE DO ARTIGO 39, § 1º, DA LEI 8.177/91 - RESPONSABILIDADE DA PARTE EXECUTADA
Independentemente da existência de depósito em conta, à ordem do Juízo, para efeito de garantia, de modo a possibilitar o ingresso de embargos à execução e a praticar atos processuais subseqüentes, os juros de mora - que são de responsabilidade da parte executada - devem ser calculados até a data da efetiva disponibilidade do crédito ao exeqüente.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 04/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/06/2001
SÚMULA Nº 05
(Cancelado pela RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 003/2003 DOE/PE: 25.02.03)
CUSTAS PROCESSUAIS – PAGAMENTO – IMPOSIÇÃO À PARTE VENCIDA EM JULGAMENTO DE AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE
Tratando-se de espécie de tributo cuja exigência depende de previsão legal, e havendo os artigos 702, inciso I, alínea "g", e 789, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho sido revogados pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – conforme proclamado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.208-2, de que foi relator o Eminente Ministro Moreira Alves -, não há possibilidade de o magistrado trabalhista, em julgamento de ação de embargos de terceiro, condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 19/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/12/2001
SÚMULA Nº 06
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO – FGTS – PRESCRIÇÃO
Durante a vigência do contrato de trabalho e até dois anos após a sua extinção, é trintenária a prescrição do direito de reclamar a efetivação dos depósitos do FGTS, relativamente às parcelas de natureza salarial percebidas pelo empregado.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 07
GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS
Em consonância com o disposto no artigo 457 da CLT, a gratificação percebida habitualmente em razão do exercício de função tem natureza salarial e, por conseqüência, integra a base de cálculo das horas extras prestadas.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 08
GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – QUITAÇÃO EM PARCELAS MENSAIS
Inclusão na base de cálculo para remuneração das horas extras. A parcela denominada gratificação semestral, quando paga mensalmente, possui natureza salarial, consoante diretriz traçada no artigo 457, § 1º da CLT, integrando a base de cálculo das horas extras.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 09
TAXA ASSISTENCIAL – EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS – INEXIGIBILIDADE
É nula, por afrontar o princípio da liberdade sindical, a cláusula de instrumento normativo que obriga empregados não sindicalizados ao pagamento da taxa assistencial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 10
MANDADO DE SEGURANÇA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE CRÉDITO –
Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT, bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 11
AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – COMPETÊNCIA FUNCIONAL
Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não extrapolem a sua circunscrição.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 15/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 12
CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS
Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e tolerada pelo Poder Público.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2008 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/01/2009
SÚMULA Nº 13
EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. ÍNDICE DE REAJUSTE
Ao empregado público, que adquiriu o direito à incorporação de gratificação pelo exercício de função comissionada, em razão do princípio da estabilidade financeira, assegura-se o reajuste salarial geral, mas não a vinculação aos mesmos índices e critérios de revisão aplicados à remuneração dos cargos e funções comissionados.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/08/2009
SÚMULA Nº 14
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA.
A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento, após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária aplicável a espécie.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009
SÚMULA Nº 15
HORAS DE PERCURSO. SUPRESSÃO MEDIANTE NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE
É inválida a cláusula de instrumento coletivo que suprime direito à remuneração das horas de percurso (artigo 58, § 2º da CLT).
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 12/2011 - 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011
(*) Republicada por haver saído com incorreção.
SÚMULA Nº 16
URB. PAGAMENTO DE QUINQUÊNIOS. SUPRESSÃO. LEGALIDADE DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL
A supressão do pagamento de quinquênios aos empregados da Empresa de Urbanização do Recife (URB), decorrente da revogação de dispositivo de lei municipal, mediante a incorporação dos valores até então pagos como vantagem pessoal nominalmente identificável, não configura alteração contratual ilegal.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 12/2011 - 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011
(*) Republicada por haver saído com incorreção.
SÚMULA Nº 17
AGRAVO DE PETIÇÃO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 897, § 1º, DA CLT
A exigência da delimitação justificada dos valores impugnados (artigo 897, § 1º, da CLT) dirige-se apenas ao
executado, não se aplicando ao exequente, por ter como objetivo viabilizar a execução imediata da parte remanescente”.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 15/2011 - 3ª divulgação no DEJT EM 18/11/2011
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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 1
Revista do
Tribunal Regional do Trabalho
7ª Região
Doutrina Provimentos Jurisprudência Decisões
Justiça do Trabalho
Ceará
Ano XXXII - Nº 32 - janeiro a dezembro de 2009
ISSN 1980-99132 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Revista do TRT da 7ª Região
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B823r Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 7ª.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.
Fortaleza: 7ª Região, Ano XXXII, nº 32 - jan./dez. 2009.
386 p.; 21cm.
Anual
ISSN 1980-9913
1. Direito _ Periódico I. CEARÁ. Tribunal Regional
do Trabalho da 7ª Região
CDD 340.05
CDU 34 (05) Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 3
DESCARTES GADELHA (Fortaleza-CE 1943)
Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas,
destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1963), “Pintores do
Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador-BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965),
“O Circo”, no Paço das Artes (São Paulo-SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países LatinoAmericanos”, na Casa do Congresso de Angostura (Caracas –Venezuela 1982). Obteve
prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza-CE 1964), no I e II Salões Nacionais
de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em
Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições,
destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro-RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo-SP 1968), Instituto Goethe (Salvador-BA 1974) e as expressivas mostras
“Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1986), “De um Alguém para
Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” - com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões,
além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio
Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no
Palácio da Abolição (Fortaleza-CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração
do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do
museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha
retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará,
sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.
Fonte: <http://www.casadoceara.org.br>
DESCARTES GADELHA, Preparando o chão, óleo sobre eucatex, 61cm x 76cm, 1982COMPOSIÇÃO DO TRT DA 7ª REGIÃO......................................................... 7
COMPOSIÇÃO DAS VARAS DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO .................. 9
DOUTRINA
“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM ESTÁ NO PASSADO” - JOSÉ ANTONIO
PARENTE DA SIlvA............................................................................................................19
“O FENÔMENO DA JUDICIAlIZAÇÃO DA POlÍTICA: TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONAlISMO” - EMMANUEl TEÓFIlO FURTADO E CARlOS HENRIqUE
DE ARAgÃO CAvAlCANTE..................................................................................................25
“A INTERNAlIZAÇÃO DAS CONvENÇÕES DA OIT COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS” - KONRAD SARAIvA MOTA ..........................47
“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO JUSTO AO ACRÉSCIMO
DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,
CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS, À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA” - RODOlFO PAMPlONA FIlHO E HERMANO FABRÍCIO OlIvEIRA
gUANAIS E qUEIROZ .........................................................................................................65
“A ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA COMO MECANISMO EFETIvO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E DE ACESSO À JUSTIÇA” - CARlOS HENRIqUE
BEZERRA lEITE.................................................................................................................87
“A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DAS RElAÇÕES TRABAlHISTAS”
- ElBA MARINA ÁlvAREZ FONTENElE .................................................................................91
“A TEORIA DO CONglOBAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DAS ClÁUSUlAS
NEgOCIAIS COlETIvAS FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABAlHO”
- CARlOS CAvAlCANTE MElO..........................................................................................107
PROVIMENTOS.........................................................................................................133
JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAIS SUPERIORES ............................................................................... 181
ACÓRDÃOS DO TRT DA 7ª REGIÃO
DESEMB. MANOEl ARÍZIO EDUARDO DE CASTRO ........................................... 197
DESEMB. JOSÉ RONAlD CAvAlCANTE SOARES ............................................... 206
DESEMB. lAÍS MARIA ROSSAS FREIRE ........................................................... 215
DESEMB. ANTONIO CARlOS CHAvES ANTERO ............................................... 222
DESEMB. ANTONIO MARqUES CAvAlCANTE FIlHO......................................... 233
DESEMB. DUlCINA DE HOlANDA PAlHANO ................................................... 244
Sumário6 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
DESEMB. JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SIlvA .................................................. 257
DESEMB. ClÁUDIO SOARES PIRES ................................................................. 264
JUÍZA CONvOCADA REgINA glAUCIA C. NEPOMUCENO ................................. 279
EMENTÁRIO DO TRT DA 7ª REGIÃO....................................................................... 289
DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA .................................................................................. 305
ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ............................................................ 369
ÍNDICES DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAIS SUPERIORES .................................................................................. 373
ACÓRDÃOS DO TRT 7ª REgIÃO ..................................................................... 377
EMENTÁRIO DO TRT 7ª REgIÃO .................................................................... 381Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 7
Composição do
Tribunal Regional do Trabalho
da 7ª Região
Des. José Antonio PArente DA silvA
Presidente
Des. CláuDio soAres Pires
Vice-Presidente
Des. MAnoel Arízio eDuArDo De CAstro
Des. José ronAlD CAvAlCAnte soAres
Des. lAís MAriA rossAs Freire
Des. Antonio CArlos ChAves Antero
Des. Antonio MArques CAvAlCAnte Filho
Des. DulCinA De holAnDA PAlhAno8 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 9
Composição das
Varas do Trabalho
da 7ª Região
VARAS DO TRABALHO DE FORTALEZA - CE
Jurisdição: Fortaleza
enDereço: FóruM AutrAn nunes
Ed. Dom Helder Câmara - Av. Tristão Gonçalves, 912 - Centro
CEP 60.015-000 - Tel.: (0xx85) 3308.5900
TITULARES
1ª VARA DO TRABALHO
Juiz JuDiCAel suDário De Pinho
2ª VARA DO TRABALHO
JuízA MAriA roseli MenDes AlenCAr
3ª VARA DO TRABALHO
JuízA MAriA José Girão
4ª VARA DO TRABALHO
Juiz PAulo réGis MAChADo Botelho
5ª VARA DO TRABALHO
JuízA rossAnA rAiA Dos sAntos
6ª VARA DO TRABALHO
Juiz PlAuto CArneiro Porto
7ª VARA DO TRABALHO
Juiz JeFFerson quesADo Júnior
8ª VARA DO TRABALHO
JuízA rosA De lourDes AzeveDo BrinGel
9ª VARA DO TRABALHO
Juiz João CArlos De oliveirA uChôA
10ª VARA DO TRABALHO
Juiz eMMAnuel teóFilo FurtADo
11ª VARA DO TRABALHO
JuízA ivâniA ArAúJo Férrer
12ª VARA DO TRABALHO
Juiz Antonio teóFilo Filho
13ª VARA DO TRABALHO
JuízA reGinA GláuCiA CAvAlCAnte nePoMuCeno
14ª VARA DO TRABALHO
Juiz DurvAl CésAr De vAsConCelos MAiA10 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE BATURITÉ
JurisDição: Acarape, Aracoiaba, Aratuba, Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga,
Itatira, Mulungu, Ocara, Pacoti, Palmácia, Paramoti e Redenção.
enDereço: Rua Major Catão, 450 - Mondego
CEP 62.760-000 - BaTuRiTé-ce - Fone/Fax: (0xx85) 3347.1332
titulAr
JuízA AlDenorA MAriA De souzA siqueirA
VARA DO TRABALHO DE CAUCAIA
JurisDição: Apuiarés, Caucaia, General Sampaio, Itapagé, Itapipoca, Paracuru, Paraipaba,
Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luiz do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu,
Umirim e Uruburetama.
enDereço: Rua Contorno Sul, S/N - Planalto
CEP 61.605-490 - caucaia-ce - Fone/Fax: (0xx85) 3342.2873/2334
titulAr
Juiz FrAnCisCo tArCísio GueDes liMA verDe Júnior
VARA DO TRABALHO DE CRATEÚS
JurisDição: Ararendá, Crateús, Hidrolândia, Independência, Ipaporanga, Ipueiras,
Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Nova Russas, Parambu, Poranga, Quiterianópolis,
Santa Quitéria, Senador Catunda, Tamboril e Tauá.
enDereço: Rua Hermínio Bezerra, 1655 - Planalto
CEP 63.700-000 - cRaTeús-ce - Fone/Fax: (0xx88) 3691.2040/2473
titulAr
Juiz roBério MAiA De oliveirARevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 11
VARA DO TRABALHO DE CRATO
JurisDição: Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Crato, Farias
Brito, Jardim, Nova Olinda, Potengi, Salitre e Santana do Cariri.
enDereço: Av. Perimetral Dom Francisco, S/N
CEP 63.101-000 - Crato-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3523.2707
titulAr
Juiz Clóvis vAlençA Alves Filho
VARA DO TRABALHO DE IGUATU
Jurisdição: Acopiara, Aiuaba, Arneiroz, Baixio, Cariús, Catarina, Cedro, Icó, Iguatu,
Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Mombaça, Orós, Piquet Carneiro, Quixelô,
Saboeiro, Tarrafas, Umari e Várzea Alegre.
enDereço: Rua José de Alencar, S/N
ceP 63.500-000 - iguaTu-ce - Fone/Fax: (0xx88) 3581.1971
titulAr
Juiz FrAnCisCo GerArDo De souzA Júnior
VARA DO TRABALHO DE JUAZEIRO DO NORTE
JurisDição: Abaiara, Aurora, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Granjeiro, Jati,
Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Penaforte, Porteiras.
enDereço: Rua José Marrocos, S/N - Centro
ceP 63.050-240 - Juazeiro do Norte-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3512.3277
titulAr
Juiz herMAno queiroz Júnior12 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO DO NORTE
JurisDição: Alto Santo, Ererê, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro
do Norte, Morada Nova, Pereiro, Potiretama, Quixerê, Russas, São João do Jaguaribe
e Tabuleiro do Norte.
enDereço: Rua Cândido Olímpio de Freitas, 1655 - Centro
ceP 62.930-000 - Limoeiro do Norte-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405
titulAr
Juiz sinézio BernArDo De oliveirA
POSTO AVANÇADO DA VARA DO TRABALHO
DE LIMOEIRO DO NORTE - ARACATI
JurisDição: Aracati, Fortim, Icapuí, Itaiçaba, Jaguaruana e Palhano.
enDereço: Rua Cel. Alexandrino, 503 - Centro
ceP 62.800-000 - Aracati-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405
titulAr
Juiz sinézio BernArDo De oliveirA
VARA DO TRABALHO DE MARACANAÚ
JurisDição: Guaiuba, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape e Pacatuba.
enDereço: Av. Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 80 - Colônia Antônio Justa
ceP 61.900-000 - Maracanaú-CE - Fone/Fax: (0xx85) 3371.2430/2963
titulAr
Juiz CArlos AlBerto trinDADe reBonAttoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 13
VARA DO TRABALHO DE PACAJUS
JurisDição: Aquiraz, Beberibe, Cascavel, Chorozinho, Euzébio, Horizonte, Pacajus e
Pindoretama.
enDereço: Av. Vice-Prefeito Expedito Chaves Cavalcante, S/N - Cruz das Almas
CEP 62.870-000 - Pacajus-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3348.0521/0228
titulAr
Juiz José henrique AGuiAr
VARA DO TRABALHO DE QUIXADÁ
JurisDição: Banabuiú, Boa Viagem, Canindé, Caridade, Choró, Dep. Irapuan Pinheiro,
Ibaretama, Ibicuitinga, Itapiúna, Madalena, Milhã, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Solonópole.
enDereço: Rua Tenente Cravo, 775 - Campo Velho
CEP 63.900-000 - Quixadá-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3412.0599
titulAr
JuízA MAriA DA ConCeição FerreirA MAGAlhães
VARA DO TRABALHO DE SOBRAL
JurisDição: Acaraú, Alcântaras, Amontada, Barroquinha, Bela Cruz, Camocim, Cariré,
Chaval, Coreaú, Cruz, Forquilha, Granja, Groaíras, Irauçuba, Itarema, Jijoca de Jericoacoara, Marco, Martinópole, Massapê, Meruoca, Miraíma, Moraújo, Morrinhos,
Mucambo, Pacujá, Santana do Acaraú, Senador Sá, Sobral e Uruoca.
enDereço: Av. Lúcia Sabóia, 500 - Centro
CEP 62.010-830 - Sobral-CE - Fone/Fax: (0xx88) 3611.2500
titulAr
Juiz luCivAlDo Muniz FeitosA14 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE TIANGUÁ
JurisDição: Carnaubal, Croatá, Frecheirinha, Graça, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipu,
Pires Ferreira, Reriutaba, São Benedito, Tianguá, Ubajara, Varjota e Viçosa do Ceará.
enDereço: Rua Manoel da Rocha Teixeira, S/N - Planalto
CEP 62.320-000 - Tianguá-CE - Fones: (0xx88) 3671.3129/3975
titulAr
JuízA lenA MArCílio XerezRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 15
JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS
(Ordem de Antiguidade)
Marcelo liMa Guerra
Milena Moreira de SouSa
antônio GonçalveS Pereira
JoSé Maria coelho Filho
raFael Marcílio Xerez
Sandra helena BarroS de Siqueira
ana luíza riBeiro Bezerra
FranciSco antônio da Silva Fortuna
Kelly criStina diniz Porto
GerMano Silveira de Siqueira
lúcio Flávio aPoliano riBeiro
Konrad Saraiva Mota
Maria roSa de araúJo MeStreS
roSSana talia ModeSto GoMeS SaMPaio
MateuS Miranda de MoraeS
Suyane Belchior ParaiBa de araGão
laura aníSia Moreira de SouSa Pinto
chriStianne FernandeS carvalho dióGeneS
Fernanda Monteiro liMa verde
reGiane Ferreira carvalho Silva
daniela Pinheiro GoMeS PeSSoa
eliúde doS SantoS oliveira
FaBrício auGuSto Bezerra e Silva
Glaucia Maria Gadelha MonteiroDOUTRINA18 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 19
“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM
ESTÁ NO PASSADO”
José Antonio Parente da Silva
Desembargador Presidente do TRT da 7ª Região
e Diretor da Escola Judicial
“O trabalho da memória é conservar estas prodigiosas coisas,
defendê-las do desgaste banalíssimo do quotidiano, ciosamente,
porque talvez não tenhamos outra melhor riqueza.”
José Saramago
Nossas ações no campo da preservação da memória institucional
reiteram um senso de compromisso para além da faina administrativa, fomentando a geração de novos círculos de estudos e pesquisas apoiados na aliança
do pensamento e da ação concreta de preservação da história e memória do
judiciário trabalhista. A proposta, em curso, de instalação de um Núcleo de
Estudos e Pesquisas, alimentado pela ação da Biblioteca Aderbal Nunes
Freire, do Memorial e animados por nossa Escola Judicial expressam nossa
afeição pela cultura, com o evidente propósito de articular programa de gestão
e impulso ao conhecimento.
Entendemos que os passos ora ensaiados além de afirmar nosso
compromisso indicam alguns procedimentos sistemáticos e definição de
objetivos permanentes em nossa faina. Entre vários se destacam o fomento
à organização e posterior digitalização de fundos e coleções documentais
garantindo sua preservação e estimulando o amplo acesso; a realização de
exposições itinerantes e elaboração de materiais educativos para estimular
os estudos sobre o judiciário trabalhista em suas conexões com a história
social do trabalho no Brasil; a promoção do adequado tratamento técnico
dos acervos documentais e bibliográficos, observando as condições de preservação e difusão das informações. É de se observar que o atual trabalho
de higienização, catalogação e descrição dos processos trabalhistas, enseja
vários desdobramentos no campo do estudo e da pesquisa, desde a ampliação
do repertório de fontes, à incorporação de fontes testemunhais apensas aos
processos, à publicação dos Inventários e edições fac-similares de documentos,
dossiês de pesquisa, exposições temáticas, suscitando também a realização
de dissertações e teses. E tudo isto com o propósito de promover amplo
acesso a estes documentos tanto ao cidadão em busca de direitos, quanto aos
pesquisadores comprometidos com a história social no Brasil.20 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Uma concepção renovada da pesquisa histórica no Brasil, articulada
aos trânsitos entre as disciplinas e em debate no campo da História Social requer um arcabouço de medidas e procedimentos no sentido da regulamentação,
da democratização do acesso, da definição de política pública de proteção,
preservação, atualização e divulgação de acervos. Afinal, “Documento recolhido e não organizado significa informação não disponibilizada, portanto,
inexistente”, como asseveram as reflexões produzidas no âmbito do Plenário
do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ.
Nossa tarefa é agora de incentivo, no âmbito da gestão documental,
à preservação e compartilhamento do patrimônio documental, em sintonia
com a defesa da memória como direito humano fundamental. No Brasil,
o direito de acesso à informação e à proteção aos documentos é ratificado
na Constituição Federal de 1988, em vários de seus Títulos. Seu artigo 216
(2007. p. 108), na seção II – DA CULTURA, preconiza:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,
por meio de inventários, registros,vigilância, tombamento
e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a
gestão da documentação governamental e as providências
para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. [...]
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio
cultural serão punidos, na forma da lei.[...]
Neste ponto, ainda que longo, reproduzo a pertinente formulação
de (RANSOLIN; DECKER; OLIVEIRA, 2008, p. 128) em seus estudos
sobre gestão documental do Memorial da Justiça do Trabalho da 4ª Região:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 21
A Constituição Federal elenca como um dos pilares fundamentais da democracia o direito de acesso à informação
(art. 5º, XIV), já que a democracia é o regime do poder
visível, pois não tolera o poder que oculta ou o poder que
se oculta. E de nada adianta garantir o direito de acesso
à informação, se esta não é preservada, ou ainda, se
preservada, não está disponível ou em condições de ser
acessada, por não estar organizada de modo a possibilitar a
sua localização e a sua recuperação. O constituinte estava
atento a essas questões e não as deixou sem resposta, a fim
de que o direito de acesso à informação pudesse efetivamente ser concretizado no dia-a-dia dos cidadãos. Assim
é que elevou os documentos (onde as informações estão
contidas) à categoria de patrimônio cultural brasileiro
ao lado de outros bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência a identidade, a ação, a memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, determinando
ao Poder Público a sua promoção e proteção. Tamanha
a importância do direito de acesso à informação para o
regime democrático que o constituinte não parou por aí,
tendo se preocupado em especificar a forma pela qual
a proteção ao patrimônio documental brasileiro deveria
ser realizada. Determinou, então, caber à administração
pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a
quantos dela necessitarem.
Em sintonia com os preceitos constitucionais de 1988, é consabido
que a preservação dos documentos públicos é um direito dos cidadãos tanto
para a produção da prova quanto para a proteção da memória coletiva. Em
nosso caso, a discussão e os procedimentos adotados devem acontecer no
âmbito inclusive da nova redação que a Emenda 45 trouxe ao Artigo 114 da
Constituição Federal, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, o que
implica na observação de novos prazos prescricionais. Neste plano, atentese ainda aos pressupostos da Lei Federal 8.159 de 08 de janeiro de 1991 e à
Resolução 14 do CONARQ.
No judiciário trabalhista a discussão vigente sobre a preservação de
documentos como prova e como patrimônio histórico entende que já
não se trata simplesmente de uma atividade relacionada à
guarda e organização de “papel velho”, de processos sem
nenhuma utilidade. Estamos a pensar a responsabilidade
nossa, enquanto dever e não faculdade, de preservar,
do acautelamento quanto à guarda de nossos processos,
porquanto esses contam e recontam nossa história, na
apropriada formulação de Anita Lübbe, (2007) juíza titular
da Vara do Trabalho de Guaíba-RS. 22 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Sabe-se que o acesso aos documentos, demanda um trabalho continuado de nossa parte em articulação com as Universidades e Centros de
pesquisa e memória. Quanto maior a articulação entre os agentes públicos,
pesquisadores e cidadãos comprometidos com o direito à memória, o acesso aos
documentos públicos será uma prioridade e um garante ao pleno do exercício
da democracia.
No mundo contemporâneo, em torno de 57 países adotam uma regulamentação apropriada cujo lastro fundamental é o direito à informação
em suas palavras chave: liberdade de expressão e comunicação. Ressalte-se
que, pelo menos desde o meado da década de 1960 do século XX, a noção
do direito à informação torna-se corrente no campo ampliado dos direitos
fundamentais. O que antes era privilégio, agora é direito. Dito de outra forma,
devemos trabalhar de modo que a memória coletiva sirva para a libertação
e não para a servidão dos homens, como sublinha a máxima de Jacques Le
Goff, que em epígrafe abre o capítulo do Memorial do TRT 7ª Região.
Essa breve introdução, pretende apenas ser um fio condutor para pensarmos e revisarmos antigos e sempre novos problemas relacionados entre si.
Proponho aqui uma reflexão sobre os termos da História e Memória enquanto
ferramenta possível de construção da cidadania. Um convite à reflexão, apoiado
na palavra de um historiador social de larga experiência na pesquisa em arquivos
do judiciário brasileiro, (CHALHOUB, 2008, p. 45):
A preservação é uma coisa que fazemos para o futuro, é
pensar grande, é pensar com generosidade e pensar na
importância de que se tenha a possibilidade de conhecer
histórias como essas, das Ações de Liberdade, para sempre,
se possível. Por que é isso que nos dá uma dimensão mais
clara, mais humana sobre as diversas configurações de uma
Nação, ou um grupo social. Vivemos em uma sociedade
que é extremamente injusta coerentemente injusta, durante
muitos séculos. Acredito que a única maneira de transformar realmente uma sociedade como essa depende de uma
democratização efetiva, e esta depende de certo direito
à memória, o direito ao passado, o direito das pessoas
conhecerem o sofrimento que essa sociedade impingiu a
si própria durante séculos. Porque nada vai mudar aqui se
não houver uma mudança de atitude geral. Essa mudança
de atitude só é possível com o conhecimento da História,
das diversas histórias. Esse acervo que a Justiça do Trabalho tem hoje em dia será, daqui a dois séculos, tão ou
mais valioso para as gerações futuras quanto o material
do século XIX que, por acaso, sobreviveu.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 23
Hoje, ao afirmar nossos compromissos, apoiados nas políticas pú-
blicas de acesso à informação, convidamos ao compartilhamento de ações
que visem à ampliação do mapa do conhecimento histórico no âmbito do
judiciário trabalhista. O TRT7 busca se construir como um lugar de história
e memória. Este o desafio, no Ano 10 do Memorial do TRT7.
Assim sendo, como suporte e incentivo às ações do Memorial, da
Biblioteca Aderbal Nunes Freire e em diálogo com a Escola Judicial se instala
no TRT 7ª Região um Núcleo de Estudos e Pesquisas da história e memória da
Justiça do Trabalho no Ceará. A idéia básica é constituir um espaço de fomento
ao estudo sistemático e à pesquisa, a partir das fontes históricas reunidas no
Memorial e Biblioteca - processos trabalhistas, carteiras de trabalho, fontes
iconográficas, impressas e objetos datados da década de 1920 e seguintes.
Nessa perspectiva de reconstituição e organização de fontes históricas, do estímulo à produção de novos saberes, o Núcleo de Estudos e
Pesquisas do TRT 7ª Região, esforço compartilhado da Biblioteca, do Memorial e de nossa Escola Judicial, se desenha como lugar de contribuição
à história social no Ceará.
referências
CHALOUB, Sidney. Ações Cíveis Envolvendo Escravos no século XIX. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, 2., 2008,
Campinas, SP. Anais ... São Paulo, LTr, 2008. p. 45
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da
Editora Revista dos Tribunais. 12. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007. p. 108.
MEMÓRIA e preservação de documentos: direitos do cidadão. Coordenado por Magda
Barros Biavaschi, Anita Lübbe e Maria Guilhermina Miranda. São Paulo: Ltr, 2007.
RANSOLIN, Antonio Francisco; DECKER, Elton Luiz; OLIVEIRA, Walter. Memorial
da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: pesquisa, divulgação e preservação
do acervo histórico. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO, 2., 2008, Campinas, SP. Anais ... São Paulo, LTr, 2008.
SCHELLENBERG, T. R. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. 6. ed. Rio de
Janeiro: FGV, 2006.24 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 25
“O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:
TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E
CONSTITUCIONALISMO”
Emmanuel Teófilo Furtado
Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca - Espanha
Professor visitante da Universidade de Havre - França
Professor de Direito da Universidade Federal do Ceará
Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza
Carlos Henrique de Aragão Cavalcante
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará
RESUMO: Este artigo tem como objetivo estudar o fenômeno da judicialização da
política. A judicialização pode ser compreendida como a utilização do Poder Judiciário
como instância decisória de questões políticas. Em primeiro momento, analisaremos a
transformação que a idéia de abstração e generalidade da lei, típicas de uma concepção
liberal, vem sofrendo diante da complexidade da sociedade contemporânea e sua face
multicultural. A atividade legislativa, caracterizada pela multiplicidade de interesses a
serem organizados, chega a consensos pela utilização de expressões abertas, conceitos
jurídicos indeterminados e dos legal standards.Juntamente com a “inflação legislativa”,
estas expressões de textura aberta corroboram para uma maior discricionariedade
judicial. O papel a ser desempenhado pelo judiciário na concretização dos programas
constitucionais, frente a inefetividade das instituições majoritárias, pode ser visualizado
como uma tensão entre o constitucionalismo, entendido como uma técnica de limitação
do poder estatal e como um conjunto de procedimentos para o jogo democrático, e
a democracia, entendida como fonte de legitimidade do exercício do poder político
por meio das decisões majoritárias. Por fim, estudaremos como a nova Hermenêutica
Constitucional contribui para uma atividade judicial mais ampla, pela idéia de normatividade dos princípios, quando se cogita de uma criatividade na atuação do judiciário.
THE JUDICIALIZATION PHENOMENA OF POLITICS: TENSION BETWEEN
DEMOCRACY AND CONSTITUCIONALISM.
This article aims to study the phenomena of the judicialization of politics. This can
be understood as the utilization of the judicial power as a derisory sphere of politic
issues. In the first instance, examine the transformation of the idea of abstraction and
generality of the law, typical of a liberal concept, has undergone by the complexity of
contemporary society and its multicultural face. The legislative activity, characterized
by the multiplicity of interests to be organized, the consensus reached by the use of open 26 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
terms, uncertain legal concepts and the legal standards. Together with the ‘legislative
inflation’, these expressions of open texture support for greater judicial discretionarily.
The mission to be developed by the judiciary power at the constitutional programs
concretization, against the ineffective of the majority institutions, can be visualized
as a tension between the constitutionalism, understood as a limitation of the estate
power technique and as collaborative procedures for the democratic match, and the
democracy, understood as legitimacy of political power source by means of majority
decisions. Finally, we will study how the new constitutional hermeneutics contribute
for a more wide judicial activity, by the normative force idea of the principles, when
considering creativity on the judiciary actuation.
KEY-WORDS: Judicialization. democracy. power judiciary.
1 INTRODUÇÃO
Em uma sociedade complexa pós-industrial, o esquema rígido de tripartição das funções estatais apresenta-se como um modelo controverso, dada a
real função que o Poder Judiciário é chamado a desempenhar nas democracias
contemporâneas. Estaria o Judiciário legitimado a tomar decisões políticas,
com o intuito de garantir direitos fundamentais? Decisões com acentuado teor
político devem ser reservadas às esferas tradicionais das decisões majoritárias?
Atualmente, o Poder Judiciário se vê envolvido por questões deste tipo.
Nas palavras de Luis Roberto Barroso:
Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos
foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário.
Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da
magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar
um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o
Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação
substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões
complexas acerca da extensão de seus poderes
1
.
O presente artigo tem o objetivo de analisar estas questões e seus desdobramentos.
2 FUNÇÃO JURISDICIONAL E VAGUEZA LEGAL
Afunção jurisdicional, atividade de pacificação social exercida pelo Poder
Judiciário, que substitui as partes envolvidas no conflito para solucioná-lo, é umRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 27
alicerce sobre o qual se ergue o Estado Democrático de Direito. Este Estado é
estruturado por um corpo normativo que possui qualidades de um sistema coerente e racional. Apesar disto, na praxe social, muitas vezes surgem ameaças e
agressões a direitos garantidos pelo ordenamento jurídico. É neste espaço que,
via de regra
2
, age o Poder Judiciário, recompondo a ordem antes estabelecida.
Assim, no esquema clássico da separação das funções estatais, estaria reservada ao Poder Judiciário a função de, em outras palavras, aplicar a lei ao caso
concreto, fazendo valer a prescrição da conduta que tinha sido prevista em lei.
A lei é identificada como uma norma genérica e abstrata que visa regular, de
forma universal, todos os casos nela previstos, por meio da subsunção legal.
Luis Roberto Barroso afirma:
O conhecimento jurídico tradicional, que se abebera nas
fontes romanas e tem como pontos culminantes a produção
científica de Savigny, no século passado, e de Hans Kelsen,
neste século, exibe como traços marcantes o formalismo e
o dogmatismo. O elemento básico na idéia de formalismo
é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolve
por via de um processo dedutivo, onde se colhe a norma
no ordenamento e faz-se a subsunção dos fatos relevantes
3
.
A codificação do Direito realizada pelas revoluções burguesas simboliza o auge da força política do poder legislativo, e tem como consequência
uma atuação judicial estreita exclusivamente aos limites da lei. A hermenêutica
mecânica, reduzindo a experiência jurídica à esfera normativa, fazia do magistrado um mero aplicador da lei. Esta posição hermenêutica era corroborada
pela estrutura de autoprodução do Direito, visto não como fato social, mas
apenas como um conjunto de normas positivadas “sob a forma de um aparato
conceitual depurado”
4
. Sói perceber que à atividade judicial não eram autorizadas as avaliações políticas
5
. Os códigos, portanto, tornavam-se impermeáveis
a qualquer tentativa de integração às transformações econômicas e sociais
6
.
A conceituação da jurisdição como função dirigida a fazer valer a vontade concreta da lei está ligada à idéia de lei como norma genérica e abstrata, à
nítida separação entre criação e aplicação do direito, e à idéia de diferenciação
entre aplicação e interpretação do direito.
Sobre a idéia de lei genérica e abstrata, Luis Guilherme Marinoni
afirma:
A idéia de lei genérica e abstrata, fundada pelo Estado
legislativo, supunha uma sociedade homogênea, composta por homens “livres e iguais” e dotados das mesmas28 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
necessidades. É claro que essa pretensão foi rapidamente
negada pela dimensão concreta da vida em sociedade,
inexoravelmente formada por pessoas e classes sociais
diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas
7
.
A passagem do Estado Liberal clássico para o Estado Social, representa
a mudança de orientação de uma atividade estatal que buscava a justiça formal
para um Estado que intenta alcançar uma justiça material.
Picardi afirma:
É sabido que, com a passagem do Estado liberal clássico
ao Estado social de direito, as tarefas dos magistrados
e dos aparelhos administrativos se multiplicaram. Mas
a ampliação desses aparelhos determinou, para além e
contra as intenções, um incremento dos poderes do juiz
8
.
Paulo Bonavides, sobre a transformação do paradigma do Estado Liberal
em Estado Social, esclarece:
O velho liberalismo, na estreiteza de sua formação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem
econômica das vastas camadas proletárias da sociedade,
e por isso entrou irremediavelmente em crise.
A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.Não dava nenhuma solução às contradições sociais,
mormente daqueles que se achavam à margem da vida,
desapossados de quase todos os bens
9
.
Ainda sobre a mudança do modelo de Estado liberal para Estado social,
Werneck et al, afirmam:
Dessas múltiplas mutações, a um tempo institucionais e
sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os poderes, como também a conformação
de um cenário para a ação social substitutiva à dos partidos
e a das instituições políticas propriamente ditas, no qual o
Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolu-
ção de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social
e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante
na pauta da facilitação do acesso à Justiça
10
.
O Estado, recebendo uma nova agenda política, necessita instrumentalizar suas ações de intervenção na sociedade para alcançar a igualdade material.
Neste sentido, o juiz assume papel social de distribuição da justiça material,
ampliando seu âmbito tradicional de atuação
11
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 29
O fenômeno do aumento das intervenções judiciais ocasionado pelo
surgimento do paradigma do Estado social é acelerado “pela patologia de uma
legislação oscilante entre a inflação emalgunssetores e a inatividade emoutros”
12
.
E ainda: com a velocidade dastransformaçõessociais numa época de “transnacionalização dos mercados de insumos, capitais, finanças e consumo”
13
o legislador
é levado cada vez mais a adotar técnicas legislativas flexíveis e elásticas.
Frente a este quadro, Marinoni afirma:
É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo
clássico – deixam de existir. A vontade legislativa, passa a
ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas
forças de pressão. A respeito, afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por
variáveis coalizões legislativas de interesse
14
.
Neste sentido Perelman afirma que os membros de um Parlamento,
possuindo pontos de vista dissonantes sobre as matérias a serem votadas,
“se esforçam em conciliar mediante compromissos, frequentemente obtidos
mediante fórmulas vagas, que permitem, por isso mesmo, interpretações
divergentes”
15
. Deste modo, o legislador faz uso dos conceitos-válvula, dos
legal standards, das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados.
Embora as distinções entre estas modalidades de abertura no corpo legislativo
sejam muito sutis e não tão claras, importa perceber que todas são técnicas
legislativas que transferem ao juiz decisões que o legislador não quis ou não
pode fazer. Todos esses elementos corroboram para a atividade integrativa do
judiciário, que necessita interpretar conceitos com textura aberta para prestar
a tutela jurisdicional.
A superação das técnicas clássicas de interpretação da lei pela visão da
Nova Hermenêutica Constitucional
16
, estruturada pela idéia de normatividade
dos princípios, torna favorável o ambiente acima descrito para o que se tem
chamado de juridificação
17
(judicialização ou juridicização) da política.
3 JUDICIALIZAÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS
O aumento relativamente desordenado da legislação ocasiona aquilo
que Nicola Picardi chamou de “época da decodificação”, contexto histórico
no qual a idéia do Direito como um sistema jurídico vai, paulatinamente,
sendo desgastada, por conta de alterações casuísticas, que agridem a sistemá-
tica tanto da legislação material, quanto da legislação processual (chamada 30 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
por Picardi de “códigos de rito”)
18
. Estas modificações casuísticas fornecem
a idéia de ‘inflação legislativa’, que é a multiplicação das leis, e também pode
ser compreendida como sua desvalorização.
Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o número de matérias, atividades e comportamentos regulados por textos legais, essa desenfreada produção
legislativa culmina, assim, na ruptura da organicidade,
da unidade lógico formal e da racionalidade sistêmica
do ordenamento jurídico e, por conseqüência, na perda
da própria capacidade de predeterminação das decisões
concretas por meio do direito positivo
19
.
Assim, a pluralidade de leis pode ocasionar, na prática, a falta de efetividade das normas jurídicas. Já a inatividade do legislador abre espaços que
tendem a ser supridos pela atuação judicial. Tanto a multiplicação desordenada,
quanto a inércia do legislador, favorecem o aumento da discricionariedade
judicial. Neste sentido, o vazio deixado pelos outros poderes é levado ao judiciário, e como este não pode eximir-se de julgar, decide questões cada vez
mais políticas, que extrapolam o modelo de lide interindividual.
O fenômeno da judicialização da política é paralelo ao da expansão
da discricionariedade judicial. Os dois têm em comum o fato de alargarem os
limites da intervenção judicial na sociedade, majorando os poderes dos juízes.
Sobre a compreensão do que venha a ser poderes do juiz, Picardi aponta
duas formas de abordar o tema:
O aumento dos poderes do juiz, a sua vez, pode ser considerado pelo menos de um duplo ponto de vista: poder
do juiz entendido como função, isto é poder de resolver
a controvérsia singular que lhe foi submetida; e poder
dos juízes, entendido como estrutura ou instituição, isto
é, poder atribuído a um complexo de órgãos (a chamada
administração da justiça), em relação à organização compreensiva da sociedade
20
.
Nicola Picardi afirma que a discricionariedade judicial também é fortalecida pela ampla utilização dos chamados “recursos aos pronunciamentos
de urgência”. Em outras palavras, a tutela cautelar e antecipatória, isto é, as
tutelas de cognição sumária tendem a ocupar um lugar de destaque em relação
às tutelas de cognição plena
21
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 31
Dando especial ênfase ao direito processual, Picardi afirma que
ao longo do século XIX, foi se concretizando a idéia de um procedimento
único. Entretanto, no século XX, uma série de procedimentos especiais foi
sendo utilizada paralelamente ao procedimento ordinário, o que fez com que
o próprio procedimento ordinário se tornasse um procedimento residual.
Picardi afirma:
[...] no século XIX foi se afirmando não só a idéia de uma
jurisdição tendencialmente única para a solução de todas as
controvérsias, mas também uma vinculada a um tipo único
de processo: o processo ordinário, regulado pelo código
de rito [...] No século XX, em contrapartida, uma série de
procedimentos especiais foi progressivamente sendo posta
ao lado do ordinário, terminando por afastar o papel central
desempenhado por este último [...]
22
.
Picardi identifica nesta multiplicidade de normas processuais e de ritos
diferentes o aumento da possibilidade de solução dos conflitos, contribuindo
assim para uma maior discricionariedade judicial.
Até mesmo no direito civil, ramo do Direito de interpretação tradicional
23
, vê-se uma mudança, que aponta para uma abertura em relação a uma
ampliação da discricionariedade judicial, quando no Código Civil de 2002 foram
inseridas as cláusulas gerais
24
e a função social do contrato. Há uma abertura
para uma atividade judicial de ponderação, de proporcionalidade.
4 JUDICIALIZAÇÃO E TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO
A judicialização, isto é, o fenômeno de submeter ao judiciário questões
de acentuado teor político, é fortemente visualizada no controle jurisdicional
de constitucionalidade
25
. Por sua vez, este controle da adequação das leis e atos
normativos à Constituição aponta para uma tensão entre democracia e constitucionalismo. A democracia compreendida como decisão política majoritária,
e o constitucionalismo como uma técnica de limitação do poder estatal e de
guarda de direitos fundamentais.
A relação entre democracia e constitucionalismo é vista, por Hans
Kelsen, sob a perspectiva abaixo:
De fato, a existência de uma maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por conseqüência,
o direito da maioria pressupõe o direito a existência de 32 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
uma minoria. Disto resulta não tanto a necessidade, mas
principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra
a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial
dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos
por todas as modernas constituições das democracias
parlamentares
26
.
À democracia interessa conhecer a fonte e o modo pelo qual é possível
o exercício do poder político que se origina nas decisões da maioria
27
. Sabe-se,
entretanto, que a absolutização destas decisões majoritárias poderia levar a uma
agressão dos interesses de uma minoria. O constitucionalismo, delimitando o
campo de irradiação das decisões majoritárias, por excluir destes processos
decisórios um grupo de direitos inalienáveis, e por traçar as linhas mestras
dos procedimentos democráticos, torna-se uma concepção política que, neste
sentido, é um limite ao exercício absoluto da decisão da maioria.
O controle jurisdicional de constitucionalidade traz consigo a polêmica
do deslocamento das esferas de decisões políticas do parlamento e do executivo para o judiciário. Estaria o Poder Judiciário democraticamente legitimado
para rever os atos dos representantes do povo? E por outro lado: estariam os
representantes do povo legitimados constitucionalmente a decidirem fora dos
parâmetros das regras do jogo democrático?
Existem duas vertentes que buscam posicionar o papel a ser desempenhado pelo Judiciário neste contexto: a vertente procedimental e a vertente
substancial.
A vertente procedimental insere o Judiciário como agente institucional
que deve garantir as regras do processo democrático. Entende que o Judiciário
não está habilitado a tomar decisões substanciais em uma democracia, já que
a legitimidade da escolha das políticas públicas e da condução do Estado é
própria dos representantes eleitos do povo. Assim, para que a autonomia dos
cidadãos seja exercida, a participação do Judiciário deve resguardar-se a controlar e fiscalizar o processo democrático e a reequilibrar possíveis distorções.
E mais importante: deve-se construir canais de comunicação que permitam a
real participação dos atores sociais nas decisões democráticas.
Habermas ensina que, atualmente, o direito já não pode mais buscar
em bases argumentativas metafísicas a sua legitimidade, afirmando a superação das doutrinas metafísicas por uma doutrina democrática. Habermas
leciona: “Alegitimidade do direito positivo não deriva mais de um direito moral
superior: porém ele pode conseguí-la através de um processo de formação da
opinião e da vontade, que se presume racional”
28
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 33
Neste sentido, a justiça política está intimamente ligada às possibilidades reais do debate democrático, e o espaço público é meio necessário para
que as potencialidades lingüísticas possam ser desenvolvidas pelos cidadãos.
A importância deste locus democrático é tamanha que Ferry afirma: “[...] em
ultima análise, a justiça dependeria de uma liberdade de comunicação consistente, para que todo cidadão pudesse inscrever um tema de discussão pública
na ordem do dia da agenda política”
29
. A vertente procedimental compreende
que quando o Judiciário se abre para acolher e julgar demandas políticas, ele
colabora para uma idéia equivocada de cidadania. Pois, ao invés do cidadão
buscar resposta em meio às manifestações sociais, ele cria uma relação individualista de dependência com o Judiciário.
Para esta vertente, o espaço público é mais adequado para dar vazão
às demandas sociais. É bastante oportuna a afirmação feita por Ferry:
A idéia que se liga à persona latina, como também a seu
equivalente grego prosopon, é antes de tudo uma idéia
segundo a qual a personalidade se revela na luz pública.
[...] O público é o lugar privilegiado de expressão e de
revelação das características humanas, razão pela qual o
espaço público não é apenas um espaço dramatúrgico de
manifestação, mas é também um espaço ético de reconhecimento
30
.
A segunda vertente é chamada de substancial, por entender que o
Judiciário deve assumir postura ativa na defesa dos direitos fundamentais e
dos princípios constitucionais. Sendo pró-ativo na defesa dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, o Judiciário garante a inserção de minorias que não alcançam sucesso no processo
de representação eleitoral.
Nesta perspectiva, a Constituição traz um ideal de justiça a ser concretizado no tempo. A Constituição é compreendida como um processo político a
ser realizado. O Judiciário concorreria, portanto, para a implementação deste
ideal de justiça. A atuação do Judiciário em questões políticas não agrediria a
democracia, ao contrário, quando o Judiciário leva em consideração em suas
decisões princípios políticos maiores, inscritos no texto constitucional, ele
contribui para uma elevação do debate democrático, resguardando-o de meras
circunstâncias das decisões da maioria.
Dworkin, como representante desta vertente que preconiza uma atuação
judicial substancial, e não meramente procedimental, vê na defesa dos direitos
individuais a melhor justificação para uma atividade judicial nestes termos. A
idéia é que o Judiciário aja na defesa dos direitos individuais frente às deliberações majoritárias, quando estas sejam consideradas agressivas à igualdade
e à liberdade. Os juízes estariam autorizados a garantir direitos individuais, já
que estes impõem limites as decisões da maioria. 34 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Dworkin, entretanto, não afirma que o Judiciário deve imiscuir-se
quando a questão diga respeito a objetivos coletivos ou políticas públicas. No
fundo, as decisões judiciais neste contexto não são fundamentadas por meros
argumentos políticos, mas por princípios.
Dworkin afirma: “O Tribunal deve tomar decisões de princípio, não
de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema
constitucional, não decisões como se promove melhor o bem estar geral”
31
.
4.1 Judicialização e Jurisdição Constitucional
No Brasil, o controle jurisdicional da constitucionalidade é feito por
dois modelos: o controle difuso, onde qualquer juiz, em qualquer processo, pode
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Por ser realizado em
casos específicos, esse modelo também é conhecido como controle concreto de
constitucionalidade. Este modelo foi criado a partir da decisão do caso Marbury
versus Madison
32
, em 1803, nos Estados Unidos. O outro modelo utilizado no
Brasil é o concentrado ou abstrato, idealizado por Hans Kelsen, e aplicado pela
primeira vez na Áustria. Este último modelo entrega o controle da constitucionalidade a um órgão que concentra o exercício da jurisdição constitucional.
Vê-se que o controle concentrado, quando atribui a um órgão a competência para avaliar a adequação das leis e atos normativos à Constituição, dando
uma natureza erga omnes às decisões proferidas nestes processos, na prática,
entrega um forte poder político a esse Tribunal, fazendo dele, ao menos num
nível teórico, um verdadeiro “guardião da Constituição”
33
.
O modelo austríaco de controle jurisdicional da constitucionalidade
permite que um órgão, na maioria das vezes composto por sujeitos que não
foram eleitos democraticamente, reveja os atos do Parlamento, e até mesmo,
caso o órgão considere determinada lei inconstitucional, retire-a do ordenamento
jurídico. Com o intuito de defender a supremacia da Constituição, o órgão
competente, quando chamado a se pronunciar, pode extirpar do ordenamento
jurídico um ato legislativo que passou por todas as fases procedimentais, e que,
ao final delas, foi considerada apta pelo parlamento para produzir seus efeitos,
regulando a matéria em questão.
A ação direta de inconstitucionalidade é um instrumento bastante utilizado para realizar o controle jurisdicional da constitucionalidade. Os dados
estatísticos mostram que de 1988 até 2009 foram distribuídas 4.217 (quatro
mil duzentas e dezessete) ações diretas de inconstitucionalidade
34
.
Ernani Rodrigues de Carvalho apud Tate aponta condições políticas
para o surgimento da judicialização, quais sejam: democracia, separação dos
poderes, direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesses, o uso
dos tribunais pela oposição, isto é, pelos partidos de oposição, e a inefetividade
das instituições majoritárias
35
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 35
Argumentando em relação ao uso dos tribunais pelos grupos de interesse, Carvalho afirma:
A judicialização da política é um processo que se alimenta
dos interesses econômicos e sociais centrais, que por sua
vez estruturam o sistema político. De fato, o desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos
políticos, foram mais propriamente obra de pressões e lutas
das organizações sociais, sejam elas movimentos sociais
ou grupos de interesse, do que obra de devoção de autores
altruístas. Portanto, os grupos de interesse passam a considerar e/ou utilizar a possibilidade de veto dos tribunais
na realização de seus objetivos
36
.
Os dados estatísticos disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal
mostram que, de 1988 até 2009, as Confederações Sindicais ou Entidades de
Classe de âmbito nacional foram autoras de 920 (novecentas e vinte) Ações
Diretas de Inconstitucionalidade
37
.
A utilização da jurisdição constitucional pelos partidos políticos é
assim explicada por Carvalho: “Os partidos de oposição, não podendo barrar
as alterações realizadas pela maioria, utilizam-se dos tribunais para frear,
obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações em curso”
38
. Os partidos
políticos impetraram, de 1988 até 2009, 752 (setecentas e cinqüenta e duas)
Ações Diretas de inconstitucionalidade
39
.
A defesa radical da Constituição pode cristalizar as aspirações polí-
ticas de uma nova geração. Assim, o reconhecimento de que a Constituição
é um amplo leque de consensos políticos e de que é um instrumento que é
construído ao longo do tempo, dá ensejo a críticas ao controle jurisdicional da
constitucionalidade como atribuição dada a um órgão pretensamente imparcial
nas disputas políticas.
Neste sentido, Gilberto Bercovici afirma:
A normatização unilateral da constituição gerou sua dessubstancialização, ignorando este seu caráter político. O
entendimento da constituição exclusivamente como norma
jurídica provocou a ampliação das questões versando sobre
interpretação e aplicação do direito constitucional, hoje no
centro do debate constitucional. A jurisdição constitucional,
assim, assumiu a pretensão de reduzir e concentrar nela
toda a problemática da teoria da constituição, abandonando
questões centrais como a da democracia
40
.
Para Bercovici, a falta de compreensão histórica e política da Constitui-
ção, como uma pretensão de eternidade, é resultado da visão do constitucionalismo liberal
41
. E completa afirmando: “O princípio legitimador da constituição
é a democracia em sua dimensão material, não apenas procedimental”
42
. 36 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Dando seguimento à crítica da concepção formal e apolítica do constitucionalismo liberal, Bercovici afirma:
A tentativa de congelar as aspirações democráticas para
salvaguardar as aquisições liberais das constituições,
segundo Palombella, gera a distorção de tornar o constitucionalismo o árbitro último de um conflito no qual é
parte. Esta prevalência do constitucionalismo retira força
da democracia. A neutralidade das constituições é ilusória
e o constitucionalismo não deve ter nenhuma primazia
ideológica que não o obrigue a ser continuamente colocado
à prova na esfera democrática
43
.
Mesmo atento para as críticas que mostram na judicialização um
fenômeno que esvazia determinadas esferas democráticas, tornando os
tribunais instâncias privilegiadas de decisão política, é necessário, no entanto, rever a condição apontada linhas atrás como uma das causas para o
desenvolvimento da judicialização: a inefetividade das instituições majoritárias. Inefetividade no sentido de “incapacidade dessas instituições de
dar provimento às demandas sociais”
44
.
Estas demandas sociais se tornam ainda mais exigíveis frente às Constituições dirigentes com suas normas programáticas
45
, especialmente porque não
há mais que se questionar acerca da juridicidade, portanto da força jurídica, que
os programas constitucionais possuem em face de todos os Poderes do Estado,
mormente o Executivo e o Legislativo.
Oscar Vilhena Vieira assim se expressa acerca das Constituições
dirigentes:
Além da organização e separação de poderes e de uma
carta de direitos civis e políticos, as constituições elaboradas neste século trazem, em geral, uma série de direitos
sociais, econômicos, culturais, e até ambientais [...] As
constituições “dirigentes” além de organizar as clássicas
atribuições do Estado liberal, buscam criar condições de
realização de uma justiça substancial, que reside em tra-
çar procedimentos justos voltados a assegurar resultados
igualmente justos
46
.
A legitimidade destas Cartas Políticas reside na construção de uma sociedade permeada por uma justiça material. Assim, a atividade estatal necessita
estar embasada por esta concepção de justiça social e econômica. A construção Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 37
desta sociedade por meio de um ideal de justiça realiza-se paulatinamente, e
deve contar com a essencial participação dos Poderes Executivo e Legislativo.
Esclarecendo o tema, Vieira escreve:
Para que esses direitos possam ser efetivamente atendidos, as constituições “dirigentes” impõem ao legislador
e ao governante uma série de diretrizes e programas que
vinculam, em maior ou menor medida, a atuação desses
agentes, objetivando criar as condições materiais necessá-
rias para a efetiva fruição dos direitos expressos no texto
constitucional
47
.
E se o Executivo, na concretização das políticas públicas, não garante
direitos assegurados constitucionalmente? A ineficácia de um governo, entretanto, não pode ser considerada uma mera questão de opinião pessoal. Mas a
questão é que, nos países em desenvolvimento, a carência de políticas públicas
direcionadas a garantir as condições mínimas de existência é fato notório. Assim,
os atores sociais direcionam suas demandas ao Poder Judiciário. E este, não
podendo se negar a decidir as questões que lhe foram apresentadas, tendem a
pôr um fim no conflito, sendo que solução para este conflito deveria ter sido
apresentada nas esferas ordinárias do debate democrático, isto é, no âmbito
propriamente político.
5 JUDICIALIZAÇÃO E NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
Como afirmado no início do artigo, a hermenêutica jurídica clássica,
vinculada ao positivismo, não estava preparada para cumprir satisfatoriamente
seu papel frente à valorização da Constituição como elemento integrador da
sociedade.
Como exposto acima, os princípios constitucionais são a estrela guia
para todo o ordenamento. Nos ensinamentos de GlaucoBarreira: “[...] os cânones
tradicionais da hermenêutica foram concebidos para a interpretação de normas
com estrutura de regras e, principalmente, para as normas de direito privado”
48
.
Vale lembrar que os princípios constitucionais nem sempre foram
considerados normas jurídicas, tendo sua juridicidade questionada. A discussão
sobre a juridicidade dos princípios constitucionais foi superada, no sentido de
considerá-los normas com força jurídica. Nas palavras de Paulo Bonavides:
[...] aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade,
ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que, pelo discurso metodológico, a norma
é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual
as espécies vêm a ser o princípio e a regra.
4938 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Percebe-se, portanto, que para a nova hermenêutica, as regras possuem
estrutura diferente da que possuem os princípios. Os princípios podem ser distinguidos das regras por três critérios: quanto ao conteúdo, quanto à estrutura
normativa e quanto às particularidades de aplicação
50
. Em relação ao primeiro
critério, os princípios trazem uma decisão política, como uma espécie de objetivo coletivo, de modo que a generalidade é sua tônica mais marcante; já as
normas, traçando uma conduta, têm caráter específico. Quanto à aplicação, os
princípios importam uma interpretação mais profunda, levando em consideração
fortes valorações morais; as regras têm interpretação mais simples. Quanto às
particularidades de aplicação, as regras aplicam-se sob a forma do “tudo ou
nada”, enquanto os princípios aplicam-se proporcionalmente. A aplicação de
um princípio não significa a exclusão dos demais.
Sobre o assunto, Habermas escreve:
Normas diferentes não podem contradizer umas às outras,
caso pretendam validade no mesmo círculo de destinatá-
rios; devem estar inseridas num contexto coerente, isto é,
formar um sistema. Enquanto valores distintos concorrem para obter a primazia; na medida em que encontram
reconhecimento intersubjetivo no âmbito de uma cultura
ou forma de vida, eles formam configurações flexíveis e
repletas de tensões
51
.
O filósofo alemão prossegue:
Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro
lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;
em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta
ou relativa, e, em quarto lugar, através dos critérios aos
quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve
satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades
lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira
52
.
Para Habermas, nos trechos acima, as “normas” estão no sentido de
regras, e os “valores” apresentam-se nos princípios.
A chamada “colisão de princípios” deriva do caráter dialético da
constituição, no sentido de ser a Constituição um instrumento unificador de
uma sociedade múltipla. Além disso, a Constituição é a norma maior na qual
se projetam as realizações de uma sociedade em transformação. É como se a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 39
Constituição, principalmente por meio de seus princípios, balizasse a efetivação
dos projetos de reestruturação social. Esta compreensão pode ser utilizada em
Zavadniak Advocacia Trabalhista Curitiba - Advogados Trabalhistas Curitiba
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decisões judiciais que se arvorem numa condição ativa de construção de uma
justiça idealizada pela Constituição.
Esfera interessante para a distinção entre princípios e regras é a da
colisão de princípios e a do conflito de regras. Paulo Bonavides, apud Robert
Alexy, nos ensina:
[...] os conflitos de regras – assevera o eminente jurista –
se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a
colisão de princípios, visto que somente princípios válidos
podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade,
ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor
53
.
Os métodos da hermenêutica jurídica clássica permanecem sendo utilizados. A diferença é que, no pós-positivismo, as espécies de normas jurídicas
chamadas de princípios não comportam um esquema fechado de interpretação.
A nova hermenêutica traz um método novo, caracterizado pelo aspecto aberto,
dialógico e pragmático. A generalidade de algumas normas constitucionais possibilita a abertura para o contato com as transformações sociais, principalmente
numa sociedade pós-industrial
54
, plural e que, instrumentalizada pela tecnologia
da informação, forma novas redes de interações sociais constantemente
55
. Pelo
aspecto dialógico, os problemas devem ser resolvidos com base em uma argumentação viabilizada por uma pré-compreensão do tema, estando, assim, em
consonância com a inteligência de uma teoria discursiva do Direito. O ponto
pragmático liga o intérprete à responsabilidade de produzir um julgamento ou
mesmo de realizar a escolha executiva buscando dar a maior efetividade possível
às normas constitucionais, produzindo, deste modo, resultados eficientes no
processo de aplicação do Direito. Como se percebe, a característica dialógica
e pragmática, bem como o aspecto aberto na interpretação da constituição,
contribuem para uma maior discricionariedade na decisão judicial, como instrumentos hermenêuticos subjacentes ao fenômeno da judicialização.
Aqui, levanta-se a questão sobre a existência de certa criatividade judicial. Até que ponto pode-se compreender a função jurisdicional não apenas
como uma concretização da vontade da lei, mas como criação de uma norma
que regerá um caso específico? Pelos métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, parece difícil negar que a atividade judicial não guarda um elemento
de criatividade.
O exato nível de criatividade judicial não está claro. Segundo Cappelleti:
Trata-se [...] de problema que não pode se resolver com um
claro sim ou não à criatividade dos juízes. Tal criatividade
– ou, para ser preciso, alto grau de criatividade, pois bem
vimos como se trata essencialmente de problema apenas
de natureza quantitativa – pode ser benéfica ou maléfica,40 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
segundo as muitas circunstâncias contingentes, de tempo
e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada
sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização
e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de
magistratura que exercem tal criatividade
56
.
A superação do paradigma de aplicação da lei advinda do estado Liberal
promove um campo fértil para uma atividade judicial de construção de sentido.
Neste sentido, Habermas afirma:
O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras
décadas do século XX, um consenso de fundo muito difundido entre os especialistas m direito, preparando, assim, um
contexto de máximas de interpretação não questionadas
para a aplicação do direito. Essa circunstância explica
por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado
a seu tempo, sem o recurso a princípios necessitados de
interpretação ou a “conceitos-chave” duvidosos. De fato,
toda ordem jurídica que se justifica, a partir de princípios,
depende de uma interpretação construtiva [...]
57
.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término deste estudo, a conclusão que nos ocorre é a de que para a
compreensão do fenômeno da judicialização, devemos levar em consideração,
principalmente, três elementos: o surgimento do paradigma do Estado Social,
o Welfarestate; a superação da subsunção como técnica mecânica de aplicação
da lei pelos instrumentos abertos da Nova Hermenêutica Constitucional; e a
realidade da ineficiência das instituições políticas que deveriam assegurar a
prestação de serviços públicos. Estes três elementos contribuem especialmente
para que os atores sociais busquem assegurar, junto ao Poder judiciário, a frui-
ção de seus direitos. Além disto, também concluímos que o envio de questões
eminentemente políticas para o judiciário, principalmente por meio da jurisdição
constitucional, cria uma tensão entre democracia e constitucionalismo. Para alguns, a democracia deve guiar as decisões políticas e não caberia ao Judiciário
intervir nestas esferas de decisões majoritárias. Entretanto, na realidade de países
em desenvolvimento, onde as políticas públicas não atingem os objetivos constitucionais, o Poder Judiciário quando chamado a decidir, pode garantir aos atores
sociais a fruição de seus direitos fundamentais. Para tanto, fundamentado nos
métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, os juízes, em casos específicos,
possuem certa liberdade de decisão. Assim, o judiciário não simplesmente aplica
a vontade da lei, mas exerce certa criatividade. Esta criatividade está, contudo,
limitada pelos parâmetros dos princípios constitucionais.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 41
ciTações
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1
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito
(o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de direito administrativo,
n. 240. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
2
Uso a expressão “via de regra”, pela polêmica em torno da jurisdição voluntária. Pois,
neste caso, não há necessariamente agressão a direito, nem reparação da ordem, pois
não houve violação de direito. Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001.
3
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos
de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 277.
4
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4
a
tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 45.
5
“O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acentuado grau
de auto-suficiência. Rigorosamente separado da política, não se inclui na sua esfera
própria de atuação qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das
leis”. BARROSO, op. cit., p. 277.
6
In ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.
7
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Trinunais, 2008, p. 42.
8
PICARDI, op. cit., p. 13.
9
BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008, p. 188.
10
WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel
Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das
Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22.
11
“[…] a ampliação do âmbito da jurisdição [...] deita suas raízes, como se disse, na
passagem do Estado liberal clássico para o Estado social de direito [...]”. PICARDI,
op. cit., p. 11.
12
PICARDI, op. cit., p. 13.
13
FARIA, op. cit., p. 13.42 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
14
MARINONI, op. cit., p. 43.
15
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 52.
16
A Nova Hermenêutica Constitucional está ligada ao pós-positivismo como uma nova
forma de compreensão do Direito que supera a metafísica jusnaturalista e o esvaziamento
axiológico do formalismo positivista. Intimamente harmonizada com a valorização da
Constituição, a Nova Hermenêutica Constitucional dá especial tratamento aos princípios
constitucionais, conferindo-lhes força jurídica vinculante e tornando-os a base para a
unidade e interpretação das leis. Na lição de Paulo Bonavides in Curso de Direito
Constitucional, p. 231: “Os princípios, uma vez constitucionalizados,se fazem a chave
de todo o sistema normativo”.
17
Segundo FARIA in O Direito na Economia Globalizada, p. 134, “o termo Verrechtlichung
(juridificação) surgiu na Alemanha, durante a República de Weimar, por iniciativa de
autores como Ernnst Fraenkel, Otto Kircheimer e Franz Neumann [...]”.
18
“A nossa época, como já acenei, foi definida como a época da decodificação [...]
Tal fenômeno também ocorreu com os códigos de rito [...].” PICARDI, op. cit., p. 3.
19
FARIA, op. cit., p. 117.
20
PICARDI, op. cit., p. 12.
21
“A título de exemplo, basta recordar como na justiça civil o recurso aos pronunciamentos de urgência se tornou agora muito freqüente, e as medidas cautelares ou
antecipatórias tendem a definir a controvérsia”. In PICARDI, op. cit., p. 15.
22
PICARDI, op. cit., p. 4.
23
“O tradicional operador do direito civil é, por excelência, um conservador. Ainda
inspirado na noção napoleônica de um código civil como ‘Constituição do cidadão’,
manuseia suas páginas com espírito recluso. Visualiza o direito privado de modo hermético e acredita que a carta constitucional é algo que não lhe afeta”. In ROSENVALD,
Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
24
“Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente,
definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim, como ponto de referência
interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”. In ROSENVALD apud Gustavo Tepedino,
op. cit., p. 160.
25
“Tomando como fonte de inspiração o critério de sistematização proposto por
Clèmerson Merlin Clève, podem-se classificar os sistemas de controle da constitucionalidade da seguinte forma: a) o modelo inglês de ausência de fiscalização da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 43
constitucionalidade [...] b) o modelo francês de controle político e preventivo da
constitucionalidade [...] c) o modelo de jurisdição constitucional difusa, de origem
norte-americana [...] d) o modelo de jurisdição constitucional concentrada, desenvolvido a partir da matriz austríaca [...]”. In BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição
Constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 42.
26
KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 67.
27
“Que o princípio da maioria é largamente utilizado como técnica de tomada de decisão
coletiva não resta dúvida. No entanto, cabe indagar se um critério quantitativo pode dar
fundamento qualitativo a uma decisão coletiva, ou mesmo, preliminarmente, se há fundamento qualitativo para justificar o princípio da maioria. Distinguimos pelo menos quatro
linhas de fundamentação: a) o argumento conoscente; b) o argumento contratualista;
c) o argumento axiológico e d) o argumento exclusivamente utilitarista.” MATOS, Nelson
Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao Estado Democrático
Liberal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
28
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 2, p. 317.
29
FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função
última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus,
2007, p. 88.
30
FERRY, op. cit., p. 83.
31
DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 101.
32
Vale a pena conhecer a sinopse da história: “Derrotado porThomasJefferson na eleição
presidencial, o então Presidente John Adams nomeou diversos de seus correligionários
do Partido Federalista como juízes federais, entre os quais se encontrava Wiliam Marbury. O próprio Marshall, secretário de Estado de Adams, havia sido nomeado, com
aprovação do Senado, Chief Justice da suprema Corte, algum tempo antes. O título de
nomeação de Marbury não lhe foi entregue a tempo, sendo sua nomeação suspensa por
determinação do novo presidente Thomas Jeferson ao seu Secretário de Estado James
Madison. Marbury acionou Madison exigindo informações, num primeiro momento.
Não sendo fornecida nenhuma explicação, impetrou uma nova ação, writ of mandamus,
com o objetivo de alcançar a nomeação. O tribunal adiou por mais de dois anos a decisão,
o que gerou uma forte reação contra os juízes. Finalmente, ao anunciar a decisão da
Suprema Corte, Marshall destacou duas questões: Jefferson não tinha o direito de negar
posse a Marbury. Porém a Suprema Corte não poderia conceder o writ of mandamus,
requerido por Marbury, pois esta competência que lhe havia sido atribuída pela seção
13 do judiciary Acta de 1789 era contrária à Constituição, na medida em que alargava
as competências constitucionais originalmente estabelecidas para a Suprema Corte. A
Corte não poderia se utilizar de uma atribuição, ainda que conferida pelo parlamento,
quando incompatível com a Constituição”. In VIEIRA, Oscar Vilhena, op. cit., p. 43.44 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
33
Expressão utilizada pela Carta Política de 1988 para designar o Supremo Tribunal
Federal.
34
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adi>.
35
Cf. CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Juicialização: apontamentos
para uma nova abordagem. In Rev. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.
36
CARVALHO, op. cit., p. 118.
37
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.
38
CARVALHO, op. cit., p. 119.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.
40
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.
41
Ibid., op. cit., p. 16.
42
Ibid., op. cit., p. 17.
43
Ibid., op. cit., p. 17.
44
CARVALHO, op. cit., p. 120.
45
“As constituições contemporâneas não se limitam às regras clássicas do constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX. Trazem uma vasta estrutura de normas diretivas e
programáticas e criam alterações extremamente importantes no quadro tradicional do
controle da constitucionalidade”. In VIEIRA, op. cit., p. 31.
46
VIEIRA, op. cit., p. 32.
47
Ibid., op. cit., p. 32.
48
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da
Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004, p. 61.
49
BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000, p. 248.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 45
50
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:
Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
51
HABERMAS, op. cit., v. 1, p. 317.
52
Ibid., p. 317.
53
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000, p. 251.
54
Cf. MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora
Senac, 1999.
55
Cf. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura.
10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.
56
CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1993.
57
HABERMAS, op. cit., p. 313.
ReFeRências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos
de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
BONAVIDES, Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008.
____________. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000.
CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1993.
CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Judicialização: apontamentos para
uma nova abordagem. In Ver. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 10.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.46 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo:
Malheiros, 2001.
DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4
a
tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2004.
FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus, 2007.
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 1.
KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da
Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004.
MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora Senac,
1999.
MATOS, Nelson Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao
Estado Liberal Democrático. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
PICARDI, Nicola. Jurisdição e Processo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2005.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel Palácios
Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das Relações
Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 47
“A INTERNALIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES DA OIT
COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS”
Konrad Saraiva Mota
Juiz do Trabalho junto ao TRT 7ª Região
(Aprovado em 1º Lugar no Concurso Público de 2006)
Ex-Juiz do Trabalho junto ao TRT da 14ª Região
(Aprovado em 4º Lugar no Concurso Público de 2004)
Juiz Coordenador dos Leilões Judiciais junto ao
TRT da 7ª Região desde 2008
Membro da Ordem Alencarina do Mérito Judiciário Trabalhista
no grau de Oficial desde 2009
Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho
da Universidade de Fortaleza – UNIFOR desde 2007
Professor Colaborador da Escola da Magistratura do Trabalho da 7ª Região
Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exame da OAB
SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais; 2 Direitos Humanos: definição, caracterização
e classificação; 3 Organização Internacional do Trabalho – OIT: criação, desenvolvimento e finalidade; 4 Convenções da OIT como espécies de tratados internacionais
sobre direitos humanos; 5 Internalização das normas concebidas perante a OIT a partir
da perspectiva de que compreendem tratados internacionais sobre direitos humanos;
6 Considerações Finais.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que a República Federativa do Brasil, na condição de Estado
soberano, pacífico e democrático, regendo-se nas suas relações internacionais
pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Art. 4º, IX,
CF), busca integração ativa na comunidade internacional, mormente através da
participação em organismos multilaterais, capazes de congregar outros Estados
igualmente soberanos com vistas ao desenvolvimento compartilhado.
Dentre tais organismos destaca-se a Organização Internacional do Trabalho - OIT, criada pela Conferência de Paz em 1919, como componente da antiga
Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII do Tratado
de Versailles e cuja competência, no dizer de Arnaldo Süssekind
1
, destina-se a
tratar “de questões que visem à justiça social, no seu mais largo conceito, tendo
em vista o processo material e espiritual do ser humano, em condições de liberdade e dignidade, com segurança econômica e iguais oportunidades”.48 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
O Brasil, como membro da OIT desde a sua fundação, há muito se
depara com os preceptivos decorrentes das convenções oriundas do referido
Organismo Internacional, internalizando seus textos e fazendo ingressar suas
normas no Ordenamento Jurídico nacional.
Portanto, tem-se que o convívio das normas jurídicas brasileiras com
os textos internacionais concebidos no âmbito da OIT não é fenômeno recente,
já tendo sido, inclusive, objeto de vários e abalizados estudos.
Ocorre que, a despeito dos fatores históricos que culminaram com a
própria criação do citado organismo internacional trabalhista – o que por si só
já justificaria o conteúdo humanizado de seus preceptivos – é raro na Doutrina
o reconhecimento de que as normas trazidas pelos instrumentos celebrados
junto à OIT consagram verdadeiros direitos humanos e, como tais, dotados de
valorosa universalidade, cuja internalização desafia olhares mais cuidadosos,
especialmente no que tange à possibilidade de ostentarem patamar eminentemente constitucional e, por conseqüência, status de Direitos Fundamentais.
Sob essa perspectiva, passam a surgir inquietações relacionadas à
internalização das normas da OIT a partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988 que, em seu art. 5º, § 2º, instituiu cláusula aberta concernente
aos direitos e garantias fundamentais, não excluindo outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a
República Federativa do Brasil seja parte.
Tais inquietações sobressaem ainda mais relevantes diante da inovação
trazida pela Emenda nº 45/2004, que, ao inserir o § 3º no art. 5º constitucional,
permitiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,
desde que aprovados por maioria qualificada perante o Congresso Nacional,
subam a degrau formalmente constitucional, adquirindo, com isso, a rigidez
inerente ao texto maior frente às casualidades que tão freqüentemente costumam
abalar os alicerces democráticos.
Com efeito, tratar sobre a internalização dos preceitos concebidos
perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, partindo-se da premissa de que os mesmos veiculam direitos humanos e que, em virtude disso,
podem assumir caráter de normas material e formalmente constitucionais,
compreende estudo da mais alta relevância que por certo não se encerra do
presente ensaio.
Este trabalho, ao enfrentar a temática acima disposta, iniciará buscando definir e caracterizar os direitos humanos, diferenciando-os, tecnicamente,
dos direitos fundamentais, segundo consagrada Doutrina.
Em seguida, traçará considerações acerca da criação, desenvolvimento
e atuação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, reconhecendo-a
como organismo multilateral paritário, destacado pela preocupação com
direitos sociais e econômicos dos Países que a integram.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 49
Mais adiante, tentará demonstrar que os direitos veiculados nas normas trazidas pelos textos internacionais produzidos junto à OIT integram o rol
de direitos humanos, o que acaba por transformá-los em verdadeiros tratados
internacionais sobre direitos humanos.
Finalmente, serão estudadas questões relacionadas à internalização das
normas concebidas perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, sob a
óptica de que se está diante de tratados internacionais sobre direitos humanos,
passíveis de assumir patamar constitucional. Não será olvidado, ademais, o
enfrentamento das polêmicas atinentes às convenções já ratificadas pelo Brasil
anteriormente a promulgação da Constituição de 1988 e do advento da Emenda
Constitucional 45/2004.
2 DIREITOS HUMANOS: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E
CLASSIFICAÇÃO
Para Maurício Godinho Delgado “definir um fenômeno consiste na
atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o
nexo lógico que os mantém integrados
2
”.
Com efeito, na tentativa de definir direitos humanos, busca-se analisar
os elementos que o compõem, identificando, ato contínuo, os fatores que permitem a mantença da união de tais elementos na estrutura do fenômeno.
De antemão admoesta-se não ser tarefa fácil definir direitos humanos, tampouco tal problemática se revela ponto principal do presente estudo.
Em contrapartida, entender os direitos humanos, diferenciando-os de outros
fenômenos que lhes são correlatos, afigura-se indispensável à sustentação da
teorética aqui enfocada.
O termo “direito”, sem maiores incursões acerca de sua essência, deve
ser aqui entendido como o conjugado de preceitos que disciplinam e protegem
determinados interesses ou regulamentam relações jurídicas
3
. Já o vocábulo
“humanos” abrange tudo aquilo que pertence ou se refere ao ser humano.
Aliando o significado dos termos supra, pode-se dizer que direitos
humanos compreendem o conjunto de preceitos que disciplinam e protegem
determinados interesses que se referem ou pertencem ao ser humano considerado como tal, tanto em sua acepção pessoal como na qualidade de membro
integrante de uma coletividade.
Ingo Wolfgang Sarlet, parafraseando O. Höffe, assinala que “os direitos humanos referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser
pessoa humana)
4
”.
Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam que
“a denominação Direitos do Homem ou Direitos Humanos [...] indica predicados inerentes à natureza humana e, enquanto tais, independentes de um sistema
jurídico específico, mas de uma dimensão ingênita e universalista
5
”.50 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
A partir do sobredito pode-se identificar, sem maiores esforços, que o
elemento “homem” situa-se como componente indissociável dos direitos humanos. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos direitos humanos.
É destinatário principal de seus disciplinamentos.
Ora, os homens – a despeito das diferenças biológicas, sociais, políticas,
filosóficas e culturais que os cercam – possuem uma essência de certa forma
unívoca, sempre voltada à consecução de sua dignidade, independentemente
da sociedade na qual estejam inseridos.
Daí resulta dizer que a dignidade do homem, assim considerada como
o modo de proceder que lhe infunde respeito, elevação e grandeza moral,
constitui-se no fator de interligação entre os preceitos jurídicos e humanos que
compõem os direitos humanos.
Desse modo, os elementos que compõem os direitos humanos revelamse a partir de sua própria denominação. De um lado os direitos como disciplinamentos de proteção e regulação; do outro, o termo humanos como tudo que
se relaciona ao homem. Já o nexo lógico que mantém tais elementos integrados
consubstancia-se na dignidade da pessoa humana, inerente ao homem independentemente das idiossincrasias sociais, políticas e culturais que o cercam.
Neste trilhar, considerando que os direitos humanos visam à proteção
do homem, mais precisamente em aspectos relacionados à sua dignidade,
nascem, para tais direitos, características que lhes são imanentes, tais como a
atemporalidade (no sentido de durabilidade e perpetuação) e a universalidade
(no sentido de se reportar a todos os homens, independentemente da raça,
origem, sexo, cor, concepções, etc.).
É justamente por serem atemporais e universais que os direitos humanos constituem terminologia consagrada em textos normativos internacionais,
instituidores de disciplinamentos com pretensão de incidência mais ampla,
abrangendo vários e distintos Estados Soberanos.
Nessa perspectiva, diferenciam-se direitos humanos de direitos fundamentais, pois enquanto os primeiros, pelo caráter supranacional ou universal,
estão positivados em textos normativos internacionais; os segundos, por serem
mais específicos (apesar de não menos relevantes), encontram-se positivados
e reconhecidos pelo direito interno de cada Estado, normalmente assumindo
patamar constitucional.
Sobre o tema, sábios são os ensinamentos de Sarlet
6
, que, respaldado
em Pérez Luño, alude:
[...] o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou
conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 51
noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais precioso e restrito, na medida em que
constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo
de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos
delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação
se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema
jurídico do Estado de Direito.
No mesmo sentido leciona Hermano Queiroz Júnior
7
, ao dizer que:
[...] os direitos humanos são inerências da natureza humana, donde seu caráter inviolável, atemporal e universal,
enquanto os direitos fundamentais são os objetivamente
vigentes em uma dada ordem jurídica concretamente
considerada, concernindo igualmente à pessoa humana.
Em resumo: enquanto os direitos humanos encontram respaldo em
textos internacionais, visto que sua aplicação, pautada pelo caráter universal e
atemporal, refere-se a todo ser humano como tal, independentemente do Estado onde se situe; os direitos fundamentais estão positivados no ordenamento
de um determinado Estado e, inobstante referir-se igualmente ao ser humano,
encontram limitação temporal e espacial na normatização de certa sociedade. O
que irá diferenciar uma ou outra categoria será exatamente o nível de concreção
e positivação que se lhe atribui.
Finalmente, insta salientar que os direitos humanos possuem consagrada classificação em três distintas e não-excludentes dimensões ou gerações
8
,
identificadas a partir de etapas históricas de sua evolução.
Destarte, consideram-se de primeira dimensão os direitos humanos de
liberdade, concebidos no seio do Estado Liberal, compreendidos nas garantias
civis, políticas e de nacionalidade. Já os direitos sociais refletem os denominados direitos humanos de segunda dimensão, gerados com o advento do Estado
Social e pautados na aspiração de igualdade, comportando as garantias sociais,
econômicas e culturais. A terceira dimensão dos direitos humanos açambarca
postulados de garantia transindividual, enaltecendo direitos difusos e coletivos, tais como a higidez do meio ambiente, a proteção do patrimônio artístico
e cultural, o acesso à comunicação, a autodeterminação dos povos, a paz e o
desenvolvimento.
Frise-se, no entanto, que a divisão em dimensões ou gerações de direitos
humanos não deve desaguar uma perspectiva atomizada dos referidos direitos,
como se os direitos humanos de primeira dimensão tenham sido sucedidos pelos 52 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
de segunda e estes pelos de terceira. Na verdade, os direitos humanos não se
sucedem ou se substituem, mas se expandem. Neste aspecto, valorosos são os
ensinamentos de Antonio Augusto Cançado Trindade
9
:
Distintamente do que a infeliz invocação da imagem
analógica da “sucessão generacional” parecia supor, os
direitos humanos não se “sucedem” ou “substituem” uns
aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais (tendo
estes últimos inclusive precedido os primeiros no plano
internacional, a exemplo das primeiras convenções internacionais do trabalho). O que testemunhamos é o fenômeno
não de uma sucessão, mas de uma expansão, cumulação e
fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar
a natureza complementar de todos os direitos humanos.
É preciso que fique claro: a divisão dos direitos humanos em dimensões
ou gerações não pode ser utilizada para justificar teoréticasinfundadas de que os
direitos humanos se sucederam no tempo, de modo que os mais contemporâneos
substituíram os mais antigos. Ao revés, os direitos humanos compreendidos
nas distintas dimensões se complementam e convivem harmonicamente.
Superados os esclarecimentos concernentes a definição, caracterização
e classificação dos direitos humanos, passa-se, a seguir, ao estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT, enfrentando aspectos de sua criação,
desenvolvimento e competências.
3 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT:
CRIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E FINALIDADE
Para compreender a importância da Organização Internacional do Trabalho – OIT no contexto mundial, bem como a relevância de seus normativos
como instrumentos garantidores de direitos humanos sociais dos Países que a
compõem, faz-se oportuno algumas considerações acerca do momento histórico
em que tal organismo fora concebido.
De início, é de se destacar que a OIT teve sua criação pautada, entre
outras coisas, na imperiosa necessidade de afirmação do denominado Estado
Social, marcado pela participação ativa do Estado como assegurador de patamares mínimos de civilidade dos cidadãos.
Até o final do século XIX, prevaleceu nos Estados Democráticos do
Ocidente o modelo liberal de organização do Estado. Tal modelo, concebido
a partir do ideário iluminista construído na segunda metade do século XVIII,
caracterizava-se pela intervenção mínima do Estado nas relações privadas.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 53
Esta postura absenteísta do Estado, no plano político, tinha razão de
ser no modelo reacionário da época, contrapondo-se ao Estado Absolutista e
centralizador de outrora. No plano econômico, todavia, o não-intervencionismo
estatal decorria do movimento capitalista burguês que buscava sua consolidação
desde o advento da Revolução Industrial.
Daniel Sarmento
10
retrata com propriedade a postura do Estado Liberal
na economia, ao dizer que “o Estado ausentava-se da esfera econômica, que
permanecia à mercê das forças do mercado, limitando-se ao modesto papel de
proteger a segurança interna e externa e da propriedade dos seus cidadãos”.
Acontece que essa abstenção do Estado nas relações privadas, sobretudo
naquelas que envolviam a tensão existente entre capital e trabalho, começou
a perceber-se danosa. Isto porque, tal relação (capital vs trabalho) é marcada
pela existência de uma profunda desigualdade material entre o detentor dos
meios-de-produção e aquele que despende sua força de trabalho.
Aludida desigualdade, aliada a total omissão estatal, culminou em
fenômenos sociais desastrosos, tais como a exploração desmesurada do trabalho da mulher e do menor, elevadas jornadas de trabalho, além do crescimento
no número de acidentes de trabalho oriundo da despreocupação com o meio
ambiente laboral.
Ocorre que o modelo capitalista liberal mostrava-se incapaz de, alicerçado em pilares não-intervencionistas, solucionar a celeuma social gerada.
Foi a partir dessas diversas tensões sociais que surgiu a necessidade de sair do
modelo político liberal para se chegar ao Estado Social ou Estado Providência.
O individualismo prevalecente no Estado Liberal deu lugar à solidariedade do Estado Social, não pela benevolência dos detentores de poder, mas
pela necessidade de sobrevivência do próprio capitalismo.
Sobre o tema, sábias são as palavras de Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione G. Correia
11
, ao dizerem que “o Direito Social e o seu consequente
Estado Social são produtos do modelo capitalista de produção. Significam,
entretanto, um modo do capitalismo tentar demonstrar-se viável como elemento
regulador dos padrões de conduta da humanidade”.
Assim, várias iniciativas foram sendo adotadas, em especial na Europa, com vistas a solver as problemáticas geradas pelo modelo capitalista de
produção, mormente no que concerne às relações de trabalho.
Com efeito, em 1889, o governo suíço propôs a realização de uma
conferência para fixar bases de um acordo sobre o trabalho nas fábricas. Já em
1891, quatorze países reuniram-se em Berlim na primeira conferência internacional para estudo da questão operária. Em 1900, realizou-se, em Paris, um
congresso internacional para a proteção legal dos trabalhadores. Em 1902, um
novo congresso em Colônia reconheceu a necessidade de intervenção legislativa para proibição do trabalho noturno das mulheres e vedação à utilização de 54 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
fósforo nas fábricas. Mais uma vez por iniciativa do governo suíço, outras
duas conferências diplomáticas sobre a questão trabalhista foram realizadas
em 1905 e 1906. Novos congressos também foram efetivados nos anos de
1908, 1910 e 1912
12
.
Sobrevindo a primeira guerra mundial, as reuniões foram suspensas.
Contudo, em 1919, com a instalação da conferência de paz, no palácio de
Versailles em Paris, fora designada uma comissão de legislação internacional
do trabalho, a qual, após várias sessões, concluiu o projeto que culminou na
criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como componente
da antiga Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII
do Tratado de Versailles
13
.
Como se vê, a OIT foi criada num momento histórico de afirmação
do Estado Social, sendo este verdadeira opção de manutenção do modelo
econômico capitalista então prevalente, que já começava a sofrer abalos com
o advento do contraponto socialista.
Com a deflagração da segunda guerra mundial (1939-1945), as atividades da OIT permaneceram praticamente paralisadas. Porém, o pós-guerra
trouxe consigo a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, que, em
acordo firmado no ano de 1946, reconheceu a OIT como organismo especializado voltado à proteção dos direitos do trabalhador
14
.
Em 1946, fora discutida e elaborada uma nova constituição da Organização Internacional do Trabalho, em substitutivo àquela adotada em 1919 (ano
de criação do Organismo). O novel instrumento, vigente a partir de 1948, foi
ratificado pelo Brasil ainda na década de 40, conforme Decreto de Promulgação
nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.
De acordo com o artigo 2º da Constituição da OIT
15
, a organização
compreenderá:
a) uma Conferência geral constituída pelos Representantes
dos Estados-Membros;
b) um Conselho de Administração; e
c) uma Repartição Internacional do Trabalho sob a direção
de um Conselho de Administração.
A Conferência geral, por sua vez, será composta de quatro representantes de cada um dos Membros, dos quais dois serão Delegados do Governo e
os outros dois representarão, respectivamente, os empregados e empregadores
(Art. 3º da Constituição da OIT), o que revela a feição paritária do Organismo.
Em relação aos objetivos da Organização Internacional do Trabalho,
o artigo 1º de sua Constituição assinala que o organismo está encarregado de
promover a realização do programa exposto no respectivo preâmbulo, cujo
texto, por sua vez, é expresso em considerar que a paz, para ser universal e
duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 55
Aludido preâmbulo destaca, ademais, existirem condições de trabalho
que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o
descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais,
considerando ser urgente a melhora de tais condições.
Outrossim, o anexo da Constituição da OIT, trazendo declaração relativa a seus fins e objetivos – nos moldes como traçados pela sua Conferência
Geral – aduz, no item II, que:
a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou
sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e
o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da
dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas
possibilidades;
b) a realização de condições que permitam o exercício de
tal direito deve constituir o principal objetivo de qualquer
política nacional ou internacional;
c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou
internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e
somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem,
a realização desse objetivo principal;
d) compete à Organização Internacional do Trabalho
apreciar, no domínio internacional, tendo em vista tal
objetivo, todos os programas de ação e medidas de caráter
econômico e financeiro;
e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a
Organização Internacional do Trabalho tem capacidade
para incluir em suas decisões e recomendações quaisquer
disposições que julgar convenientes, após levar em conta
todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.
Note-se que não apenas os fatos sociais que envolveram sua criação
e desenvolvimento, mas as próprias finalidades institucionais da OIT deixam
clara sua preocupação com a garantia dos direitos humanos do trabalhador.
Nesse sentido, obtempera Arnaldo Süssekind
16
:
Se, antes da reforma constitucional de 1946, a OIT se
dedicava, quase que exclusivamente, à regulamentação
das condições de trabalho e das prestações de seguro
social, a partir da Conferência de São Francisco, como
reflexo da nova filosofia consagrada, passou a adotar
instrumentos relativos aos direitos humanos fundamentais do trabalhador [...].56 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Sobressai evidente que a OIT, pelo próprio momento histórico que
marcou sua criação e à vista de seus fins e objetivos institucionais, cuida-se
de organismo internacional voltado ao resguardo de direitos sociais, os quais
integram o rol de direitos humanos, notadamente porque pautados pela prevalência da dignidade da pessoa humana.
Com efeito, os instrumentos normativos confeccionados no âmbito
da OIT, em especial suas convenções, retratam disciplinamentos que guardam
em si essência de verdadeiros tratados internacionais sobre direitos humanos,
assunto que será melhor analisado nas linhas que se seguem.
4 CONVENÇÕES DA OIT COMO ESPÉCIES DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
O art. 2, item I, “a”, da Convenção de Viena de 1969
17
dispõe que
“tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de
dois oumaisinstrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
O artigo 26 da mesma Convenção preleciona que “todo tratado em vigor obriga
as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé
18
”.
Flavia Piovesan
19
afirma que “os tratados internacionais, enquanto
acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes (pacta
sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito
Internacional”.
Percebe-se, portanto, que tratado internacional compreende um acordo
juridicamente vinculante consubstanciado num instrumento escrito elaborado
por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos Internacionais),
com vistas a tratar juridicamente de temas de interesse comum.
O tratado internacional deve ser fruto de um consenso entre os seus
signatários. Tal consenso é, inclusive, enaltecido pelo art. 52 da Convenção
de Viena de 1969, que diz ser “[...] nulo um tratado cuja conclusão foi obtida
pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito
Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas
20
”.
Oportuno ressaltar que a denominação dada ao instrumento internacional com natureza jurídica de tratado é não é fundamental à caracterização do
instituto, de modo que um tratado internacional pode assumir diferentes nomes
sem que isso lhe retire a essência.
Nesse sentido, Rebeca M. M. Wallace, citada por Flávia Piovesan
21
,
alude que:
O termo tratado é um termo genérico, usado para incluir
as convenções, os acordos, os protocolos e a torça de
instrumentos. O Direito Internacional não distingue os Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 57
acordos identificados como tratados, dos outros acordos.
O termo escolhido para se referir a um acordo não é em
si mesmo importante e não apresenta maior conseqüência
jurídica.
A Organização Internacional do Trabalho, na qualidade de sujeito de
Direito Internacional, possui atribuição para celebrar acordos internacionais
com natureza de tratados.
O art. 19, item 1, da Constituição da OIT
22
assinala que
[...] se a Conferência pronunciar-se pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deverá
decidir se essas propostas tomarão a forma:
a) de uma convenção internacional;
b) de uma recomendação, quando o assunto tratado, ou
um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de
uma convenção.
Existem, basicamente, dois instrumentos de Direito Internacional
celebrados no âmbito da OIT: (1) a convenção, que é um tratado internacional por excelência, impondo o compromisso do Estado-Membro signatário
submetê-la, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão
da Conferência, ao parlamento do respectivo Estado para fins de internalização; e (2) a recomendação, que não é tratado vinculativo, desafiando tão
somente o conhecimento do Estado-Membro e a obrigação de o mesmo,
também no do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência, submeter ao parlamento nacional para que se apresente projeto de
lei sobre o assunto ou tome outras medidas cabíveis (vide art. 19, itens 5 e
6 da Constituição da OIT).
Com efeito, pode-se concluir que as convenções celebradas no âmbito
da OIT, apesar de não serem literalmente denominadas tratados internacionais,
possuem referida natureza jurídica, devendo ser analisadas como tal para fins
de estabelecer direitos e obrigações entre os sujeitos de Direito Internacional
que lhes são signatários.
Como dito em tópico anterior, a OIT foi criada com a pretensão de
promover patamares sociais minimamente dignos relacionados ao exercício
do trabalho humano nos domínios dos Estados que a compõem.
Viu-se, ainda, que os aludidos Direitos Sociais relacionados ao
trabalho humano integram o rol dos direitos da pessoa humana ou direitos
humanos, na medida em que possuem como elemento nodal a consecução da
dignidade do homem.
Assim, fácil intuir que as Convenções Internacionais da OIT, que carregam conteúdo voltado à ampla proteção do trabalho humano nas suas inúmeras
acepções, devem sim receber o reconhecimento de tratados internacionais de
direitos humanos.58 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Ratifica-se, pois, que a convenções internacionais da OIT, por consagrarem “valores comuns superiores consubstanciados em última análise na
proteção do ser humano”, como acima citado, guardam em sua essência a índole
de tratados internacionais de direitos humanos.
Para demonstrar a veracidade desta compreensão, pertinente a citação
de várias convenções da OIT que trazem em seus textos matérias eminentemente
relacionadas a direitos humanos, como é o caso da convenção 29 de 1932, que
dispõe sobre a erradicação do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas
formas; da convenção 138 da OIT de 1973, que estabelece a idade mínima para
o trabalho; da convenção 182 de 1999, que elenca as piores formas de trabalho
infantil; da convenção 111 de 1958, que veda a discriminação nas relações de
trabalho, entre outras.
Necessário se faz, a seguir, analisar como as convenções da OIT, assim
entendidas como tratados internacionais de direitos humanos, assumirão posição
no Ordenamento Jurídico Nacional frente as normas internas instituídas.
5 INTERNALIZAÇÃO DAS NORMAS CONCEBIDAS PERANTE A OIT
A PARTIR DA PERSPECTIVA DE QUE COMPREENDEM TRATADOS
INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
Antes de analisarmos a questão da internalização das convenções
da OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, afiguram-se necessários alguns
esclarecimentos acerca do processo de formação e incorporação dos tratados
internacionais.
Flávia Piovesan
23
, citando João Grandino Rodas esclarece que
[...] os tratados em forma solene, também conhecidos
como em devida forma, passam pelas seguintes fases:
negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa
por parte dos Estados interessados em se tornar parte no
tratado e, finalmente, ratificação ao adesão.
No Brasil, o art. 84, VIII, da Constituição de 1988, diz que “compete
privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Por
sua vez, o art. 49, I, da Constituição dispõe que “É da competência exclusiva
do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos
ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional”.
Vê-se, com isso, que a República Federativa do Brasil exige a colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo para a internalização de um
tratado internacional em seu ordenamento.
Após internalizados, os tratados internacionais, como regra, acabam
assumindo o status jurídico de leis ordinárias, portanto normas infraconstitucionais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 59
Acontece que, em se tratando de tratados internacionais que versam
sobre direitos humanos, a questão não é tão simplista.
Isto porque, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988 é claro ao
dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Note-se que, no referido dispositivo, a Carta Maior faz expressa menção
aos tratados internacionais em que o Brasil faça parte, de modo que, possuindo tais instrumentos conteúdo humanístico, poderão integrar o rol de direitos
fundamentais constitucionalmente reconhecidos.
Sobre o tema, ensina-nos Sarlet
24
(2008, p. 90):
[...] a citada norma traduz o entendimento de que, para
além do conceito formal de Constituição (e de direitos
fundamentais), há um conceito material, no sentido de
existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição
de um Estado, mesmo não constando no catálogo. Neste
contexto, importa salientar que o rol do art. 5º, apesar de
analítico, não tem cunho taxativo.”
Não se pode olvidar que, conforme dito em tópico anterior, direito
fundamental nada mais é do que denominação atribuída a direito humano
internamente positivado no ordenamento jurídico de determinado Estado.
Assim, é certo dizer que o ordenamento nacional brasileiro reverencia
duas modalidades de direitos fundamentais: (1) aqueles que são material e formalmente fundamentais, já que insertos no texto constitucional; e (2) aqueles
que são apenas materialmente constitucionais, vez que não inseridos expressamente no texto constitucional, mas reconhecidos como tais pela cláusula aberta
insculpida no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 fez inserir o § 3º,
no já tão citado art. 5º da Constituição, o qual possui a seguinte redação:
[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
Aludido dispositivo passou a permitir a possibilidade de um tratado
internacional ratificado pelo Brasil que verse sobre direitos humanos assumir patamar de Emenda Constitucional, desde que aprovado pelo quórum
qualificado para tanto exigido, em moldes idênticos aos trazidos pelo art. 60,
§ 2º, da Lei Maior.60 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Diante destes esclarecimentos iniciais, resta enfrentar agora as questões
da internalização e hierarquia normativa das convenções da OIT, a partir da
perspectiva já elucidada de que tais instrumentos são tratados internacionais
de direitos humanos.
O enfrentamento do problema passa necessariamente pela análise no
momento de ratificação das mencionadas convenções: se antes ou depois da
Emenda Constitucional 45 de 2004.
Com efeito, para as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil posteriormente à citada Emenda, duas são as possibilidades:
A primeira delas decorre da submissão e aprovação da convenção da
OIT, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, momento em que seriam equivalentes às
emendas constitucionais, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF.
Ingo Wolfgang Sarlet (2007. p 350) sustenta pela compulsoriedade
de submissão dos tratados internacionais sobre direitos humanos ao quórum
qualificado:
Com relação a esse aspecto, parece-nos que há, sim,
pelo menos espaço para uma interpretação teleológica e
sistemática em prol da compulsoriedade do procedimento
reforçado das emendas constitucionais. [...] poder-se-á
sustentar que, a partir da promulgação da Emenda
Constitucional 45/2004 a incorporação destes tratados
deverá ocorrer pelo processo mais rigoroso das reformas
constitucionais.
Na segunda, a convenção da OIT não seria submetida ao quórum qualificado das emendas constitucionais. Neste caso, a convenção poderia assumir
dois caracteres: (1) legal e, portanto, equiparada à lei ordinária; (2) supralegal,
estando acima das leis e abaixo da Constituição.
Vale lembrar que o STF, desde o julgamento do recurso extraordinário
nº 80.04/1977, vinha compreendendo que ostratadosinternacionaisratificados
pelo Brasil, versem ou não sobre direitos humanos, assumiriam status jurídico
de lei ordinária.
Nada obstante, no ano de 2007, ao analisar o recurso extraordinário
nº 466.343 e o habeas corpus nº 90.172, o STF modificou seu posicionamento
quanto aos tratados internacionais sobre direitos humanos, passando a entender
que os mesmos gozam de status supralegal.
Por outro lado, para as convenções da OIT já ratificadas pelo Brasil
em momento anterior à Emenda Constitucional 45 de 2004, não haveria a
possibilidade de submissão das mesmas ao quórum qualificado previsto no art.
5º, § 3º, da CF, de modo que não poderiam tais instrumentos assumir caráter
formalmente constitucional, embora, para alguns
25
, possam ser materialmente
constitucionais, por integrarem o chamado “bloco de constitucionalidade”
inserto na cláusula aberta trazida no art. 5º, § 2º, da CF.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 61
Nesse sentido, sábios são os ensinamentos de Sarlet
26
(2007. p. 339):
De acordo com a interpretação mais afinada com o espírito
na norma contida no art. 5º, § 2º, da CF, vale lembrar que
a abertura material do catálogo de direitos fundamentais
abrange tanto direitos expressamente positivados em outras
partes do texto constitucional quanto sediados em tratados
internacionais, incluindo, de resto, os assim (genericamente) designados direitos implícitos, no sentido de posições
jusfundamentais não amparadas em texto constitucional
expresso (portanto, direitos não explicitados), aos quais o
constituinte se referiu ao mencionar direitos decorrentes do
regime e dos princípios da Constituição.
Restaria, apenas, a possibilidade de as convenções da OIT já ratificadas
assumirem o caráter legal, com status de lei ordinária; ou supralegais, estando
acima das leis, mas em posição inferior à constituição.
Defendemos que as convenções da OIT, com nítida índole humanística, por si já merecem status de materialmente constitucionais. Concordamos,
ainda, com a posição já citada por Sarlet no sentido da compulsoriedade na
submissão das convenções ratificadas pelo Brasil após a Emenda 45 de 2004
ao procedimento trazido pelo novel art. 5º, § 3º, da CF, passando a serem formalmente constitucionais.
Finalmente, para as convençõesjá ratificadas pelo Brasil em momento
anterior ao advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, concordamos que
tais tratados possuam, ao menos, hierarquia supralegal, conforme vem-se inclinando o STF.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
a) direitos humanos são o conjunto de normas e preceitos que
protegem o homem considerado em sua essência, tendo o
ser humano como seu titular e destinatário último, possuindo
como elemento nodal a dignidade da pessoa humana, sendo,
pois, universais e atemporais;
b) o surgimento da OIT se deu no âmago do Estado Social,
com vistas a promover patamares mínimos de proteção ao
trabalhador, sobrelevando sua dignidade;
c) os tratados internacionais são instrumentos escritos, elaborados
por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos
Internacionais), com vistas a tratar juridicamente de temas de
interesse comum. A denominação dada ao instrumento não é
relevante para sua caracterização como tratado;62 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
d) no âmbito da OIT dois são os instrumentos passíveis de serem
produzidos:
- a convenção, que é pacto vinculativo e passível de ser internalizado no âmbito dos Estados signatários,
- a recomendação, que não tem escopo vinculativo e deve ser
submetido ao parlamento dos Estados signatários para que produza norma interna sobre a matéria ou adote outras medidas
cabíveis.
e) as convenções da OIT são tratados internacionais de direitos
humanos, porque versam sobre direitos sociais;
f) a internalização das convenções da OIT no ordenamento
jurídico brasileiro, enquanto tratados internacionais de direitos
humanos, deve ser analisada em dois momentos distintos: o
primeiro se ratificadas anteriormente à Emenda Constitucional
45 de 2004 e o segundo se ratificadas após a referida Emenda;
g) se ratificadas posteriormente à Emenda Constitucional 45 de
2004, as convenções da OIT podem assumir status de emenda
constitucional, passando a integrar formalmente à Constituição,
desde que submetidas ao quórum qualificado de aprovação em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros. Podem, todavia,
assumir status de lei ordinária ou de norma supralegal;
h) se as convenções tiveram sido ratificadas anteriormente à
Emenda Constitucional não poderão, ao menos em princípio,
serem submetidas ao quórum qualificado previsto no art. 5º,
§ 3º, da CF, embora para alguns possam ter status materialmente
constitucional, com base no art. 5º, § 2º, da CF. Porém,
poderiam assumir caráter legal, equiparável a lei ordinária, ou
supralegal, acima das leis, mas abaixo da Constituição.
ciTações
1
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr,
1987, p. 119.
2
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:
LTr, 2006, p. 49.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 63
3
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:
Rideel, 2006, p. 259.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados
internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,
Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho
(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335.
5
DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 108.
6
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 334-335.
7
QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na
Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006, p. 34.
8
A menção feita a apenas três dimensões dos direitos humanos não exclui a doutrina que
admite a existência de uma quarta dimensão, tal como adotada por Paulo Bonavides,
no seu Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
9
CANÇADO, Antônio Augusto Trindade in PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o
direito constitucional internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Apresentação.
10
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004, p. 29.
11
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é
direito social – Curso de Direito do Trabalho. Marcus Orione Gonçalves Correia (org.).
Vol I. São Paulo: LTr, 2007, p. 23.
12
Dados históricos colhidos em SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. op. cit., p. 20-21.
13
SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 98-99.
14
Ibid., p. 108-111.
15
Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.
16
SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 112.
17
Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acessado em 26 de março
de 2010.
18
Idem.
19
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.
20
Idem.64 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
21
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 44.
22
Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.
23
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.
24
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual.
e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 90.
25
SARLET, Ingo Wolfgang e PIOVESAN, Flávia no Brasil e J.J. Gomes Canotilho,
na Europa.
26
op cit., p. 339.
ReFeRências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:
LTr, 2006.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na
Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados
internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,
Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho
(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é
direito social – Curso de Direito do Trabalho. GONÇALVES CORREIA, Marcus
Orione (org.). vol I. São Paulo: LTr, 2007.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1987.
TORRIERI, Deocleciano Guimarães. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:
Rideel, 2006.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 65
“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO
JUSTO AO ACRÉSCIMO DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,
CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS,
À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA”
Rodolfo PamPlona filho
Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador - BA (TRT da Quinta Região)
Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da
Universidade Salvador - UNIFACS
Professor (licenciado) do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UCSAL - Universidade Católica de Salvador
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA - Universidade Federal da Bahia
Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA
Coordenador do Curso de Especialização em
Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm - BA
Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Cadeira 58) e da
Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira 27)
Autor de diversas Obras Jurídicas
heRmano fabRício oliveiRa Guanais e QueiRoz
Formado em Magistério pelo CNMP
Monitor do Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e
Assessor do Poder Executivo do Município de Palmeiras-Bahia
Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS)
Pós-graduado em Direito latu sensu pela Escola de Magistrados da Bahia (EMAB)
Advogado da Procuradoria do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC)
Ganhador de Menção Honrosa no Prêmio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães - 2004
Autor de diversos artigos jurídicos publicados na Revista Jurídica da Editora Síntese
do Rio Grande do Sul e na Revista Jurídica Eletrônica da UNIFACS
Coautor e organizador da obra “João da Paz”
Prefaciou a obra “Encontro com a Villa Bella das Palmeiras”
publicada pelo Governo do Estado da Bahia
“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: cada um
pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis
de se satisfazerem com qualquer outra coisa não acostumam desejar
mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se
enganem: mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem
julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que 66 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual, em todos os
homens; e portanto, a diversidade de nossas opiniões não decorre de
uns serem mais razoáveis que o outro, mas somente porque conduzimos
nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas
coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo
bem. As maiores almas são capazes de maiores vícios, assim como das
maiores virtudes; e aqueles que só caminham muito lentamente podem
avançar muito mais, se bem seguirem o caminho certo, do que aqueles
que correm e deles se afastam”.
René Descartes (Discurso do Método)
RESUMO: Tomando como ponto de partida a diversidade e equivocidade na análise
hermenêutica de alguns magistrados e membros do Ministério Público, a respeito do
requisito “motivadamente”, presente no art. 57 da Lei 6.015/73, que ao rechaçarem a
possibilidade de acréscimo de sobrenome, alegando ausência de justo motivo, tendo
por fundamento, causa de pedir, a homenagem aos antepassados, acabam por ensejar
retrocesso aos avanços da Ciência do Direito, é que este artigo trata da “Homenagem
aos ascendentes como motivo justo ao acréscimo de sobrenome: uma interpretação da
expressão ‘motivadamente’, constante do art. 57 da Lei de Registros Públicos, à luz da
hermenêutica pós-positivista”, tendo-se, pois, a hermenêutica como vertente norteadora
a explicitar que a homenagem aos ascendentes constitui, sim, motivo justo a acrescer
sobrenome que integra a linhagem familiar de quem requer.
PALAVRAS-CHAVE: homenagem aos ascendentes. motivo justo. acréscimo de sobrenome. hermenêutica. lei de registros públicos.
ABSTRACT: Starting on the diversity and ambiguity in the hermeneutics analysis of
some judges and members of the public prosecutor, regarding the induced’ requirement,
provided in art. 57 of Law 6,015/73, that rejects the possibility of inclusion of a
surname, claiming the lack of due cause, based, in the cause of action, a tribute to the
ancestors, ultimately setbacks the advances of law, is that this article deals with “Honor
to the ancestors as a due cause to the inclusion of surname: an interpretation of the
term ‘induced’, in the art. 57 of the Public Records Law, in the light of hermeneutics
post-positivist “ therefore, hermeneutics as the guiding part to clarify that the tribute
to the ancestors is a good cause, in adding surname lineage that includes his family.
KEY-WORDS: tribute to the ancestors. just cause. inclusion of surname. hermeneutics.
law of public records.
SUMÁRIO: 1 Intróito; 2 A importância da hermenêutica no contexto jurídico
pós-positivista; 3 A função do nome e a relativização da sua imutabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro; 4 O art. 57 da Lei 6.015/73 e a possibilidade de
acréscimo de sobrenome: uma interpretação jurisprudencial; 5 O alcance conceitual
da expressão “motivadamente”: uma revelação hermenêutica; 6 A homenagem aos
ascendentes como motivo razoável a justificar o acréscimo de sobrenome e a equivocidade interpretativa de alguns magistrados e membros do Parquet: um retrocesso
hermenêutico?; 7 Considerações Finais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 67
1 INTRÓITO
Registra-se crescente, na ordem jurídica brasileira, a propositura de
ações de retificação em assentamento de registro civil, tendo como fundamento
o quanto estatuído no art. 57 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 2008b), a “conhecida”
Lei de Registros Públicos (LRP), que autoriza ao jurisdicionado requerer ao
Estado-juiz a alteração posterior de nome, desde que, por exceção e “motivadamente”, após a audiência do Ministério Público (MP).
Diante dessa previsão, ações são ajuizadas nas Varas de Registros
Públicos, pleiteando-se o acréscimo de qualquer um dos sobrenomes dos ascendentes ao nome do descendente que deseja lhes prestar homenagem ou até
mesmo ao seu núcleo familiar, ainda que já constante no seu os respectivos
sobrenomes identificadores dos seus progenitores, configurando-se, pois, tal
justificativa como justo motivo a embasar o acréscimo, consoante possibilita
a leitura e aplicação do art. 57 da LRP, sob as luzes da hermenêutica.
Para explicitação maior da temática proposta, este artigo discutirá, inicialmente, a importância da hermenêutica para o Direito na era pós-positivista,
destacando-se, após, a primordial função do nome e relativização da sua imutabilidade na ordem jurídica brasileira, por meio das inovadoras e avançadas
interpretações conferidas pela jurisprudência dos Tribunais pátrios, que, de
forma acertada, vem admitindo a homenagem aos ascendentes como “motivo
justo” a fundamentar o requerimento de acréscimo de sobrenome.
A seguir, será demonstrado que, por meio de elementos hermenêuticos
postos ao intérprete do Direito, notadamente aqueles relacionados à teoria
da linguagem e da argumentação, é possível extrair da expressão conceitual
“motivadamente” a justeza e a razoabilidade pelas quais se afirma a possibilidade de homenagear os ascendentes, promovendo-se a adição de mais um
dos sobrenomes dos genitores ao descendente que assim pretender. Por fim,
serão tecidas as necessárias críticas aos, data venia, equivocados posicionamentos manifestados por alguns membros do MP e magistrados brasileiros,
os quais, num retrocesso hermenêutico, reconhecem tal pedido como “mero
capricho pessoal”.
2 A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA NO CONTEXTO JURÍDICO
PÓS-POSITIVISTA
A hermenêutica é a ciência da interpretação, fixadora das condições
de potencialização das normas jurídicas, sendo, ao mesmo tempo, a reflexão, a
análise e a epistemologia da interpretação do Direito. Confere ao jurista instrumentos para a interpretação, sem, ao mesmo tempo, exercer atividade legislativa.
Sobressai o seu caráter epistemológico, sendo a interpretação a compreensão da 68 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
norma jurídica e a realidade que a ela se integra – concretização da norma
jurídica frente à realidade – e a hermenêutica, uma linguagem ideal que
traduz o Direito.
Originariamente, desde a Antiguidade, a expressão hermenêutica
possuía três significados: “dizer, explicar e traduzir”. Todos esses sentidos
pressupunham que o texto tivesse uma existência própria, que caberia ao intérprete apreender. Procurava-se, então, alcançar o que o autor do texto quis
dizer, qual a sua intenção, especialmente quando se referia à interpretação das
Sagradas Escrituras, em que se buscava a compreensão da exata vontade de
Deus, e também de obras literárias. (GADAMER, 1998)
Nos idos do século XVIII, Schleiermacher (1999) procurou desmistificar esse caráter fragmentário da hermenêutica, lançando as bases de uma
hermenêutica geral, destacando que todo indivíduo, quando se depara com
alguma obra, já leva consigo uma pré-compreensão, a do texto e do seu autor.
Afilosofia da consciência, pautada no idealismo cartesiano, encontrou na teoria
romântica de Schleirmacher uma nova concepção de hermenêutica, já de cunho
científico e universal, que privilegiava não apenas o texto escrito, mas também
toda expressão da linguagem, seja escrita ou falada, seja gestual ou simbólica.
Logo após, vários outros teóricos o sucederam, destacando-se Gadamer
(1998), o qual vem afirmar que não existe esta ideia de sentido objetivo do texto
nem do autor. Ele não estava preocupado com o método e sim com o processo
de compreensão: a partir do contato com o texto o leitor altera o seu sentido,
da mesma forma que o texto interfere no leitor. Esta interação vai formar o
círculo hermenêutico, interação recíproca entre o texto e o sujeito. Por esta
teoria, conclui-se que cada indivíduo poderia ter a sua própria norma, o que
não deixaria de ser uma ameaça à segurança jurídica.
Daí por diante, outras teorias surgiram, algumas reforçando as até
então predominantes, defendendo a necessidade de se buscar o “verdadeiro
significado da norma”, outras apontando para a importância da compreensão
zetética do Direito e não apenas dogmática. A nova hermenêutica de Gadamer
(1997) vai relevar, deste modo, a necessidade de observância do contexto para
interpretação do texto, não se podendo desvincular um do outro. Diante dessa
nova visão, não há nada mais incoerente do que a possibilidade de interpretação
baseada na busca da vontade da lei ou do legislador.
A nova hermenêutica, para livrar-se da insegurança jurídica que poderia
advir da teoria pura de Gadamer, buscou contemporizar com a teoria de Betti
(1990), a qual impunha limites a esta interpretação, de modo que o intérprete
não poderia transcender à literalidade do texto normativo.
O objeto da hermenêutica jurídica estava centrado no estudo e na sistematização de processos sobrepostos para determinar o sentido e o alcance das
expressões do Direito. A positivação das normas é realizada em termos gerais, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 69
estabelecendo regras, solidificando princípios, fixando normas, em linguagem
precisa, porém ampla, ensejadora de variadas interpretações. No escólio de
Habermas (1997, p. 297) a interpretação, tal qual as artes em geral, tem a sua
técnica, os seus meios para alcançar os fins pretendidos. Seu embasamento
adveio de princípios e regras desenvolvidos e aprimorados por meio da interpretação constante das noções vagas e imprecisas contidas na legislação. Diz-se
que “a arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma
ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia;
e a outra, especial, a Hermenêutica”.
Foram rompidos, desta maneira, os paradigmas do legislador racional,
do juízo subsuntivo, do pensamento lógico-dedutivo, da exegese e das teorias:
objetivista e subjetivista.
Neste contexto, superado historicamente o jusnaturalismo e percebendo-se
o declínio político do positivismo,surgiram vastos espaços para reflexõessobre
a interpretação como ato político, sob o respaldo da teoria da argumentação e da
função social do Direito, o pós-positivismo. Dentre seus objetivos primordiais,
sobreleva-se a necessidade de se repensar os aspectos da chamada nova hermenêutica, à luz da valorização dos princípios, desenvolvendo o esforço teórico
a fim de transformar o progresso filosófico em instrumental técnico-jurídico
aplicável aos problemas concretos, produzindo sobre eles efeitos positivos. A
expressão hermenêutica passou a significar o estudo da linguagem, baseando-se
na leitura e interpretação do homem num determinado contexto sócio-cultural,
a partir da sua historicidade e temporalidade.
A hermenêutica, concebida como uma teoria sobre a interpretação,
passa, efetivamente, a auxiliar o juiz na tarefa de bem pensar o Direito,
trazendo possibilidades para decidir democraticamente a melhor forma de
aplicar a justiça social. Daí, o que legitima uma decisão judicial é a sua
fundamentação razoável e coerente com a realidade, em sintonia com a
evolução dos tempos, dos fatos, das teorias e das necessidades do homem
como protagonista da história. E é a nova hermenêutica que conduzirá
os operadores do Direito à certeza de que a homenagem aos ascendentes
constitui, sim, motivo justo à adição de sobrenome.
3 A FUNÇÃO DO NOME E A RELATIVIZAÇÃO DA SUA IMUTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Conforme melhor doutrina, a função primária do nome em nossa
sociedade, para além mesmo do direito fundamental da pessoa humana, diz
respeito à individualização do sujeito, titular de direitos e obrigações, sendo que
o princípio geral atinente à matéria, consagrado pela Lei de Registros Públicos
vigente, estabelece a imutabilidade do nome, compreendendo este termo tanto
o prenome quanto o nome de família ou patronímico. 70 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
No que tange ao prenome, somente situações excepcionais, como são
aquelas nas quais a designação expõe o indivíduo ao ridículo social ou homonímia,
entre outras, viabilizam a retificação judicial. Sobre tal temática, destaquem-se os
registros de NERY JÚNIOR e ANDRADE NERY (2003, p. 161):
[...] 9 Imutabilidade do nome. É a regra geral: feito o registro,
não mais se poderá modificar o nome. A alteração somente
será possível por autorização judicial, em casos excepcionais
(LRP 57). Os casos mais comuns de alteração do nome são:
a) homonímia, que prejudica a identificação do sujeito,
podendo trazer-lhe prejuízos econômicos e morais;
b) exposição ao ridículo, em decorrência de nomes ou de
combinações de nomes que possam constranger a pessoa
(LRP 55 par. ún., a contrario sensu);
c) acréscimo para melhor identificação da pessoa para fins
sociais e políticos (convivente que acrescenta aos seus o
apelido do companheiro - LRP 57 § 2º; político que acrescendo ao seu nome apelido pelo qual é conhecido junto a
seus eleitores - LRP 58 par. ún.);
d) proteção de vítima ou testemunha de crime, alteração
que é autorizada quando houver fundada coação ou ameaça
decorrente da colaboração para a apuração de crime (LRP
58 par. ún.; L 9.807/99 9º § 3º).
Essa imutabilidade do nome decorre do princípio da segurança jurídica.
Não obstante, há situações em que esse princípio pode ser relativizado, como forma de se efetivar princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana. Preserva-se o nome, traço basilar da personalidade, com o fim de não
se prejudicar a terceiros e os apelidos de família. É a partir dele que a pessoa
se relaciona consigo mesma, com outros e com o mundo, constituindo-se uma
representação simbólica da pessoa humana, dando-lhe um traço distintivo e
singular perante a universalidade de pessoas. Daí porque a sua imutabilidade
pode ser flexibilizada, quando o sujeito desejar e não gerar lesão à ordem pú-
blica brasileira, ainda mais por tratar-se de acréscimo de sobrenome e não de
mudança de prenome. (SWENSSON, 2003)
O prenome é, pois, inalterável. Mas, como exceção à regra, desde que
haja justo motivo e não se prejudiquem os apelidos de família, permite-se,
ouvido o MP, a retificação do nome civil no assento do nascimento no cartório
de registro civil. As hipóteses de mudança encontram-se nos artigos 55 a 58
da Lei nº 6.015/73 (BRASIL, 2008b).
Destaque-se que o art. 56 da LRP estabelece um prazo decadencial
para a alteração imotivada do nome, quando estabelece que
[...] o interessado, no primeiro ano após ter atingido a
maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique
os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 71
Para o exercício deste direito potestativo, não exige realmente a Lei
uma motivação peculiar para a pretensão deduzida em juízo.
Todavia, esta autorizada alteração imotivada de nome, porém, deve
ser entendida modus in rebus.
Isto porque o prenome, na forma do art. 58, é imutável relativamente,
somente podendo ser alterado em estritas hipóteses legais. Da mesma forma,
nesta hipótese de alteração espontânea, devem ser mantidos os apelidos de
família, o que limita também as possibilidades de modificação do nome,
sendo mais comum a incorporação de sobrenomes maternos ou de avós,
traduções de nomes estrangeiros ou transformações de prenomes simples
em compostos ou vice-versa.
Para o ajuizamento desta ação constitutiva negativa (retificação voluntária de registro de nome), além do prazo decadencial previsto de 1 ano, soa
imprescindível que o autor comprove, através de certidões negativas extraídas
de órgãos públicos, que não há qualquer intuito fraudulento a direito de terceiros
na sua pretensão de modificação de nome.
Ao se buscar razoável interpretação da lei, em consonância com os
ditames constitucionais, atentando-se ao referido princípio da definitividade,
deve-se ter em mente que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade. E a adição de sobrenome,
sob esta ótica, não tem o condão de prejudicar a individualização da pessoa.
Conforme posicionamento jurisprudencial emanado do Tribunal de
Justiça (TJ) de Minas Gerais:
O nome civil, em regra, é imutável. Todavia, a lei admite
exceções em determinadas circunstâncias, autorizando a
alteração [...] É possível a alteração no registro de nascimento para acrescer ao nome do menor um apelido de família, embora avoengo. (BRASIL, 2008c; grifos nossos).
Já o Des. Nepomuceno Silva acrescenta:
A regra da imutabilidade do nome reveste-se de caráter
relativo, razão porque admissível sua integração pelo apelido de família paternal, que designa a linhagem da pessoa,
não se vislumbrando prejuízo a terceiros ou à ordem
pública, sendo que o acréscimo do patronímico evitará,
inclusive, a ocorrência de homonímia, já que o assento
original - bastante comum - mostra-se hábil à geração de
embaraços sócio-jurídicos. (AP 1.0372.04.007943-9/001;
Des. Nepomuceno Silva, publicação: 26.11.2004) (grifos
nossos).
Verifica-se do exame, ainda que perfunctório, das posições doutrinárias
e jurisprudenciais, que a regra da imutabilidade, especificamente o acréscimo
de sobrenome para homenagear ascendentes e preservação de linhagem, decorrente diretamente do dever de identificação, vem sendo amplamente suavizada.72 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Percebe-se, notadamente na jurisprudência, uma forte tendência no sentido de
admitir-se a alteração do registro civil mesmo quando não constatada a ocorrência
de erro cartorial, desde que motivadamente, não se prejudicando os apelidos de
família e nem se violando a ordem pública. (QUINTANILHA, 1981)
Tal posicionamento, à luz dos ensinamentos hermenêuticos, justifica-se
largamente, haja vista que, recentemente, o valor soberano do ordenamento jurí-
dico é de ser conferido à pessoa humana certa margem de liberdade na disposição
de seu sobrenome, particularizado por meio do direito personalíssimo de possuir
um nome como melhor lhe aprouver, por mais íntimo que esse pleito pareça
aos olhos de alguns representantes do Poder Judiciário e do MP. Neste sentido,
saliente-se o julgado do TJ do Rio Grande do Sul, o qual acolheu o requerimento de
mudança de nome,sob o argumento de que: “Amoderna compreensão de atributo
da personalidade cuida hoje da pessoa, superando a inflexibilidade da doutrina
reacionariamente patrimonialista que impedia a troca”. (RTJRGS 150/643)
Por fim, registra-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
(BRASIL, 2008b):
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA. PRODUÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO.
Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, o
princípio da imutabilidade do nome de família não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente, desde que presentes
a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério
Público, a alteração do patronímico, mediante sentença
judicial. No caso dos autos, atendidos os requisitos do artigo 57 c/c o parágrafo 1º do artigo 109 da Lei nº 6.015/73,
deve ser autorizada a produção de prova requerida pela
autora, quanto aos fatos que embasam o seu pedido inicial.
Recurso provido. (STJ - RESP 401138-MG - Rel. Min.
Castro Filho - DJU 12.08.2003 - p. 00219)”
Vê-se, a partir dos argumentos expostos, que a regra da imutabilidade
deve ser relativizada, como medida da mais lídima justiça.
4 O ART. 57 DA LEI 6.015/73 E A POSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO
DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL
Preambularmente, torna-se mister reiterar, neste tópico, que a hipótese
aqui defendida, a propositura de ação de retificação para acrescer sobrenome
de ascendente ao descendente, versa não sobre retificação, no sentido estritoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 73
do termo (significando emenda, correção ou conserto, do nome), mas sobre a
possibilidade de acréscimo de patronímico dos ascendentes, como forma de
homenagear-lhes diante dos fortes laços de afeto que guardam.
Esse procedimento de jurisdição graciosa, previsto na Lei nº 6.015/73
(2008b), Título II, Capítulo XIV, obedece ao rito previsto no art. 109 e ss., encontrando amparo em seus arts. 56 e 57, caput, que assim versam, respectivamente:
Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou
retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em
petição fundamentada e instruída com documentos ou com
indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o
órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo
de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido
a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique
os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa.
Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do
Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a
que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração, pela imprensa. (grifos nossos)
A jurisprudentia, vetor de onde promana a admissibilidade da inclusão de sobrenome outro, já que fruto da hermenêutica, traduz, genericamente,
um Direito elaborado com prudência “como conhecimento moral, capaz de
sopesar, diante da mutabilidade das coisas, o valor e a utilidade delas, bem
como a correção e justeza do comportamento humano.” (FERRAZ JÚNIOR,
1980, p.19-20). A prudência revela uma racionalidade própria, cuja ferramenta
pontual é a dialética, enquanto arte das contradições e caminho coerente ao
desenvolvimento da tese ora sustentada.
No caso de ajuizamento de ação de retificação, desejando qualquer
cidadão adicionar ao seu nome o sobrenome de qualquer dos seus ascendentes,
com o objetivo único de dar continuidade ao nome da família, homenageando
os seus, não há razão para não se deferir tal pleito, mesmo porque não se está
infringindo nenhuma norma legal ou princípio da ordem jurídica brasileira,
ao contrário, há uma justa homenagem em favor da família pátria que, não se
pode obscurecer, está em intensa desintegração. Como decidido pelo TJ de São
Paulo, em acórdão publicado na Revista dos Tribunais(1997, p. 72): “Alei não
proíbe a adição de sobrenome”. 74 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
Observando-se tais orientações, interessa saber, no tema ora debatido,
se o acréscimo de outro sobrenome ou apelido de família, de ascendente paterno ou materno, ao nome de seu ascendente, encontra óbice no ordenamento
jurídico brasileiro.
Embora quando da lavratura da certidão de nascimento os genitores
revelem qual o sobrenome a ser adotado pelo filho, não há razão para que se
vede a possibilidade de inclusão de outro sobrenome que, de fato, pertença
àquele, o qual, já consciente de sua posição de cidadão, portador de direitos e
obrigações, pode manifestar esse anseio, apresentando, para efeito de controle
judicial, o motivo específico do pedido.
Sobre isso, a jurisprudência vem firmando o entendimento de que
poderá se incluir ao nome oficialmente registrado o sobrenome de qualquer
dos ascendentes, visando a perpetuar o nome de sua família e manter sua tradição. Além de identificar ainda mais o postulante na sociedade, integrar sua
personalidade, individualizá-lo, um outro sobrenome melhor indicará a sua
procedência familiar, identificando a sua origem, mesmo que remota.
Cabível, nesta senda, escorreita menção ao julgado oriundo do TJ/MG,
em que o apelante objetivava alterar o seu nome para homenagear o seu avô
paterno, justificando que foi este quem, efetivamente, lhe deu o carinho, criação
e amor de avô. Com suporte nesse argumento, decidiu a ilustre julgadora:
Nada mais justo e digno. Afinal o nome permite a continuidade no mundo de uma pessoa, dando-lhe a idéia de
eternidade, já que se transfere de geração para geração.
Não há no pedido do apelante qualquer capricho, apenas
uma justa homenagem a quem lhe tratou como verdadeiro neto. Manter o sobrenome de um avô biológico, mas
ausente, ao argumento de segurança jurídica, é descurar a
aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no
campo do registro público. O nome do avô adotivo possui
um significado afetivo muito maior para o apelante do que
o do avô biológico, daí porque não vislumbro razão para
se impedir a alteração, ainda mais que não há prejuízo
para terceiros e para os apelidos de família, já que será
preservado o sobrenome paterno e materno de seu nome.
(BRASIL, 2008d)
Segue a ementa do voto supramencionado:
RETIFICAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. ADIÇÃO DE PATRONÍMICO AO NOME.
ASCENDENTE DE FAMÍLIA TRADICIONAL NA
CIDADE. HOMENAGEM. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO
AOS APELIDOS DE FAMÍLIA. VIABILIDADE. Viável
é a adição do patronímico da avó materna de tradicional Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 75
família italiana da cidade no nome da apelante dada a
excepcionalidade do caso, máxime quando comprovada
que a inclusão em nada prejudica os apelidos de família,
e o pedido foi acompanhado de certidões negativas de
distribuição de ações cíveis, criminais e protestos, as quais
atestam a idoneidade da requerente. (APELAÇÃO CÍVEL
Nº 1.0518.03.043527-6/001 - COMARCA DE POÇOS
DE CALDAS - APELANTE(S): PATRÍCIA GOMES
BASTOS - PROCESSO SEM RÉUS CADASTRADOS
- RELATOR: EX.MO SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA). (BRASIL, 2008d)
A jurisprudência dos Pretórios brasileiros, manifesta-se remansosa,
nesse mesmo diapasão, verbo ad verbum:
Sabido que o prenome é imutável, nos termos do art. 58,
caput, da Lei nº 6.015/73, não havendo, todavia, qualquer
impedimento que os nomes sejam alterados, mediante determinação judicial, mormente quando o motivo
apontado se apresenta razoável, como no caso, onde se
busca homenagear as avós. Não existe qualquer norma
jurídica que impeça essa providência, salientando-se que
o disposto no artigo 56, da lei referida, ao estabelecer que
essa alteração não pode prejudicar os apelidos de família,
não obstaculiza, obviamente, o acréscimo ou a eliminação
de certos apelidos, mormente quando a pretensão busca,
na verdade, preservar os nomes de seus ascendentes. Essa
vedação tem o sentido exatamente contrário, qual seja o de
impedir que o requerente se desvincule de sua família. O
que não é o caso da apelante. Ademais, deve ser lembrado
que, em matéria de emprego de nomes, na falta de regra
expressa a respeito da adoção dos apelidos dos pais, impera
a tradição. Inobstante (sic) os argumentos aduzidos pelo
prolator da sentença e pelos representantes do Ministério
Público, entendo que os motivos invocados são razoáveis,
podendo, assim, a pretensão ser enquadrada na excepcionalidade prevista no artigo 57, da Lei dos Registros
Públicos, sendo, assim, lícita e admissível. Quando do
julgamento da apelação cível n.º 595026196 tive a oportunidade de salientar que, pelo exame dos dispositivos
que regem a matéria, que foram acima citados, apenas o
prenome é imutável, podendo, assim, o nome ser alterado, desde que a alteração se apresente motivada. É o
caso dos autos, já que a pretensão busca homenagear os
ascendentes. E a homenagem que se pretende prestar 76 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
aos avós maternos não pode ser repelida. Retificação
que, ao contrário do entendido, não desfiguraria o nome da
autora, não dificultaria a identificação imediata da origem
dos respectivos titulares e, muito menos, não caracterizaria
ameaça concreta à segurança jurídica que o nome de cada
um proporciona à sociedade. (O TJ/RS, Des. Tael João
Selistre, Ap Cível nº 033.810, sessão de 22.05.97, na 3ª
Câmara Cível). (grifos nossos) (BRASIL, 2008e)
Por seu turno, na Ap. Cível, nº 1997.013250-6, o Des. Gaspar Rubik,
do TJ/SC, decidiu:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - PEDIDO DE
INCLUSÃO DE SEGUNDO PRENOME OU, TECNICAMENTE, DE SOBRENOME, QUE NÃO SE CONFUNDE
COM O PATRONÍMICO OU APELIDO DE FAMÍLIA-
RECURSO PROVIDO. (Data: 26/03/1998) (BRASILf)
Alguns dispositivos infraconstitucionais revelam a presença, na linguagem das normas jurídicas, de signos e expressões vagos e essa circunstância
torna a atividade de interpretação e aplicação do Direito, sobretudo na jurisprudência, bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos,
sociais e políticos de uma comunidade.
5 O ALCANCE CONCEITUAL DA EXPRESSÃO “MOTIVADAMENTE”:
UMA REVELAÇÃO HERMENÊUTICA
A grande discussão acerca da admissibilidade ou não do acréscimo de
sobrenome, objetivando a homenagem a ascendentes por descendentes, tem sua
gênese na expressão “motivadamente”, constante do art. 57 da Lei 6.015/73,
cuja interpretação atribuída em alguns julgados vem se revelando contrária aos
ditames da hermenêutica jurídica pós-positivista.
O Direito, como instrumento de comunicação que é, traz em si um
forte poder de violência simbólica, expressado por meio dos signos linguísticos
contidos nas normas jurídicas. Sob este prisma, o signo deve ser visto não como
uma unidade semântica isolada, mas como uma ideia de ligação significativa
de certos conjuntos de signos linguísticos.
Partindo de uma análise do signo linguístico “motivadamente”, fincada
na trilogia semiótica, que é subdivida em semântica, sintática e pragmática,
chega-se ao alcance conceitual de tal expressão.
No plano semântico, os termos lingüísticos são considerados em seu
aspecto referente à realidade e ao contexto em que são colocados, buscando-se Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009 77
o significado e o sentido da palavra, também por meio do dicionário, posto
que, em algumas vezes, a palavra é imprecisa, ainda mais quando integrante
da norma jurídica formulada por meio de orações e enunciados vagos.
Nesta linha, a expressão “motivadamente”, sob a luz do dicionário,
significa “expor ou explicar a razão ou motivo de; fundamentar.” (FERREIRA,
p. 1988). No entanto, a semântica da linguagem do Direito não se resume apenas
em um tecnicismo oriundo de dicionário, mas também na evolução e dinâmica
dos conceitos, materializadas na contínua elaboração de leis, as quais criam e
recriam novas terminologias, para representarem novos fatos jurídicos, objeto
de estudo da doutrina e da jurisprudência que, ininterrupta e elogiosamente,
no pleno exercício da hermenêutica, fixam diretrizes interpretativas das novas
expressões incorporadas à linguagem do Direito. Destaca Ferraz Júnior (2007,
p. 256) que: “A determinação do sentido das normas, o correto entendimento
do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de
conflitos constitui a tarefa dogmática da hermenêutica.”
Assim, norteado por uma hermenêutica coerente com a evolução do
Direito, não se pode conceber o equivocado entendimento de que o signo
“motivadamente” implicitamente signifique o sintagma “motivo justo”, como
se vem fazendo aleatoriamente. Ainda mais porque “motivo justo”, para a
hipótese de requerimento de acréscimo de sobrenome, tem sido erroneamente
interpretado como “capricho pessoal”, “mero capricho”, “ausência de motivação
séria e excepcional”. Entretanto, nesses casos, o princípio a ser aplicado é o
de que deve, em regra, ser deferida a retificação do nome quando, além de não
ser expressamente proibida por lei, melhora a situação social do interessado e
não acarreta prejuízo à ordem pública nem a terceiro.
No plano da sintática, sob os ventos da interpretação gramatical, o
vocábulo é considerado a partir do sistema no qual está inserido, observando-se
uma determinação dos múltiplos sentidos das expressões utilizadas no Direito.
Na concepção de Ferraz Júnior (1991), as questões sintáticas dizem respeito a
problemas de conexão das palavras nas sentenças: questões léxicas; e à conexão de uma expressão com outras dentro de um contexto: questões lógicas; e
à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.
A primeira questão analisada pelo aludido jurista vem afirmar que a
ordem das palavras e a forma pela qual elas estão atreladas no texto são de suma
relevância para se extrair o significado da norma. Com base nessa premissa, ao
verificar-se o texto do art. 57, nota-se que a palavra “motivadamente” está ao
lado da expressão “por exceção e”. Daí uma das causas de atribuir-se àquele
vocábulo um sentido negativo como o é este último. É a partir disso que
alguns operadores do Direito, de maneira infeliz, defendem que a expressão 78 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - jan./dez. de 2009
“motivadamente” quer significar, para a hipótese de acréscimo do sobrenome,
o sintagma “motivo justo”, que, por sua vez, estaria relacionada somente às
situações excepcionais de alteração de prenome.
Não se leva em conta, em vista dessa má interpretação, que os motivos
que impulsionam osjurisdicionados a buscarem no Judiciário a modificação, por
mínima que seja, de algo tão pessoal quanto o próprio nome, são, algumas vezes,
de foro exclusivamente íntimo, sem correspondência, portanto, a uma situação
objetiva necessariamente de dificuldade ou humilhação – a excepcionalidade
supramencionada. Apenas quem requer tal acréscimo pode mensurar o quanto
lhe afeta constar em seu nome o sobrenome daqueles que tanto contribuíram
para a sua formação como pessoa humana.
Ademais,de relaçãoàpartícula aditiva “e”,presentena locução“por exceção
e motivadamente”, segundo Vilanova (1969), sua função sintático-gramatical
tem relevância formal e, por vezes, confere ambiguidade ao texto, o que compromete a significância de outras palavras a ela conectadas.
No terceiro e último plano, dentro dos estudos da semiótica ou semiologia, tem-se a pragmática, nascida da relação firmada entre os signos e as
pessoas que deles se utilizam, a fim de que a comunicação entabulada entre os
comunicadores alcance a sua finalidade: a sua exata compreensão nos moldes
em que foi transmitida. Sob este enfoque, e voltando-se para a temática proposta, questiona-se, por exemplo, como é que o emissor e o receptor do elemento
SÚMULAS TRIBUNAL REGIONAL
SÚMULA Nº 01
SUCESSÃO TRABALHISTA – ALIENAÇÕES DE ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DECORRENTES DA EXECUÇÃO DO PROER – PROGRAMA DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO – CARACTERIZAÇÃO (REQUISITOS)
Nas alienações de estabelecimentos bancários decorrentes da execução do PROER – Programa de Apoio à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema financeiro, caracteriza-se sucessão trabalhista (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo nas hipóteses em que o bancário não tenha prestado trabalho ao sucessor, sendo, outrossim, irrelevante a tal configuração o fato de a instituição sucedida não ter sido extinta, ou seja, de estar submetida a regime de liquidação extrajudicial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 02
BANCÁRIO – CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS À DATA DA ADMISSÃO – EXEGESE DOS ARTIGOS 224 E 225 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento).
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 03
DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO DE REPOUSOS SEMANAIS – NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO – MATÉRIA DISCIPLINADA PELO ARTIGO 10 DO REGULAMENTO APROVADO PELO DECRETO Nº 27.048, de 12 DE AGOSTO DE 1949
As diferenças de remuneração de repousos semanais, decorrentes de horas extras, implicam o direito à complementação do pagamento de aviso prévio indenizado, férias, gratificação natalina e depósitos de fundo de garantia do tempo de serviço – FGTS, em razão da natureza salarial definida pelo artigo 10, caput, do regulamento aprovado pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949″.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 04
JUROS DE MORA – DEPÓSITO EM GARANTIA DO JUÍZO – EXEGESE DO ARTIGO 39, § 1º, DA LEI 8.177/91 – RESPONSABILIDADE DA PARTE EXECUTADA
Independentemente da existência de depósito em conta, à ordem do Juízo, para efeito de garantia, de modo a possibilitar o ingresso de embargos à execução e a praticar atos processuais subseqüentes, os juros de mora – que são de responsabilidade da parte executada – devem ser calculados até a data da efetiva disponibilidade do crédito ao exeqüente.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 04/2001 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/06/2001
SÚMULA Nº 05
(Cancelado pela RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 003/2003 DOE/PE: 25.02.03)
CUSTAS PROCESSUAIS – PAGAMENTO – IMPOSIÇÃO À PARTE VENCIDA EM JULGAMENTO DE AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE
Tratando-se de espécie de tributo cuja exigência depende de previsão legal, e havendo os artigos 702, inciso I, alínea “g”, e 789, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho sido revogados pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – conforme proclamado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.208-2, de que foi relator o Eminente Ministro Moreira Alves -, não há possibilidade de o magistrado trabalhista, em julgamento de ação de embargos de terceiro, condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 19/2001 – 3ª PUBL. DOE-PE: 22/12/2001
SÚMULA Nº 06
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO – FGTS – PRESCRIÇÃO
Durante a vigência do contrato de trabalho e até dois anos após a sua extinção, é trintenária a prescrição do direito de reclamar a efetivação dos depósitos do FGTS, relativamente às parcelas de natureza salarial percebidas pelo empregado.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 07
GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS
Em consonância com o disposto no artigo 457 da CLT, a gratificação percebida habitualmente em razão do exercício de função tem natureza salarial e, por conseqüência, integra a base de cálculo das horas extras prestadas.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 08
GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – QUITAÇÃO EM PARCELAS MENSAIS
Inclusão na base de cálculo para remuneração das horas extras. A parcela denominada gratificação semestral, quando paga mensalmente, possui natureza salarial, consoante diretriz traçada no artigo 457, § 1º da CLT, integrando a base de cálculo das horas extras.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT – 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 09
TAXA ASSISTENCIAL – EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS – INEXIGIBILIDADE
É nula, por afrontar o princípio da liberdade sindical, a cláusula de instrumento normativo que obriga empregados não sindicalizados ao pagamento da taxa assistencial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 10
MANDADO DE SEGURANÇA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE CRÉDITO –
Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT, bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 11
AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – COMPETÊNCIA FUNCIONAL
Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não extrapolem a sua circunscrição.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 15/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005 página 33
SÚMULA Nº 12
CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS
Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e tolerada pelo Poder Público.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2008 – 3ª PUBL. DOE/PE: 28/01/2009
SÚMULA Nº 13
EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. ÍNDICE DE REAJUSTE
Ao empregado público, que adquiriu o direito à incorporação de gratificação pelo exercício de função comissionada, em razão do princípio da estabilidade financeira, assegura-se o reajuste salarial geral, mas não a vinculação aos mesmos índices e critérios de revisão aplicados à remuneração dos cargos e funções comissionados.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2009 – 3ª PUBL. DOE/PE: 28/08/2009
SÚMULA Nº 14
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA.
A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento, após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária aplicável a espécie.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 – 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009
SÚMULA Nº 15
HORAS DE PERCURSO. SUPRESSÃO MEDIANTE NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE
É inválida a cláusula de instrumento coletivo que suprime direito à remuneração das horas de percurso (artigo 58, § 2º da CLT).
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 12/2011 – 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011
(*) Republicada por haver saído com incorreção.
SÚMULA Nº 16
URB. PAGAMENTO DE QUINQUÊNIOS. SUPRESSÃO. LEGALIDADE DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL
A supressão do pagamento de quinquênios aos empregados da Empresa de Urbanização do Recife (URB), decorrente da revogação de dispositivo de lei municipal, mediante a incorporação dos valores até então pagos como vantagem pessoal nominalmente identificável, não configura alteração contratual ilegal.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 12/2011 – 3ª divulgação no DEJT em 21/11/2011
(*) Republicada por haver saído com incorreção.
SÚMULA Nº 17
AGRAVO DE PETIÇÃO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 897, § 1º, DA CLT
A exigência da delimitação justificada dos valores impugnados (artigo 897, § 1º, da CLT) dirige-se apenas ao
executado, não se aplicando ao exequente, por ter como objetivo viabilizar a execução imediata da parte remanescente”.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT – 15/2011 – 3ª divulgação no DEJT EM 18/11/2011
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Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 1
Revista do
Tribunal Regional do Trabalho
7ª Região
Doutrina Provimentos Jurisprudência Decisões
Justiça do Trabalho
Ceará
Ano XXXII – Nº 32 – janeiro a dezembro de 2009
ISSN 1980-99132 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Revista do TRT da 7ª Região
………………………………………………
E X P E D I E N T E
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Capa, Editoração Eletrônica e Diagramação
Diretoria de Documentação – DDOC
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Gráfica do TRT 7ª Região
O Conteúdo dos artigos doutrinários publicados nesta Revista, as afirmações e os
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É permitida a reprodução total ou parcial das matérias constantes nesta revista,
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Conselho Editorial
Desembargador José Antonio Parente da Silva – Diretor da EJTRT7
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aldeoTa – FoRTaleza-ce – ceP 60.170-150
B823r Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 7ª.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.
Fortaleza: 7ª Região, Ano XXXII, nº 32 – jan./dez. 2009.
386 p.; 21cm.
Anual
ISSN 1980-9913
1. Direito _ Periódico I. CEARÁ. Tribunal Regional
do Trabalho da 7ª Região
CDD 340.05
CDU 34 (05) Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 3
DESCARTES GADELHA (Fortaleza-CE 1943)
Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas,
destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1963), “Pintores do
Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador-BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965),
“O Circo”, no Paço das Artes (São Paulo-SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países LatinoAmericanos”, na Casa do Congresso de Angostura (Caracas –Venezuela 1982). Obteve
prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza-CE 1964), no I e II Salões Nacionais
de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em
Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições,
destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro-RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo-SP 1968), Instituto Goethe (Salvador-BA 1974) e as expressivas mostras
“Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1986), “De um Alguém para
Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza-CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” – com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões,
além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio
Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no
Palácio da Abolição (Fortaleza-CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração
do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do
museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha
retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará,
sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.
Fonte: <http://www.casadoceara.org.br>
DESCARTES GADELHA, Preparando o chão, óleo sobre eucatex, 61cm x 76cm, 1982COMPOSIÇÃO DO TRT DA 7ª REGIÃO………………………………………………… 7
COMPOSIÇÃO DAS VARAS DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO ……………… 9
DOUTRINA
“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM ESTÁ NO PASSADO” – JOSÉ ANTONIO
PARENTE DA SIlvA………………………………………………………………………………………………19
“O FENÔMENO DA JUDICIAlIZAÇÃO DA POlÍTICA: TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONAlISMO” – EMMANUEl TEÓFIlO FURTADO E CARlOS HENRIqUE
DE ARAgÃO CAvAlCANTE……………………………………………………………………………………..25
“A INTERNAlIZAÇÃO DAS CONvENÇÕES DA OIT COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS” – KONRAD SARAIvA MOTA ……………………..47
“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO JUSTO AO ACRÉSCIMO
DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,
CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS, À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA” – RODOlFO PAMPlONA FIlHO E HERMANO FABRÍCIO OlIvEIRA
gUANAIS E qUEIROZ ……………………………………………………………………………………………65
“A ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA COMO MECANISMO EFETIvO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E DE ACESSO À JUSTIÇA” – CARlOS HENRIqUE
BEZERRA lEITE…………………………………………………………………………………………………..87
“A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DAS RElAÇÕES TRABAlHISTAS”
– ElBA MARINA ÁlvAREZ FONTENElE ………………………………………………………………………91
“A TEORIA DO CONglOBAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DAS ClÁUSUlAS
NEgOCIAIS COlETIvAS FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABAlHO”
– CARlOS CAvAlCANTE MElO………………………………………………………………………………107
PROVIMENTOS……………………………………………………………………………………………133
JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAIS SUPERIORES ……………………………………………………………………. 181
ACÓRDÃOS DO TRT DA 7ª REGIÃO
DESEMB. MANOEl ARÍZIO EDUARDO DE CASTRO ……………………………………. 197
DESEMB. JOSÉ RONAlD CAvAlCANTE SOARES ……………………………………….. 206
DESEMB. lAÍS MARIA ROSSAS FREIRE ………………………………………………….. 215
DESEMB. ANTONIO CARlOS CHAvES ANTERO ……………………………………….. 222
DESEMB. ANTONIO MARqUES CAvAlCANTE FIlHO………………………………….. 233
DESEMB. DUlCINA DE HOlANDA PAlHANO …………………………………………… 244
Sumário6 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
DESEMB. JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SIlvA ………………………………………….. 257
DESEMB. ClÁUDIO SOARES PIRES ……………………………………………………….. 264
JUÍZA CONvOCADA REgINA glAUCIA C. NEPOMUCENO …………………………… 279
EMENTÁRIO DO TRT DA 7ª REGIÃO…………………………………………………………….. 289
DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ………………………………………………………………………. 305
ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA …………………………………………………… 369
ÍNDICES DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAIS SUPERIORES ………………………………………………………………………. 373
ACÓRDÃOS DO TRT 7ª REgIÃO …………………………………………………………… 377
EMENTÁRIO DO TRT 7ª REgIÃO ………………………………………………………….. 381Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 7
Composição do
Tribunal Regional do Trabalho
da 7ª Região
Des. José Antonio PArente DA silvA
Presidente
Des. CláuDio soAres Pires
Vice-Presidente
Des. MAnoel Arízio eDuArDo De CAstro
Des. José ronAlD CAvAlCAnte soAres
Des. lAís MAriA rossAs Freire
Des. Antonio CArlos ChAves Antero
Des. Antonio MArques CAvAlCAnte Filho
Des. DulCinA De holAnDA PAlhAno8 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 9
Composição das
Varas do Trabalho
da 7ª Região
VARAS DO TRABALHO DE FORTALEZA – CE
Jurisdição: Fortaleza
enDereço: FóruM AutrAn nunes
Ed. Dom Helder Câmara – Av. Tristão Gonçalves, 912 – Centro
CEP 60.015-000 – Tel.: (0xx85) 3308.5900
TITULARES
1ª VARA DO TRABALHO
Juiz JuDiCAel suDário De Pinho
2ª VARA DO TRABALHO
JuízA MAriA roseli MenDes AlenCAr
3ª VARA DO TRABALHO
JuízA MAriA José Girão
4ª VARA DO TRABALHO
Juiz PAulo réGis MAChADo Botelho
5ª VARA DO TRABALHO
JuízA rossAnA rAiA Dos sAntos
6ª VARA DO TRABALHO
Juiz PlAuto CArneiro Porto
7ª VARA DO TRABALHO
Juiz JeFFerson quesADo Júnior
8ª VARA DO TRABALHO
JuízA rosA De lourDes AzeveDo BrinGel
9ª VARA DO TRABALHO
Juiz João CArlos De oliveirA uChôA
10ª VARA DO TRABALHO
Juiz eMMAnuel teóFilo FurtADo
11ª VARA DO TRABALHO
JuízA ivâniA ArAúJo Férrer
12ª VARA DO TRABALHO
Juiz Antonio teóFilo Filho
13ª VARA DO TRABALHO
JuízA reGinA GláuCiA CAvAlCAnte nePoMuCeno
14ª VARA DO TRABALHO
Juiz DurvAl CésAr De vAsConCelos MAiA10 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE BATURITÉ
JurisDição: Acarape, Aracoiaba, Aratuba, Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga,
Itatira, Mulungu, Ocara, Pacoti, Palmácia, Paramoti e Redenção.
enDereço: Rua Major Catão, 450 – Mondego
CEP 62.760-000 – BaTuRiTé-ce – Fone/Fax: (0xx85) 3347.1332
titulAr
JuízA AlDenorA MAriA De souzA siqueirA
VARA DO TRABALHO DE CAUCAIA
JurisDição: Apuiarés, Caucaia, General Sampaio, Itapagé, Itapipoca, Paracuru, Paraipaba,
Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luiz do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu,
Umirim e Uruburetama.
enDereço: Rua Contorno Sul, S/N – Planalto
CEP 61.605-490 – caucaia-ce – Fone/Fax: (0xx85) 3342.2873/2334
titulAr
Juiz FrAnCisCo tArCísio GueDes liMA verDe Júnior
VARA DO TRABALHO DE CRATEÚS
JurisDição: Ararendá, Crateús, Hidrolândia, Independência, Ipaporanga, Ipueiras,
Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Nova Russas, Parambu, Poranga, Quiterianópolis,
Santa Quitéria, Senador Catunda, Tamboril e Tauá.
enDereço: Rua Hermínio Bezerra, 1655 – Planalto
CEP 63.700-000 – cRaTeús-ce – Fone/Fax: (0xx88) 3691.2040/2473
titulAr
Juiz roBério MAiA De oliveirARevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 11
VARA DO TRABALHO DE CRATO
JurisDição: Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Crato, Farias
Brito, Jardim, Nova Olinda, Potengi, Salitre e Santana do Cariri.
enDereço: Av. Perimetral Dom Francisco, S/N
CEP 63.101-000 – Crato-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3523.2707
titulAr
Juiz Clóvis vAlençA Alves Filho
VARA DO TRABALHO DE IGUATU
Jurisdição: Acopiara, Aiuaba, Arneiroz, Baixio, Cariús, Catarina, Cedro, Icó, Iguatu,
Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Mombaça, Orós, Piquet Carneiro, Quixelô,
Saboeiro, Tarrafas, Umari e Várzea Alegre.
enDereço: Rua José de Alencar, S/N
ceP 63.500-000 – iguaTu-ce – Fone/Fax: (0xx88) 3581.1971
titulAr
Juiz FrAnCisCo GerArDo De souzA Júnior
VARA DO TRABALHO DE JUAZEIRO DO NORTE
JurisDição: Abaiara, Aurora, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Granjeiro, Jati,
Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Penaforte, Porteiras.
enDereço: Rua José Marrocos, S/N – Centro
ceP 63.050-240 – Juazeiro do Norte-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3512.3277
titulAr
Juiz herMAno queiroz Júnior12 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO DO NORTE
JurisDição: Alto Santo, Ererê, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro
do Norte, Morada Nova, Pereiro, Potiretama, Quixerê, Russas, São João do Jaguaribe
e Tabuleiro do Norte.
enDereço: Rua Cândido Olímpio de Freitas, 1655 – Centro
ceP 62.930-000 – Limoeiro do Norte-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405
titulAr
Juiz sinézio BernArDo De oliveirA
POSTO AVANÇADO DA VARA DO TRABALHO
DE LIMOEIRO DO NORTE – ARACATI
JurisDição: Aracati, Fortim, Icapuí, Itaiçaba, Jaguaruana e Palhano.
enDereço: Rua Cel. Alexandrino, 503 – Centro
ceP 62.800-000 – Aracati-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3423.1405
titulAr
Juiz sinézio BernArDo De oliveirA
VARA DO TRABALHO DE MARACANAÚ
JurisDição: Guaiuba, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape e Pacatuba.
enDereço: Av. Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 80 – Colônia Antônio Justa
ceP 61.900-000 – Maracanaú-CE – Fone/Fax: (0xx85) 3371.2430/2963
titulAr
Juiz CArlos AlBerto trinDADe reBonAttoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 13
VARA DO TRABALHO DE PACAJUS
JurisDição: Aquiraz, Beberibe, Cascavel, Chorozinho, Euzébio, Horizonte, Pacajus e
Pindoretama.
enDereço: Av. Vice-Prefeito Expedito Chaves Cavalcante, S/N – Cruz das Almas
CEP 62.870-000 – Pacajus-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3348.0521/0228
titulAr
Juiz José henrique AGuiAr
VARA DO TRABALHO DE QUIXADÁ
JurisDição: Banabuiú, Boa Viagem, Canindé, Caridade, Choró, Dep. Irapuan Pinheiro,
Ibaretama, Ibicuitinga, Itapiúna, Madalena, Milhã, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Solonópole.
enDereço: Rua Tenente Cravo, 775 – Campo Velho
CEP 63.900-000 – Quixadá-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3412.0599
titulAr
JuízA MAriA DA ConCeição FerreirA MAGAlhães
VARA DO TRABALHO DE SOBRAL
JurisDição: Acaraú, Alcântaras, Amontada, Barroquinha, Bela Cruz, Camocim, Cariré,
Chaval, Coreaú, Cruz, Forquilha, Granja, Groaíras, Irauçuba, Itarema, Jijoca de Jericoacoara, Marco, Martinópole, Massapê, Meruoca, Miraíma, Moraújo, Morrinhos,
Mucambo, Pacujá, Santana do Acaraú, Senador Sá, Sobral e Uruoca.
enDereço: Av. Lúcia Sabóia, 500 – Centro
CEP 62.010-830 – Sobral-CE – Fone/Fax: (0xx88) 3611.2500
titulAr
Juiz luCivAlDo Muniz FeitosA14 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
VARA DO TRABALHO DE TIANGUÁ
JurisDição: Carnaubal, Croatá, Frecheirinha, Graça, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipu,
Pires Ferreira, Reriutaba, São Benedito, Tianguá, Ubajara, Varjota e Viçosa do Ceará.
enDereço: Rua Manoel da Rocha Teixeira, S/N – Planalto
CEP 62.320-000 – Tianguá-CE – Fones: (0xx88) 3671.3129/3975
titulAr
JuízA lenA MArCílio XerezRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 15
JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS
(Ordem de Antiguidade)
Marcelo liMa Guerra
Milena Moreira de SouSa
antônio GonçalveS Pereira
JoSé Maria coelho Filho
raFael Marcílio Xerez
Sandra helena BarroS de Siqueira
ana luíza riBeiro Bezerra
FranciSco antônio da Silva Fortuna
Kelly criStina diniz Porto
GerMano Silveira de Siqueira
lúcio Flávio aPoliano riBeiro
Konrad Saraiva Mota
Maria roSa de araúJo MeStreS
roSSana talia ModeSto GoMeS SaMPaio
MateuS Miranda de MoraeS
Suyane Belchior ParaiBa de araGão
laura aníSia Moreira de SouSa Pinto
chriStianne FernandeS carvalho dióGeneS
Fernanda Monteiro liMa verde
reGiane Ferreira carvalho Silva
daniela Pinheiro GoMeS PeSSoa
eliúde doS SantoS oliveira
FaBrício auGuSto Bezerra e Silva
Glaucia Maria Gadelha MonteiroDOUTRINA18 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 19
“DIREITO À MEMÓRIA: O FUTURO TAMBÉM
ESTÁ NO PASSADO”
José Antonio Parente da Silva
Desembargador Presidente do TRT da 7ª Região
e Diretor da Escola Judicial
“O trabalho da memória é conservar estas prodigiosas coisas,
defendê-las do desgaste banalíssimo do quotidiano, ciosamente,
porque talvez não tenhamos outra melhor riqueza.”
José Saramago
Nossas ações no campo da preservação da memória institucional
reiteram um senso de compromisso para além da faina administrativa, fomentando a geração de novos círculos de estudos e pesquisas apoiados na aliança
do pensamento e da ação concreta de preservação da história e memória do
judiciário trabalhista. A proposta, em curso, de instalação de um Núcleo de
Estudos e Pesquisas, alimentado pela ação da Biblioteca Aderbal Nunes
Freire, do Memorial e animados por nossa Escola Judicial expressam nossa
afeição pela cultura, com o evidente propósito de articular programa de gestão
e impulso ao conhecimento.
Entendemos que os passos ora ensaiados além de afirmar nosso
compromisso indicam alguns procedimentos sistemáticos e definição de
objetivos permanentes em nossa faina. Entre vários se destacam o fomento
à organização e posterior digitalização de fundos e coleções documentais
garantindo sua preservação e estimulando o amplo acesso; a realização de
exposições itinerantes e elaboração de materiais educativos para estimular
os estudos sobre o judiciário trabalhista em suas conexões com a história
social do trabalho no Brasil; a promoção do adequado tratamento técnico
dos acervos documentais e bibliográficos, observando as condições de preservação e difusão das informações. É de se observar que o atual trabalho
de higienização, catalogação e descrição dos processos trabalhistas, enseja
vários desdobramentos no campo do estudo e da pesquisa, desde a ampliação
do repertório de fontes, à incorporação de fontes testemunhais apensas aos
processos, à publicação dos Inventários e edições fac-similares de documentos,
dossiês de pesquisa, exposições temáticas, suscitando também a realização
de dissertações e teses. E tudo isto com o propósito de promover amplo
acesso a estes documentos tanto ao cidadão em busca de direitos, quanto aos
pesquisadores comprometidos com a história social no Brasil.20 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Uma concepção renovada da pesquisa histórica no Brasil, articulada
aos trânsitos entre as disciplinas e em debate no campo da História Social requer um arcabouço de medidas e procedimentos no sentido da regulamentação,
da democratização do acesso, da definição de política pública de proteção,
preservação, atualização e divulgação de acervos. Afinal, “Documento recolhido e não organizado significa informação não disponibilizada, portanto,
inexistente”, como asseveram as reflexões produzidas no âmbito do Plenário
do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ.
Nossa tarefa é agora de incentivo, no âmbito da gestão documental,
à preservação e compartilhamento do patrimônio documental, em sintonia
com a defesa da memória como direito humano fundamental. No Brasil,
o direito de acesso à informação e à proteção aos documentos é ratificado
na Constituição Federal de 1988, em vários de seus Títulos. Seu artigo 216
(2007. p. 108), na seção II – DA CULTURA, preconiza:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,
por meio de inventários, registros,vigilância, tombamento
e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a
gestão da documentação governamental e as providências
para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. […]
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio
cultural serão punidos, na forma da lei.[…]
Neste ponto, ainda que longo, reproduzo a pertinente formulação
de (RANSOLIN; DECKER; OLIVEIRA, 2008, p. 128) em seus estudos
sobre gestão documental do Memorial da Justiça do Trabalho da 4ª Região:Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 21
A Constituição Federal elenca como um dos pilares fundamentais da democracia o direito de acesso à informação
(art. 5º, XIV), já que a democracia é o regime do poder
visível, pois não tolera o poder que oculta ou o poder que
se oculta. E de nada adianta garantir o direito de acesso
à informação, se esta não é preservada, ou ainda, se
preservada, não está disponível ou em condições de ser
acessada, por não estar organizada de modo a possibilitar a
sua localização e a sua recuperação. O constituinte estava
atento a essas questões e não as deixou sem resposta, a fim
de que o direito de acesso à informação pudesse efetivamente ser concretizado no dia-a-dia dos cidadãos. Assim
é que elevou os documentos (onde as informações estão
contidas) à categoria de patrimônio cultural brasileiro
ao lado de outros bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência a identidade, a ação, a memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, determinando
ao Poder Público a sua promoção e proteção. Tamanha
a importância do direito de acesso à informação para o
regime democrático que o constituinte não parou por aí,
tendo se preocupado em especificar a forma pela qual
a proteção ao patrimônio documental brasileiro deveria
ser realizada. Determinou, então, caber à administração
pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a
quantos dela necessitarem.
Em sintonia com os preceitos constitucionais de 1988, é consabido
que a preservação dos documentos públicos é um direito dos cidadãos tanto
para a produção da prova quanto para a proteção da memória coletiva. Em
nosso caso, a discussão e os procedimentos adotados devem acontecer no
âmbito inclusive da nova redação que a Emenda 45 trouxe ao Artigo 114 da
Constituição Federal, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, o que
implica na observação de novos prazos prescricionais. Neste plano, atentese ainda aos pressupostos da Lei Federal 8.159 de 08 de janeiro de 1991 e à
Resolução 14 do CONARQ.
No judiciário trabalhista a discussão vigente sobre a preservação de
documentos como prova e como patrimônio histórico entende que já
não se trata simplesmente de uma atividade relacionada à
guarda e organização de “papel velho”, de processos sem
nenhuma utilidade. Estamos a pensar a responsabilidade
nossa, enquanto dever e não faculdade, de preservar,
do acautelamento quanto à guarda de nossos processos,
porquanto esses contam e recontam nossa história, na
apropriada formulação de Anita Lübbe, (2007) juíza titular
da Vara do Trabalho de Guaíba-RS. 22 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Sabe-se que o acesso aos documentos, demanda um trabalho continuado de nossa parte em articulação com as Universidades e Centros de
pesquisa e memória. Quanto maior a articulação entre os agentes públicos,
pesquisadores e cidadãos comprometidos com o direito à memória, o acesso aos
documentos públicos será uma prioridade e um garante ao pleno do exercício
da democracia.
No mundo contemporâneo, em torno de 57 países adotam uma regulamentação apropriada cujo lastro fundamental é o direito à informação
em suas palavras chave: liberdade de expressão e comunicação. Ressalte-se
que, pelo menos desde o meado da década de 1960 do século XX, a noção
do direito à informação torna-se corrente no campo ampliado dos direitos
fundamentais. O que antes era privilégio, agora é direito. Dito de outra forma,
devemos trabalhar de modo que a memória coletiva sirva para a libertação
e não para a servidão dos homens, como sublinha a máxima de Jacques Le
Goff, que em epígrafe abre o capítulo do Memorial do TRT 7ª Região.
Essa breve introdução, pretende apenas ser um fio condutor para pensarmos e revisarmos antigos e sempre novos problemas relacionados entre si.
Proponho aqui uma reflexão sobre os termos da História e Memória enquanto
ferramenta possível de construção da cidadania. Um convite à reflexão, apoiado
na palavra de um historiador social de larga experiência na pesquisa em arquivos
do judiciário brasileiro, (CHALHOUB, 2008, p. 45):
A preservação é uma coisa que fazemos para o futuro, é
pensar grande, é pensar com generosidade e pensar na
importância de que se tenha a possibilidade de conhecer
histórias como essas, das Ações de Liberdade, para sempre,
se possível. Por que é isso que nos dá uma dimensão mais
clara, mais humana sobre as diversas configurações de uma
Nação, ou um grupo social. Vivemos em uma sociedade
que é extremamente injusta coerentemente injusta, durante
muitos séculos. Acredito que a única maneira de transformar realmente uma sociedade como essa depende de uma
democratização efetiva, e esta depende de certo direito
à memória, o direito ao passado, o direito das pessoas
conhecerem o sofrimento que essa sociedade impingiu a
si própria durante séculos. Porque nada vai mudar aqui se
não houver uma mudança de atitude geral. Essa mudança
de atitude só é possível com o conhecimento da História,
das diversas histórias. Esse acervo que a Justiça do Trabalho tem hoje em dia será, daqui a dois séculos, tão ou
mais valioso para as gerações futuras quanto o material
do século XIX que, por acaso, sobreviveu.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 23
Hoje, ao afirmar nossos compromissos, apoiados nas políticas pú-
blicas de acesso à informação, convidamos ao compartilhamento de ações
que visem à ampliação do mapa do conhecimento histórico no âmbito do
judiciário trabalhista. O TRT7 busca se construir como um lugar de história
e memória. Este o desafio, no Ano 10 do Memorial do TRT7.
Assim sendo, como suporte e incentivo às ações do Memorial, da
Biblioteca Aderbal Nunes Freire e em diálogo com a Escola Judicial se instala
no TRT 7ª Região um Núcleo de Estudos e Pesquisas da história e memória da
Justiça do Trabalho no Ceará. A idéia básica é constituir um espaço de fomento
ao estudo sistemático e à pesquisa, a partir das fontes históricas reunidas no
Memorial e Biblioteca – processos trabalhistas, carteiras de trabalho, fontes
iconográficas, impressas e objetos datados da década de 1920 e seguintes.
Nessa perspectiva de reconstituição e organização de fontes históricas, do estímulo à produção de novos saberes, o Núcleo de Estudos e
Pesquisas do TRT 7ª Região, esforço compartilhado da Biblioteca, do Memorial e de nossa Escola Judicial, se desenha como lugar de contribuição
à história social no Ceará.
referências
CHALOUB, Sidney. Ações Cíveis Envolvendo Escravos no século XIX. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, 2., 2008,
Campinas, SP. Anais … São Paulo, LTr, 2008. p. 45
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da
Editora Revista dos Tribunais. 12. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007. p. 108.
MEMÓRIA e preservação de documentos: direitos do cidadão. Coordenado por Magda
Barros Biavaschi, Anita Lübbe e Maria Guilhermina Miranda. São Paulo: Ltr, 2007.
RANSOLIN, Antonio Francisco; DECKER, Elton Luiz; OLIVEIRA, Walter. Memorial
da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: pesquisa, divulgação e preservação
do acervo histórico. In: ENCONTRO NACIONAL DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO, 2., 2008, Campinas, SP. Anais … São Paulo, LTr, 2008.
SCHELLENBERG, T. R. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. 6. ed. Rio de
Janeiro: FGV, 2006.24 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 25
“O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:
TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E
CONSTITUCIONALISMO”
Emmanuel Teófilo Furtado
Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca – Espanha
Professor visitante da Universidade de Havre – França
Professor de Direito da Universidade Federal do Ceará
Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza
Carlos Henrique de Aragão Cavalcante
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará
RESUMO: Este artigo tem como objetivo estudar o fenômeno da judicialização da
política. A judicialização pode ser compreendida como a utilização do Poder Judiciário
como instância decisória de questões políticas. Em primeiro momento, analisaremos a
transformação que a idéia de abstração e generalidade da lei, típicas de uma concepção
liberal, vem sofrendo diante da complexidade da sociedade contemporânea e sua face
multicultural. A atividade legislativa, caracterizada pela multiplicidade de interesses a
serem organizados, chega a consensos pela utilização de expressões abertas, conceitos
jurídicos indeterminados e dos legal standards.Juntamente com a “inflação legislativa”,
estas expressões de textura aberta corroboram para uma maior discricionariedade
judicial. O papel a ser desempenhado pelo judiciário na concretização dos programas
constitucionais, frente a inefetividade das instituições majoritárias, pode ser visualizado
como uma tensão entre o constitucionalismo, entendido como uma técnica de limitação
do poder estatal e como um conjunto de procedimentos para o jogo democrático, e
a democracia, entendida como fonte de legitimidade do exercício do poder político
por meio das decisões majoritárias. Por fim, estudaremos como a nova Hermenêutica
Constitucional contribui para uma atividade judicial mais ampla, pela idéia de normatividade dos princípios, quando se cogita de uma criatividade na atuação do judiciário.
THE JUDICIALIZATION PHENOMENA OF POLITICS: TENSION BETWEEN
DEMOCRACY AND CONSTITUCIONALISM.
This article aims to study the phenomena of the judicialization of politics. This can
be understood as the utilization of the judicial power as a derisory sphere of politic
issues. In the first instance, examine the transformation of the idea of abstraction and
generality of the law, typical of a liberal concept, has undergone by the complexity of
contemporary society and its multicultural face. The legislative activity, characterized
by the multiplicity of interests to be organized, the consensus reached by the use of open 26 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
terms, uncertain legal concepts and the legal standards. Together with the ‘legislative
inflation’, these expressions of open texture support for greater judicial discretionarily.
The mission to be developed by the judiciary power at the constitutional programs
concretization, against the ineffective of the majority institutions, can be visualized
as a tension between the constitutionalism, understood as a limitation of the estate
power technique and as collaborative procedures for the democratic match, and the
democracy, understood as legitimacy of political power source by means of majority
decisions. Finally, we will study how the new constitutional hermeneutics contribute
for a more wide judicial activity, by the normative force idea of the principles, when
considering creativity on the judiciary actuation.
KEY-WORDS: Judicialization. democracy. power judiciary.
1 INTRODUÇÃO
Em uma sociedade complexa pós-industrial, o esquema rígido de tripartição das funções estatais apresenta-se como um modelo controverso, dada a
real função que o Poder Judiciário é chamado a desempenhar nas democracias
contemporâneas. Estaria o Judiciário legitimado a tomar decisões políticas,
com o intuito de garantir direitos fundamentais? Decisões com acentuado teor
político devem ser reservadas às esferas tradicionais das decisões majoritárias?
Atualmente, o Poder Judiciário se vê envolvido por questões deste tipo.
Nas palavras de Luis Roberto Barroso:
Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos
foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário.
Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da
magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar
um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o
Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação
substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões
complexas acerca da extensão de seus poderes
1
.
O presente artigo tem o objetivo de analisar estas questões e seus desdobramentos.
2 FUNÇÃO JURISDICIONAL E VAGUEZA LEGAL
Afunção jurisdicional, atividade de pacificação social exercida pelo Poder
Judiciário, que substitui as partes envolvidas no conflito para solucioná-lo, é umRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 27
alicerce sobre o qual se ergue o Estado Democrático de Direito. Este Estado é
estruturado por um corpo normativo que possui qualidades de um sistema coerente e racional. Apesar disto, na praxe social, muitas vezes surgem ameaças e
agressões a direitos garantidos pelo ordenamento jurídico. É neste espaço que,
via de regra
2
, age o Poder Judiciário, recompondo a ordem antes estabelecida.
Assim, no esquema clássico da separação das funções estatais, estaria reservada ao Poder Judiciário a função de, em outras palavras, aplicar a lei ao caso
concreto, fazendo valer a prescrição da conduta que tinha sido prevista em lei.
A lei é identificada como uma norma genérica e abstrata que visa regular, de
forma universal, todos os casos nela previstos, por meio da subsunção legal.
Luis Roberto Barroso afirma:
O conhecimento jurídico tradicional, que se abebera nas
fontes romanas e tem como pontos culminantes a produção
científica de Savigny, no século passado, e de Hans Kelsen,
neste século, exibe como traços marcantes o formalismo e
o dogmatismo. O elemento básico na idéia de formalismo
é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolve
por via de um processo dedutivo, onde se colhe a norma
no ordenamento e faz-se a subsunção dos fatos relevantes
3
.
A codificação do Direito realizada pelas revoluções burguesas simboliza o auge da força política do poder legislativo, e tem como consequência
uma atuação judicial estreita exclusivamente aos limites da lei. A hermenêutica
mecânica, reduzindo a experiência jurídica à esfera normativa, fazia do magistrado um mero aplicador da lei. Esta posição hermenêutica era corroborada
pela estrutura de autoprodução do Direito, visto não como fato social, mas
apenas como um conjunto de normas positivadas “sob a forma de um aparato
conceitual depurado”
4
. Sói perceber que à atividade judicial não eram autorizadas as avaliações políticas
5
. Os códigos, portanto, tornavam-se impermeáveis
a qualquer tentativa de integração às transformações econômicas e sociais
6
.
A conceituação da jurisdição como função dirigida a fazer valer a vontade concreta da lei está ligada à idéia de lei como norma genérica e abstrata, à
nítida separação entre criação e aplicação do direito, e à idéia de diferenciação
entre aplicação e interpretação do direito.
Sobre a idéia de lei genérica e abstrata, Luis Guilherme Marinoni
afirma:
A idéia de lei genérica e abstrata, fundada pelo Estado
legislativo, supunha uma sociedade homogênea, composta por homens “livres e iguais” e dotados das mesmas28 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
necessidades. É claro que essa pretensão foi rapidamente
negada pela dimensão concreta da vida em sociedade,
inexoravelmente formada por pessoas e classes sociais
diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas
7
.
A passagem do Estado Liberal clássico para o Estado Social, representa
a mudança de orientação de uma atividade estatal que buscava a justiça formal
para um Estado que intenta alcançar uma justiça material.
Picardi afirma:
É sabido que, com a passagem do Estado liberal clássico
ao Estado social de direito, as tarefas dos magistrados
e dos aparelhos administrativos se multiplicaram. Mas
a ampliação desses aparelhos determinou, para além e
contra as intenções, um incremento dos poderes do juiz
8
.
Paulo Bonavides, sobre a transformação do paradigma do Estado Liberal
em Estado Social, esclarece:
O velho liberalismo, na estreiteza de sua formação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem
econômica das vastas camadas proletárias da sociedade,
e por isso entrou irremediavelmente em crise.
A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.Não dava nenhuma solução às contradições sociais,
mormente daqueles que se achavam à margem da vida,
desapossados de quase todos os bens
9
.
Ainda sobre a mudança do modelo de Estado liberal para Estado social,
Werneck et al, afirmam:
Dessas múltiplas mutações, a um tempo institucionais e
sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os poderes, como também a conformação
de um cenário para a ação social substitutiva à dos partidos
e a das instituições políticas propriamente ditas, no qual o
Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolu-
ção de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social
e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante
na pauta da facilitação do acesso à Justiça
10
.
O Estado, recebendo uma nova agenda política, necessita instrumentalizar suas ações de intervenção na sociedade para alcançar a igualdade material.
Neste sentido, o juiz assume papel social de distribuição da justiça material,
ampliando seu âmbito tradicional de atuação
11
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 29
O fenômeno do aumento das intervenções judiciais ocasionado pelo
surgimento do paradigma do Estado social é acelerado “pela patologia de uma
legislação oscilante entre a inflação emalgunssetores e a inatividade emoutros”
12
.
E ainda: com a velocidade dastransformaçõessociais numa época de “transnacionalização dos mercados de insumos, capitais, finanças e consumo”
13
o legislador
é levado cada vez mais a adotar técnicas legislativas flexíveis e elásticas.
Frente a este quadro, Marinoni afirma:
É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo
clássico – deixam de existir. A vontade legislativa, passa a
ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas
forças de pressão. A respeito, afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por
variáveis coalizões legislativas de interesse
14
.
Neste sentido Perelman afirma que os membros de um Parlamento,
possuindo pontos de vista dissonantes sobre as matérias a serem votadas,
“se esforçam em conciliar mediante compromissos, frequentemente obtidos
mediante fórmulas vagas, que permitem, por isso mesmo, interpretações
divergentes”
15
. Deste modo, o legislador faz uso dos conceitos-válvula, dos
legal standards, das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados.
Embora as distinções entre estas modalidades de abertura no corpo legislativo
sejam muito sutis e não tão claras, importa perceber que todas são técnicas
legislativas que transferem ao juiz decisões que o legislador não quis ou não
pode fazer. Todos esses elementos corroboram para a atividade integrativa do
judiciário, que necessita interpretar conceitos com textura aberta para prestar
a tutela jurisdicional.
A superação das técnicas clássicas de interpretação da lei pela visão da
Nova Hermenêutica Constitucional
16
, estruturada pela idéia de normatividade
dos princípios, torna favorável o ambiente acima descrito para o que se tem
chamado de juridificação
17
(judicialização ou juridicização) da política.
3 JUDICIALIZAÇÃO E ASPECTOS PROCESSUAIS
O aumento relativamente desordenado da legislação ocasiona aquilo
que Nicola Picardi chamou de “época da decodificação”, contexto histórico
no qual a idéia do Direito como um sistema jurídico vai, paulatinamente,
sendo desgastada, por conta de alterações casuísticas, que agridem a sistemá-
tica tanto da legislação material, quanto da legislação processual (chamada 30 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
por Picardi de “códigos de rito”)
18
. Estas modificações casuísticas fornecem
a idéia de ‘inflação legislativa’, que é a multiplicação das leis, e também pode
ser compreendida como sua desvalorização.
Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o número de matérias, atividades e comportamentos regulados por textos legais, essa desenfreada produção
legislativa culmina, assim, na ruptura da organicidade,
da unidade lógico formal e da racionalidade sistêmica
do ordenamento jurídico e, por conseqüência, na perda
da própria capacidade de predeterminação das decisões
concretas por meio do direito positivo
19
.
Assim, a pluralidade de leis pode ocasionar, na prática, a falta de efetividade das normas jurídicas. Já a inatividade do legislador abre espaços que
tendem a ser supridos pela atuação judicial. Tanto a multiplicação desordenada,
quanto a inércia do legislador, favorecem o aumento da discricionariedade
judicial. Neste sentido, o vazio deixado pelos outros poderes é levado ao judiciário, e como este não pode eximir-se de julgar, decide questões cada vez
mais políticas, que extrapolam o modelo de lide interindividual.
O fenômeno da judicialização da política é paralelo ao da expansão
da discricionariedade judicial. Os dois têm em comum o fato de alargarem os
limites da intervenção judicial na sociedade, majorando os poderes dos juízes.
Sobre a compreensão do que venha a ser poderes do juiz, Picardi aponta
duas formas de abordar o tema:
O aumento dos poderes do juiz, a sua vez, pode ser considerado pelo menos de um duplo ponto de vista: poder
do juiz entendido como função, isto é poder de resolver
a controvérsia singular que lhe foi submetida; e poder
dos juízes, entendido como estrutura ou instituição, isto
é, poder atribuído a um complexo de órgãos (a chamada
administração da justiça), em relação à organização compreensiva da sociedade
20
.
Nicola Picardi afirma que a discricionariedade judicial também é fortalecida pela ampla utilização dos chamados “recursos aos pronunciamentos
de urgência”. Em outras palavras, a tutela cautelar e antecipatória, isto é, as
tutelas de cognição sumária tendem a ocupar um lugar de destaque em relação
às tutelas de cognição plena
21
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 31
Dando especial ênfase ao direito processual, Picardi afirma que
ao longo do século XIX, foi se concretizando a idéia de um procedimento
único. Entretanto, no século XX, uma série de procedimentos especiais foi
sendo utilizada paralelamente ao procedimento ordinário, o que fez com que
o próprio procedimento ordinário se tornasse um procedimento residual.
Picardi afirma:
[…] no século XIX foi se afirmando não só a idéia de uma
jurisdição tendencialmente única para a solução de todas as
controvérsias, mas também uma vinculada a um tipo único
de processo: o processo ordinário, regulado pelo código
de rito […] No século XX, em contrapartida, uma série de
procedimentos especiais foi progressivamente sendo posta
ao lado do ordinário, terminando por afastar o papel central
desempenhado por este último […]
22
.
Picardi identifica nesta multiplicidade de normas processuais e de ritos
diferentes o aumento da possibilidade de solução dos conflitos, contribuindo
assim para uma maior discricionariedade judicial.
Até mesmo no direito civil, ramo do Direito de interpretação tradicional
23
, vê-se uma mudança, que aponta para uma abertura em relação a uma
ampliação da discricionariedade judicial, quando no Código Civil de 2002 foram
inseridas as cláusulas gerais
24
e a função social do contrato. Há uma abertura
para uma atividade judicial de ponderação, de proporcionalidade.
4 JUDICIALIZAÇÃO E TENSÃO ENTRE DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO
A judicialização, isto é, o fenômeno de submeter ao judiciário questões
de acentuado teor político, é fortemente visualizada no controle jurisdicional
de constitucionalidade
25
. Por sua vez, este controle da adequação das leis e atos
normativos à Constituição aponta para uma tensão entre democracia e constitucionalismo. A democracia compreendida como decisão política majoritária,
e o constitucionalismo como uma técnica de limitação do poder estatal e de
guarda de direitos fundamentais.
A relação entre democracia e constitucionalismo é vista, por Hans
Kelsen, sob a perspectiva abaixo:
De fato, a existência de uma maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por conseqüência,
o direito da maioria pressupõe o direito a existência de 32 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
uma minoria. Disto resulta não tanto a necessidade, mas
principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra
a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial
dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos
por todas as modernas constituições das democracias
parlamentares
26
.
À democracia interessa conhecer a fonte e o modo pelo qual é possível
o exercício do poder político que se origina nas decisões da maioria
27
. Sabe-se,
entretanto, que a absolutização destas decisões majoritárias poderia levar a uma
agressão dos interesses de uma minoria. O constitucionalismo, delimitando o
campo de irradiação das decisões majoritárias, por excluir destes processos
decisórios um grupo de direitos inalienáveis, e por traçar as linhas mestras
dos procedimentos democráticos, torna-se uma concepção política que, neste
sentido, é um limite ao exercício absoluto da decisão da maioria.
O controle jurisdicional de constitucionalidade traz consigo a polêmica
do deslocamento das esferas de decisões políticas do parlamento e do executivo para o judiciário. Estaria o Poder Judiciário democraticamente legitimado
para rever os atos dos representantes do povo? E por outro lado: estariam os
representantes do povo legitimados constitucionalmente a decidirem fora dos
parâmetros das regras do jogo democrático?
Existem duas vertentes que buscam posicionar o papel a ser desempenhado pelo Judiciário neste contexto: a vertente procedimental e a vertente
substancial.
A vertente procedimental insere o Judiciário como agente institucional
que deve garantir as regras do processo democrático. Entende que o Judiciário
não está habilitado a tomar decisões substanciais em uma democracia, já que
a legitimidade da escolha das políticas públicas e da condução do Estado é
própria dos representantes eleitos do povo. Assim, para que a autonomia dos
cidadãos seja exercida, a participação do Judiciário deve resguardar-se a controlar e fiscalizar o processo democrático e a reequilibrar possíveis distorções.
E mais importante: deve-se construir canais de comunicação que permitam a
real participação dos atores sociais nas decisões democráticas.
Habermas ensina que, atualmente, o direito já não pode mais buscar
em bases argumentativas metafísicas a sua legitimidade, afirmando a superação das doutrinas metafísicas por uma doutrina democrática. Habermas
leciona: “Alegitimidade do direito positivo não deriva mais de um direito moral
superior: porém ele pode conseguí-la através de um processo de formação da
opinião e da vontade, que se presume racional”
28
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 33
Neste sentido, a justiça política está intimamente ligada às possibilidades reais do debate democrático, e o espaço público é meio necessário para
que as potencialidades lingüísticas possam ser desenvolvidas pelos cidadãos.
A importância deste locus democrático é tamanha que Ferry afirma: “[…] em
ultima análise, a justiça dependeria de uma liberdade de comunicação consistente, para que todo cidadão pudesse inscrever um tema de discussão pública
na ordem do dia da agenda política”
29
. A vertente procedimental compreende
que quando o Judiciário se abre para acolher e julgar demandas políticas, ele
colabora para uma idéia equivocada de cidadania. Pois, ao invés do cidadão
buscar resposta em meio às manifestações sociais, ele cria uma relação individualista de dependência com o Judiciário.
Para esta vertente, o espaço público é mais adequado para dar vazão
às demandas sociais. É bastante oportuna a afirmação feita por Ferry:
A idéia que se liga à persona latina, como também a seu
equivalente grego prosopon, é antes de tudo uma idéia
segundo a qual a personalidade se revela na luz pública.
[…] O público é o lugar privilegiado de expressão e de
revelação das características humanas, razão pela qual o
espaço público não é apenas um espaço dramatúrgico de
manifestação, mas é também um espaço ético de reconhecimento
30
.
A segunda vertente é chamada de substancial, por entender que o
Judiciário deve assumir postura ativa na defesa dos direitos fundamentais e
dos princípios constitucionais. Sendo pró-ativo na defesa dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, o Judiciário garante a inserção de minorias que não alcançam sucesso no processo
de representação eleitoral.
Nesta perspectiva, a Constituição traz um ideal de justiça a ser concretizado no tempo. A Constituição é compreendida como um processo político a
ser realizado. O Judiciário concorreria, portanto, para a implementação deste
ideal de justiça. A atuação do Judiciário em questões políticas não agrediria a
democracia, ao contrário, quando o Judiciário leva em consideração em suas
decisões princípios políticos maiores, inscritos no texto constitucional, ele
contribui para uma elevação do debate democrático, resguardando-o de meras
circunstâncias das decisões da maioria.
Dworkin, como representante desta vertente que preconiza uma atuação
judicial substancial, e não meramente procedimental, vê na defesa dos direitos
individuais a melhor justificação para uma atividade judicial nestes termos. A
idéia é que o Judiciário aja na defesa dos direitos individuais frente às deliberações majoritárias, quando estas sejam consideradas agressivas à igualdade
e à liberdade. Os juízes estariam autorizados a garantir direitos individuais, já
que estes impõem limites as decisões da maioria. 34 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Dworkin, entretanto, não afirma que o Judiciário deve imiscuir-se
quando a questão diga respeito a objetivos coletivos ou políticas públicas. No
fundo, as decisões judiciais neste contexto não são fundamentadas por meros
argumentos políticos, mas por princípios.
Dworkin afirma: “O Tribunal deve tomar decisões de princípio, não
de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema
constitucional, não decisões como se promove melhor o bem estar geral”
31
.
4.1 Judicialização e Jurisdição Constitucional
No Brasil, o controle jurisdicional da constitucionalidade é feito por
dois modelos: o controle difuso, onde qualquer juiz, em qualquer processo, pode
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Por ser realizado em
casos específicos, esse modelo também é conhecido como controle concreto de
constitucionalidade. Este modelo foi criado a partir da decisão do caso Marbury
versus Madison
32
, em 1803, nos Estados Unidos. O outro modelo utilizado no
Brasil é o concentrado ou abstrato, idealizado por Hans Kelsen, e aplicado pela
primeira vez na Áustria. Este último modelo entrega o controle da constitucionalidade a um órgão que concentra o exercício da jurisdição constitucional.
Vê-se que o controle concentrado, quando atribui a um órgão a competência para avaliar a adequação das leis e atos normativos à Constituição, dando
uma natureza erga omnes às decisões proferidas nestes processos, na prática,
entrega um forte poder político a esse Tribunal, fazendo dele, ao menos num
nível teórico, um verdadeiro “guardião da Constituição”
33
.
O modelo austríaco de controle jurisdicional da constitucionalidade
permite que um órgão, na maioria das vezes composto por sujeitos que não
foram eleitos democraticamente, reveja os atos do Parlamento, e até mesmo,
caso o órgão considere determinada lei inconstitucional, retire-a do ordenamento
jurídico. Com o intuito de defender a supremacia da Constituição, o órgão
competente, quando chamado a se pronunciar, pode extirpar do ordenamento
jurídico um ato legislativo que passou por todas as fases procedimentais, e que,
ao final delas, foi considerada apta pelo parlamento para produzir seus efeitos,
regulando a matéria em questão.
A ação direta de inconstitucionalidade é um instrumento bastante utilizado para realizar o controle jurisdicional da constitucionalidade. Os dados
estatísticos mostram que de 1988 até 2009 foram distribuídas 4.217 (quatro
mil duzentas e dezessete) ações diretas de inconstitucionalidade
34
.
Ernani Rodrigues de Carvalho apud Tate aponta condições políticas
para o surgimento da judicialização, quais sejam: democracia, separação dos
poderes, direitos políticos, o uso dos tribunais pelos grupos de interesses, o uso
dos tribunais pela oposição, isto é, pelos partidos de oposição, e a inefetividade
das instituições majoritárias
35
.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 35
Argumentando em relação ao uso dos tribunais pelos grupos de interesse, Carvalho afirma:
A judicialização da política é um processo que se alimenta
dos interesses econômicos e sociais centrais, que por sua
vez estruturam o sistema político. De fato, o desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral, até mesmo dos
políticos, foram mais propriamente obra de pressões e lutas
das organizações sociais, sejam elas movimentos sociais
ou grupos de interesse, do que obra de devoção de autores
altruístas. Portanto, os grupos de interesse passam a considerar e/ou utilizar a possibilidade de veto dos tribunais
na realização de seus objetivos
36
.
Os dados estatísticos disponibilizados pelo Supremo Tribunal Federal
mostram que, de 1988 até 2009, as Confederações Sindicais ou Entidades de
Classe de âmbito nacional foram autoras de 920 (novecentas e vinte) Ações
Diretas de Inconstitucionalidade
37
.
A utilização da jurisdição constitucional pelos partidos políticos é
assim explicada por Carvalho: “Os partidos de oposição, não podendo barrar
as alterações realizadas pela maioria, utilizam-se dos tribunais para frear,
obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações em curso”
38
. Os partidos
políticos impetraram, de 1988 até 2009, 752 (setecentas e cinqüenta e duas)
Ações Diretas de inconstitucionalidade
39
.
A defesa radical da Constituição pode cristalizar as aspirações polí-
ticas de uma nova geração. Assim, o reconhecimento de que a Constituição
é um amplo leque de consensos políticos e de que é um instrumento que é
construído ao longo do tempo, dá ensejo a críticas ao controle jurisdicional da
constitucionalidade como atribuição dada a um órgão pretensamente imparcial
nas disputas políticas.
Neste sentido, Gilberto Bercovici afirma:
A normatização unilateral da constituição gerou sua dessubstancialização, ignorando este seu caráter político. O
entendimento da constituição exclusivamente como norma
jurídica provocou a ampliação das questões versando sobre
interpretação e aplicação do direito constitucional, hoje no
centro do debate constitucional. A jurisdição constitucional,
assim, assumiu a pretensão de reduzir e concentrar nela
toda a problemática da teoria da constituição, abandonando
questões centrais como a da democracia
40
.
Para Bercovici, a falta de compreensão histórica e política da Constitui-
ção, como uma pretensão de eternidade, é resultado da visão do constitucionalismo liberal
41
. E completa afirmando: “O princípio legitimador da constituição
é a democracia em sua dimensão material, não apenas procedimental”
42
. 36 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Dando seguimento à crítica da concepção formal e apolítica do constitucionalismo liberal, Bercovici afirma:
A tentativa de congelar as aspirações democráticas para
salvaguardar as aquisições liberais das constituições,
segundo Palombella, gera a distorção de tornar o constitucionalismo o árbitro último de um conflito no qual é
parte. Esta prevalência do constitucionalismo retira força
da democracia. A neutralidade das constituições é ilusória
e o constitucionalismo não deve ter nenhuma primazia
ideológica que não o obrigue a ser continuamente colocado
à prova na esfera democrática
43
.
Mesmo atento para as críticas que mostram na judicialização um
fenômeno que esvazia determinadas esferas democráticas, tornando os
tribunais instâncias privilegiadas de decisão política, é necessário, no entanto, rever a condição apontada linhas atrás como uma das causas para o
desenvolvimento da judicialização: a inefetividade das instituições majoritárias. Inefetividade no sentido de “incapacidade dessas instituições de
dar provimento às demandas sociais”
44
.
Estas demandas sociais se tornam ainda mais exigíveis frente às Constituições dirigentes com suas normas programáticas
45
, especialmente porque não
há mais que se questionar acerca da juridicidade, portanto da força jurídica, que
os programas constitucionais possuem em face de todos os Poderes do Estado,
mormente o Executivo e o Legislativo.
Oscar Vilhena Vieira assim se expressa acerca das Constituições
dirigentes:
Além da organização e separação de poderes e de uma
carta de direitos civis e políticos, as constituições elaboradas neste século trazem, em geral, uma série de direitos
sociais, econômicos, culturais, e até ambientais […] As
constituições “dirigentes” além de organizar as clássicas
atribuições do Estado liberal, buscam criar condições de
realização de uma justiça substancial, que reside em tra-
çar procedimentos justos voltados a assegurar resultados
igualmente justos
46
.
A legitimidade destas Cartas Políticas reside na construção de uma sociedade permeada por uma justiça material. Assim, a atividade estatal necessita
estar embasada por esta concepção de justiça social e econômica. A construção Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 37
desta sociedade por meio de um ideal de justiça realiza-se paulatinamente, e
deve contar com a essencial participação dos Poderes Executivo e Legislativo.
Esclarecendo o tema, Vieira escreve:
Para que esses direitos possam ser efetivamente atendidos, as constituições “dirigentes” impõem ao legislador
e ao governante uma série de diretrizes e programas que
vinculam, em maior ou menor medida, a atuação desses
agentes, objetivando criar as condições materiais necessá-
rias para a efetiva fruição dos direitos expressos no texto
constitucional
47
.
E se o Executivo, na concretização das políticas públicas, não garante
direitos assegurados constitucionalmente? A ineficácia de um governo, entretanto, não pode ser considerada uma mera questão de opinião pessoal. Mas a
questão é que, nos países em desenvolvimento, a carência de políticas públicas
direcionadas a garantir as condições mínimas de existência é fato notório. Assim,
os atores sociais direcionam suas demandas ao Poder Judiciário. E este, não
podendo se negar a decidir as questões que lhe foram apresentadas, tendem a
pôr um fim no conflito, sendo que solução para este conflito deveria ter sido
apresentada nas esferas ordinárias do debate democrático, isto é, no âmbito
propriamente político.
5 JUDICIALIZAÇÃO E NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
Como afirmado no início do artigo, a hermenêutica jurídica clássica,
vinculada ao positivismo, não estava preparada para cumprir satisfatoriamente
seu papel frente à valorização da Constituição como elemento integrador da
sociedade.
Como exposto acima, os princípios constitucionais são a estrela guia
para todo o ordenamento. Nos ensinamentos de GlaucoBarreira: “[…] os cânones
tradicionais da hermenêutica foram concebidos para a interpretação de normas
com estrutura de regras e, principalmente, para as normas de direito privado”
48
.
Vale lembrar que os princípios constitucionais nem sempre foram
considerados normas jurídicas, tendo sua juridicidade questionada. A discussão
sobre a juridicidade dos princípios constitucionais foi superada, no sentido de
considerá-los normas com força jurídica. Nas palavras de Paulo Bonavides:
[…] aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade,
ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que, pelo discurso metodológico, a norma
é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual
as espécies vêm a ser o princípio e a regra.
4938 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Percebe-se, portanto, que para a nova hermenêutica, as regras possuem
estrutura diferente da que possuem os princípios. Os princípios podem ser distinguidos das regras por três critérios: quanto ao conteúdo, quanto à estrutura
normativa e quanto às particularidades de aplicação
50
. Em relação ao primeiro
critério, os princípios trazem uma decisão política, como uma espécie de objetivo coletivo, de modo que a generalidade é sua tônica mais marcante; já as
normas, traçando uma conduta, têm caráter específico. Quanto à aplicação, os
princípios importam uma interpretação mais profunda, levando em consideração
fortes valorações morais; as regras têm interpretação mais simples. Quanto às
particularidades de aplicação, as regras aplicam-se sob a forma do “tudo ou
nada”, enquanto os princípios aplicam-se proporcionalmente. A aplicação de
um princípio não significa a exclusão dos demais.
Sobre o assunto, Habermas escreve:
Normas diferentes não podem contradizer umas às outras,
caso pretendam validade no mesmo círculo de destinatá-
rios; devem estar inseridas num contexto coerente, isto é,
formar um sistema. Enquanto valores distintos concorrem para obter a primazia; na medida em que encontram
reconhecimento intersubjetivo no âmbito de uma cultura
ou forma de vida, eles formam configurações flexíveis e
repletas de tensões
51
.
O filósofo alemão prossegue:
Portanto, normas e valores distinguem-se, em primeiro
lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade;
em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta
ou relativa, e, em quarto lugar, através dos critérios aos
quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve
satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades
lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira
52
.
Para Habermas, nos trechos acima, as “normas” estão no sentido de
regras, e os “valores” apresentam-se nos princípios.
A chamada “colisão de princípios” deriva do caráter dialético da
constituição, no sentido de ser a Constituição um instrumento unificador de
uma sociedade múltipla. Além disso, a Constituição é a norma maior na qual
se projetam as realizações de uma sociedade em transformação. É como se a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 39
Constituição, principalmente por meio de seus princípios, balizasse a efetivação
dos projetos de reestruturação social. Esta compreensão pode ser utilizada em
Zavadniak Advocacia Trabalhista Curitiba – Advogados Trabalhistas Curitiba
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decisões judiciais que se arvorem numa condição ativa de construção de uma
justiça idealizada pela Constituição.
Esfera interessante para a distinção entre princípios e regras é a da
colisão de princípios e a do conflito de regras. Paulo Bonavides, apud Robert
Alexy, nos ensina:
[…] os conflitos de regras – assevera o eminente jurista –
se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a
colisão de princípios, visto que somente princípios válidos
podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade,
ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor
53
.
Os métodos da hermenêutica jurídica clássica permanecem sendo utilizados. A diferença é que, no pós-positivismo, as espécies de normas jurídicas
chamadas de princípios não comportam um esquema fechado de interpretação.
A nova hermenêutica traz um método novo, caracterizado pelo aspecto aberto,
dialógico e pragmático. A generalidade de algumas normas constitucionais possibilita a abertura para o contato com as transformações sociais, principalmente
numa sociedade pós-industrial
54
, plural e que, instrumentalizada pela tecnologia
da informação, forma novas redes de interações sociais constantemente
55
. Pelo
aspecto dialógico, os problemas devem ser resolvidos com base em uma argumentação viabilizada por uma pré-compreensão do tema, estando, assim, em
consonância com a inteligência de uma teoria discursiva do Direito. O ponto
pragmático liga o intérprete à responsabilidade de produzir um julgamento ou
mesmo de realizar a escolha executiva buscando dar a maior efetividade possível
às normas constitucionais, produzindo, deste modo, resultados eficientes no
processo de aplicação do Direito. Como se percebe, a característica dialógica
e pragmática, bem como o aspecto aberto na interpretação da constituição,
contribuem para uma maior discricionariedade na decisão judicial, como instrumentos hermenêuticos subjacentes ao fenômeno da judicialização.
Aqui, levanta-se a questão sobre a existência de certa criatividade judicial. Até que ponto pode-se compreender a função jurisdicional não apenas
como uma concretização da vontade da lei, mas como criação de uma norma
que regerá um caso específico? Pelos métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, parece difícil negar que a atividade judicial não guarda um elemento
de criatividade.
O exato nível de criatividade judicial não está claro. Segundo Cappelleti:
Trata-se […] de problema que não pode se resolver com um
claro sim ou não à criatividade dos juízes. Tal criatividade
– ou, para ser preciso, alto grau de criatividade, pois bem
vimos como se trata essencialmente de problema apenas
de natureza quantitativa – pode ser benéfica ou maléfica,40 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
segundo as muitas circunstâncias contingentes, de tempo
e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada
sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização
e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de
magistratura que exercem tal criatividade
56
.
A superação do paradigma de aplicação da lei advinda do estado Liberal
promove um campo fértil para uma atividade judicial de construção de sentido.
Neste sentido, Habermas afirma:
O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras
décadas do século XX, um consenso de fundo muito difundido entre os especialistas m direito, preparando, assim, um
contexto de máximas de interpretação não questionadas
para a aplicação do direito. Essa circunstância explica
por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado
a seu tempo, sem o recurso a princípios necessitados de
interpretação ou a “conceitos-chave” duvidosos. De fato,
toda ordem jurídica que se justifica, a partir de princípios,
depende de uma interpretação construtiva […]
57
.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término deste estudo, a conclusão que nos ocorre é a de que para a
compreensão do fenômeno da judicialização, devemos levar em consideração,
principalmente, três elementos: o surgimento do paradigma do Estado Social,
o Welfarestate; a superação da subsunção como técnica mecânica de aplicação
da lei pelos instrumentos abertos da Nova Hermenêutica Constitucional; e a
realidade da ineficiência das instituições políticas que deveriam assegurar a
prestação de serviços públicos. Estes três elementos contribuem especialmente
para que os atores sociais busquem assegurar, junto ao Poder judiciário, a frui-
ção de seus direitos. Além disto, também concluímos que o envio de questões
eminentemente políticas para o judiciário, principalmente por meio da jurisdição
constitucional, cria uma tensão entre democracia e constitucionalismo. Para alguns, a democracia deve guiar as decisões políticas e não caberia ao Judiciário
intervir nestas esferas de decisões majoritárias. Entretanto, na realidade de países
em desenvolvimento, onde as políticas públicas não atingem os objetivos constitucionais, o Poder Judiciário quando chamado a decidir, pode garantir aos atores
sociais a fruição de seus direitos fundamentais. Para tanto, fundamentado nos
métodos da Nova Hermenêutica Constitucional, os juízes, em casos específicos,
possuem certa liberdade de decisão. Assim, o judiciário não simplesmente aplica
a vontade da lei, mas exerce certa criatividade. Esta criatividade está, contudo,
limitada pelos parâmetros dos princípios constitucionais.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 41
ciTações
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1
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito
(o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de direito administrativo,
n. 240. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
2
Uso a expressão “via de regra”, pela polêmica em torno da jurisdição voluntária. Pois,
neste caso, não há necessariamente agressão a direito, nem reparação da ordem, pois
não houve violação de direito. Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001.
3
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos
de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 277.
4
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4
a
tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 45.
5
“O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acentuado grau
de auto-suficiência. Rigorosamente separado da política, não se inclui na sua esfera
própria de atuação qualquer questionamento acerca da legitimidade e da justiça das
leis”. BARROSO, op. cit., p. 277.
6
In ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.
7
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Trinunais, 2008, p. 42.
8
PICARDI, op. cit., p. 13.
9
BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008, p. 188.
10
WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel
Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das
Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 22.
11
“[…] a ampliação do âmbito da jurisdição […] deita suas raízes, como se disse, na
passagem do Estado liberal clássico para o Estado social de direito […]”. PICARDI,
op. cit., p. 11.
12
PICARDI, op. cit., p. 13.
13
FARIA, op. cit., p. 13.42 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
14
MARINONI, op. cit., p. 43.
15
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 52.
16
A Nova Hermenêutica Constitucional está ligada ao pós-positivismo como uma nova
forma de compreensão do Direito que supera a metafísica jusnaturalista e o esvaziamento
axiológico do formalismo positivista. Intimamente harmonizada com a valorização da
Constituição, a Nova Hermenêutica Constitucional dá especial tratamento aos princípios
constitucionais, conferindo-lhes força jurídica vinculante e tornando-os a base para a
unidade e interpretação das leis. Na lição de Paulo Bonavides in Curso de Direito
Constitucional, p. 231: “Os princípios, uma vez constitucionalizados,se fazem a chave
de todo o sistema normativo”.
17
Segundo FARIA in O Direito na Economia Globalizada, p. 134, “o termo Verrechtlichung
(juridificação) surgiu na Alemanha, durante a República de Weimar, por iniciativa de
autores como Ernnst Fraenkel, Otto Kircheimer e Franz Neumann […]”.
18
“A nossa época, como já acenei, foi definida como a época da decodificação […]
Tal fenômeno também ocorreu com os códigos de rito […].” PICARDI, op. cit., p. 3.
19
FARIA, op. cit., p. 117.
20
PICARDI, op. cit., p. 12.
21
“A título de exemplo, basta recordar como na justiça civil o recurso aos pronunciamentos de urgência se tornou agora muito freqüente, e as medidas cautelares ou
antecipatórias tendem a definir a controvérsia”. In PICARDI, op. cit., p. 15.
22
PICARDI, op. cit., p. 4.
23
“O tradicional operador do direito civil é, por excelência, um conservador. Ainda
inspirado na noção napoleônica de um código civil como ‘Constituição do cidadão’,
manuseia suas páginas com espírito recluso. Visualiza o direito privado de modo hermético e acredita que a carta constitucional é algo que não lhe afeta”. In ROSENVALD,
Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
24
“Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente,
definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim, como ponto de referência
interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”. In ROSENVALD apud Gustavo Tepedino,
op. cit., p. 160.
25
“Tomando como fonte de inspiração o critério de sistematização proposto por
Clèmerson Merlin Clève, podem-se classificar os sistemas de controle da constitucionalidade da seguinte forma: a) o modelo inglês de ausência de fiscalização da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 43
constitucionalidade […] b) o modelo francês de controle político e preventivo da
constitucionalidade […] c) o modelo de jurisdição constitucional difusa, de origem
norte-americana […] d) o modelo de jurisdição constitucional concentrada, desenvolvido a partir da matriz austríaca […]”. In BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição
Constitucional – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 42.
26
KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 67.
27
“Que o princípio da maioria é largamente utilizado como técnica de tomada de decisão
coletiva não resta dúvida. No entanto, cabe indagar se um critério quantitativo pode dar
fundamento qualitativo a uma decisão coletiva, ou mesmo, preliminarmente, se há fundamento qualitativo para justificar o princípio da maioria. Distinguimos pelo menos quatro
linhas de fundamentação: a) o argumento conoscente; b) o argumento contratualista;
c) o argumento axiológico e d) o argumento exclusivamente utilitarista.” MATOS, Nelson
Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao Estado Democrático
Liberal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
28
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 2, p. 317.
29
FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função
última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus,
2007, p. 88.
30
FERRY, op. cit., p. 83.
31
DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 101.
32
Vale a pena conhecer a sinopse da história: “Derrotado porThomasJefferson na eleição
presidencial, o então Presidente John Adams nomeou diversos de seus correligionários
do Partido Federalista como juízes federais, entre os quais se encontrava Wiliam Marbury. O próprio Marshall, secretário de Estado de Adams, havia sido nomeado, com
aprovação do Senado, Chief Justice da suprema Corte, algum tempo antes. O título de
nomeação de Marbury não lhe foi entregue a tempo, sendo sua nomeação suspensa por
determinação do novo presidente Thomas Jeferson ao seu Secretário de Estado James
Madison. Marbury acionou Madison exigindo informações, num primeiro momento.
Não sendo fornecida nenhuma explicação, impetrou uma nova ação, writ of mandamus,
com o objetivo de alcançar a nomeação. O tribunal adiou por mais de dois anos a decisão,
o que gerou uma forte reação contra os juízes. Finalmente, ao anunciar a decisão da
Suprema Corte, Marshall destacou duas questões: Jefferson não tinha o direito de negar
posse a Marbury. Porém a Suprema Corte não poderia conceder o writ of mandamus,
requerido por Marbury, pois esta competência que lhe havia sido atribuída pela seção
13 do judiciary Acta de 1789 era contrária à Constituição, na medida em que alargava
as competências constitucionais originalmente estabelecidas para a Suprema Corte. A
Corte não poderia se utilizar de uma atribuição, ainda que conferida pelo parlamento,
quando incompatível com a Constituição”. In VIEIRA, Oscar Vilhena, op. cit., p. 43.44 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
33
Expressão utilizada pela Carta Política de 1988 para designar o Supremo Tribunal
Federal.
34
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adi>.
35
Cf. CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Juicialização: apontamentos
para uma nova abordagem. In Rev. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.
36
CARVALHO, op. cit., p. 118.
37
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.
38
CARVALHO, op. cit., p. 119.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=estatistica&pagina=adiLegitimado>.
40
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.
41
Ibid., op. cit., p. 16.
42
Ibid., op. cit., p. 17.
43
Ibid., op. cit., p. 17.
44
CARVALHO, op. cit., p. 120.
45
“As constituições contemporâneas não se limitam às regras clássicas do constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX. Trazem uma vasta estrutura de normas diretivas e
programáticas e criam alterações extremamente importantes no quadro tradicional do
controle da constitucionalidade”. In VIEIRA, op. cit., p. 31.
46
VIEIRA, op. cit., p. 32.
47
Ibid., op. cit., p. 32.
48
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da
Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004, p. 61.
49
BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000, p. 248.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 45
50
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:
Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
51
HABERMAS, op. cit., v. 1, p. 317.
52
Ibid., p. 317.
53
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000, p. 251.
54
Cf. MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora
Senac, 1999.
55
Cf. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura.
10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.
56
CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1993.
57
HABERMAS, op. cit., p. 313.
ReFeRências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos
de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: Para Uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
BONAVIDES, Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008.
____________. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2000.
CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1993.
CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em Busca da Judicialização: apontamentos para
uma nova abordagem. In Ver. Sociol. Polit., Curitiba, 23, p. 115 a 126, nov. 2004.
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 10.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, v. 1.46 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo:
Malheiros, 2001.
DWORKIN. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 4
a
tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2004.
FERRY, Jean-Mare. Filosofia da Comunicação: da antinomia da razão à função última da razão; justiça política e democracia procedimental. São Paulo: Paulus, 2007.
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 1.
KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da
Constituição. 3. ed. São Paulo: Mandamentos, 2004.
MASI, Domenico de (Org.). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora Senac,
1999.
MATOS, Nelson Juliano Cardoso. Teoria do Estado: Uma Introdução Crítica ao
Estado Liberal Democrático. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
PICARDI, Nicola. Jurisdição e Processo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade Humana e Boa-Fé no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2005.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel Palácios
Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das Relações
Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 47
“A INTERNALIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES DA OIT
COMO TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS”
Konrad Saraiva Mota
Juiz do Trabalho junto ao TRT 7ª Região
(Aprovado em 1º Lugar no Concurso Público de 2006)
Ex-Juiz do Trabalho junto ao TRT da 14ª Região
(Aprovado em 4º Lugar no Concurso Público de 2004)
Juiz Coordenador dos Leilões Judiciais junto ao
TRT da 7ª Região desde 2008
Membro da Ordem Alencarina do Mérito Judiciário Trabalhista
no grau de Oficial desde 2009
Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho
da Universidade de Fortaleza – UNIFOR desde 2007
Professor Colaborador da Escola da Magistratura do Trabalho da 7ª Região
Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exame da OAB
SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais; 2 Direitos Humanos: definição, caracterização
e classificação; 3 Organização Internacional do Trabalho – OIT: criação, desenvolvimento e finalidade; 4 Convenções da OIT como espécies de tratados internacionais
sobre direitos humanos; 5 Internalização das normas concebidas perante a OIT a partir
da perspectiva de que compreendem tratados internacionais sobre direitos humanos;
6 Considerações Finais.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que a República Federativa do Brasil, na condição de Estado
soberano, pacífico e democrático, regendo-se nas suas relações internacionais
pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Art. 4º, IX,
CF), busca integração ativa na comunidade internacional, mormente através da
participação em organismos multilaterais, capazes de congregar outros Estados
igualmente soberanos com vistas ao desenvolvimento compartilhado.
Dentre tais organismos destaca-se a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pela Conferência de Paz em 1919, como componente da antiga
Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII do Tratado
de Versailles e cuja competência, no dizer de Arnaldo Süssekind
1
, destina-se a
tratar “de questões que visem à justiça social, no seu mais largo conceito, tendo
em vista o processo material e espiritual do ser humano, em condições de liberdade e dignidade, com segurança econômica e iguais oportunidades”.48 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
O Brasil, como membro da OIT desde a sua fundação, há muito se
depara com os preceptivos decorrentes das convenções oriundas do referido
Organismo Internacional, internalizando seus textos e fazendo ingressar suas
normas no Ordenamento Jurídico nacional.
Portanto, tem-se que o convívio das normas jurídicas brasileiras com
os textos internacionais concebidos no âmbito da OIT não é fenômeno recente,
já tendo sido, inclusive, objeto de vários e abalizados estudos.
Ocorre que, a despeito dos fatores históricos que culminaram com a
própria criação do citado organismo internacional trabalhista – o que por si só
já justificaria o conteúdo humanizado de seus preceptivos – é raro na Doutrina
o reconhecimento de que as normas trazidas pelos instrumentos celebrados
junto à OIT consagram verdadeiros direitos humanos e, como tais, dotados de
valorosa universalidade, cuja internalização desafia olhares mais cuidadosos,
especialmente no que tange à possibilidade de ostentarem patamar eminentemente constitucional e, por conseqüência, status de Direitos Fundamentais.
Sob essa perspectiva, passam a surgir inquietações relacionadas à
internalização das normas da OIT a partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988 que, em seu art. 5º, § 2º, instituiu cláusula aberta concernente
aos direitos e garantias fundamentais, não excluindo outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a
República Federativa do Brasil seja parte.
Tais inquietações sobressaem ainda mais relevantes diante da inovação
trazida pela Emenda nº 45/2004, que, ao inserir o § 3º no art. 5º constitucional,
permitiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,
desde que aprovados por maioria qualificada perante o Congresso Nacional,
subam a degrau formalmente constitucional, adquirindo, com isso, a rigidez
inerente ao texto maior frente às casualidades que tão freqüentemente costumam
abalar os alicerces democráticos.
Com efeito, tratar sobre a internalização dos preceitos concebidos
perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, partindo-se da premissa de que os mesmos veiculam direitos humanos e que, em virtude disso,
podem assumir caráter de normas material e formalmente constitucionais,
compreende estudo da mais alta relevância que por certo não se encerra do
presente ensaio.
Este trabalho, ao enfrentar a temática acima disposta, iniciará buscando definir e caracterizar os direitos humanos, diferenciando-os, tecnicamente,
dos direitos fundamentais, segundo consagrada Doutrina.
Em seguida, traçará considerações acerca da criação, desenvolvimento
e atuação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, reconhecendo-a
como organismo multilateral paritário, destacado pela preocupação com
direitos sociais e econômicos dos Países que a integram.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 49
Mais adiante, tentará demonstrar que os direitos veiculados nas normas trazidas pelos textos internacionais produzidos junto à OIT integram o rol
de direitos humanos, o que acaba por transformá-los em verdadeiros tratados
internacionais sobre direitos humanos.
Finalmente, serão estudadas questões relacionadas à internalização das
normas concebidas perante a OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, sob a
óptica de que se está diante de tratados internacionais sobre direitos humanos,
passíveis de assumir patamar constitucional. Não será olvidado, ademais, o
enfrentamento das polêmicas atinentes às convenções já ratificadas pelo Brasil
anteriormente a promulgação da Constituição de 1988 e do advento da Emenda
Constitucional 45/2004.
2 DIREITOS HUMANOS: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E
CLASSIFICAÇÃO
Para Maurício Godinho Delgado “definir um fenômeno consiste na
atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o
nexo lógico que os mantém integrados
2
”.
Com efeito, na tentativa de definir direitos humanos, busca-se analisar
os elementos que o compõem, identificando, ato contínuo, os fatores que permitem a mantença da união de tais elementos na estrutura do fenômeno.
De antemão admoesta-se não ser tarefa fácil definir direitos humanos, tampouco tal problemática se revela ponto principal do presente estudo.
Em contrapartida, entender os direitos humanos, diferenciando-os de outros
fenômenos que lhes são correlatos, afigura-se indispensável à sustentação da
teorética aqui enfocada.
O termo “direito”, sem maiores incursões acerca de sua essência, deve
ser aqui entendido como o conjugado de preceitos que disciplinam e protegem
determinados interesses ou regulamentam relações jurídicas
3
. Já o vocábulo
“humanos” abrange tudo aquilo que pertence ou se refere ao ser humano.
Aliando o significado dos termos supra, pode-se dizer que direitos
humanos compreendem o conjunto de preceitos que disciplinam e protegem
determinados interesses que se referem ou pertencem ao ser humano considerado como tal, tanto em sua acepção pessoal como na qualidade de membro
integrante de uma coletividade.
Ingo Wolfgang Sarlet, parafraseando O. Höffe, assinala que “os direitos humanos referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser
pessoa humana)
4
”.
Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam que
“a denominação Direitos do Homem ou Direitos Humanos […] indica predicados inerentes à natureza humana e, enquanto tais, independentes de um sistema
jurídico específico, mas de uma dimensão ingênita e universalista
5
”.50 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
A partir do sobredito pode-se identificar, sem maiores esforços, que o
elemento “homem” situa-se como componente indissociável dos direitos humanos. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos direitos humanos.
É destinatário principal de seus disciplinamentos.
Ora, os homens – a despeito das diferenças biológicas, sociais, políticas,
filosóficas e culturais que os cercam – possuem uma essência de certa forma
unívoca, sempre voltada à consecução de sua dignidade, independentemente
da sociedade na qual estejam inseridos.
Daí resulta dizer que a dignidade do homem, assim considerada como
o modo de proceder que lhe infunde respeito, elevação e grandeza moral,
constitui-se no fator de interligação entre os preceitos jurídicos e humanos que
compõem os direitos humanos.
Desse modo, os elementos que compõem os direitos humanos revelamse a partir de sua própria denominação. De um lado os direitos como disciplinamentos de proteção e regulação; do outro, o termo humanos como tudo que
se relaciona ao homem. Já o nexo lógico que mantém tais elementos integrados
consubstancia-se na dignidade da pessoa humana, inerente ao homem independentemente das idiossincrasias sociais, políticas e culturais que o cercam.
Neste trilhar, considerando que os direitos humanos visam à proteção
do homem, mais precisamente em aspectos relacionados à sua dignidade,
nascem, para tais direitos, características que lhes são imanentes, tais como a
atemporalidade (no sentido de durabilidade e perpetuação) e a universalidade
(no sentido de se reportar a todos os homens, independentemente da raça,
origem, sexo, cor, concepções, etc.).
É justamente por serem atemporais e universais que os direitos humanos constituem terminologia consagrada em textos normativos internacionais,
instituidores de disciplinamentos com pretensão de incidência mais ampla,
abrangendo vários e distintos Estados Soberanos.
Nessa perspectiva, diferenciam-se direitos humanos de direitos fundamentais, pois enquanto os primeiros, pelo caráter supranacional ou universal,
estão positivados em textos normativos internacionais; os segundos, por serem
mais específicos (apesar de não menos relevantes), encontram-se positivados
e reconhecidos pelo direito interno de cada Estado, normalmente assumindo
patamar constitucional.
Sobre o tema, sábios são os ensinamentos de Sarlet
6
, que, respaldado
em Pérez Luño, alude:
[…] o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou
conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 51
noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais precioso e restrito, na medida em que
constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo
de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos
delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação
se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema
jurídico do Estado de Direito.
No mesmo sentido leciona Hermano Queiroz Júnior
7
, ao dizer que:
[…] os direitos humanos são inerências da natureza humana, donde seu caráter inviolável, atemporal e universal,
enquanto os direitos fundamentais são os objetivamente
vigentes em uma dada ordem jurídica concretamente
considerada, concernindo igualmente à pessoa humana.
Em resumo: enquanto os direitos humanos encontram respaldo em
textos internacionais, visto que sua aplicação, pautada pelo caráter universal e
atemporal, refere-se a todo ser humano como tal, independentemente do Estado onde se situe; os direitos fundamentais estão positivados no ordenamento
de um determinado Estado e, inobstante referir-se igualmente ao ser humano,
encontram limitação temporal e espacial na normatização de certa sociedade. O
que irá diferenciar uma ou outra categoria será exatamente o nível de concreção
e positivação que se lhe atribui.
Finalmente, insta salientar que os direitos humanos possuem consagrada classificação em três distintas e não-excludentes dimensões ou gerações
8
,
identificadas a partir de etapas históricas de sua evolução.
Destarte, consideram-se de primeira dimensão os direitos humanos de
liberdade, concebidos no seio do Estado Liberal, compreendidos nas garantias
civis, políticas e de nacionalidade. Já os direitos sociais refletem os denominados direitos humanos de segunda dimensão, gerados com o advento do Estado
Social e pautados na aspiração de igualdade, comportando as garantias sociais,
econômicas e culturais. A terceira dimensão dos direitos humanos açambarca
postulados de garantia transindividual, enaltecendo direitos difusos e coletivos, tais como a higidez do meio ambiente, a proteção do patrimônio artístico
e cultural, o acesso à comunicação, a autodeterminação dos povos, a paz e o
desenvolvimento.
Frise-se, no entanto, que a divisão em dimensões ou gerações de direitos
humanos não deve desaguar uma perspectiva atomizada dos referidos direitos,
como se os direitos humanos de primeira dimensão tenham sido sucedidos pelos 52 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
de segunda e estes pelos de terceira. Na verdade, os direitos humanos não se
sucedem ou se substituem, mas se expandem. Neste aspecto, valorosos são os
ensinamentos de Antonio Augusto Cançado Trindade
9
:
Distintamente do que a infeliz invocação da imagem
analógica da “sucessão generacional” parecia supor, os
direitos humanos não se “sucedem” ou “substituem” uns
aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais (tendo
estes últimos inclusive precedido os primeiros no plano
internacional, a exemplo das primeiras convenções internacionais do trabalho). O que testemunhamos é o fenômeno
não de uma sucessão, mas de uma expansão, cumulação e
fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar
a natureza complementar de todos os direitos humanos.
É preciso que fique claro: a divisão dos direitos humanos em dimensões
ou gerações não pode ser utilizada para justificar teoréticasinfundadas de que os
direitos humanos se sucederam no tempo, de modo que os mais contemporâneos
substituíram os mais antigos. Ao revés, os direitos humanos compreendidos
nas distintas dimensões se complementam e convivem harmonicamente.
Superados os esclarecimentos concernentes a definição, caracterização
e classificação dos direitos humanos, passa-se, a seguir, ao estudo da Organização Internacional do Trabalho – OIT, enfrentando aspectos de sua criação,
desenvolvimento e competências.
3 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT:
CRIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E FINALIDADE
Para compreender a importância da Organização Internacional do Trabalho – OIT no contexto mundial, bem como a relevância de seus normativos
como instrumentos garantidores de direitos humanos sociais dos Países que a
compõem, faz-se oportuno algumas considerações acerca do momento histórico
em que tal organismo fora concebido.
De início, é de se destacar que a OIT teve sua criação pautada, entre
outras coisas, na imperiosa necessidade de afirmação do denominado Estado
Social, marcado pela participação ativa do Estado como assegurador de patamares mínimos de civilidade dos cidadãos.
Até o final do século XIX, prevaleceu nos Estados Democráticos do
Ocidente o modelo liberal de organização do Estado. Tal modelo, concebido
a partir do ideário iluminista construído na segunda metade do século XVIII,
caracterizava-se pela intervenção mínima do Estado nas relações privadas.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 53
Esta postura absenteísta do Estado, no plano político, tinha razão de
ser no modelo reacionário da época, contrapondo-se ao Estado Absolutista e
centralizador de outrora. No plano econômico, todavia, o não-intervencionismo
estatal decorria do movimento capitalista burguês que buscava sua consolidação
desde o advento da Revolução Industrial.
Daniel Sarmento
10
retrata com propriedade a postura do Estado Liberal
na economia, ao dizer que “o Estado ausentava-se da esfera econômica, que
permanecia à mercê das forças do mercado, limitando-se ao modesto papel de
proteger a segurança interna e externa e da propriedade dos seus cidadãos”.
Acontece que essa abstenção do Estado nas relações privadas, sobretudo
naquelas que envolviam a tensão existente entre capital e trabalho, começou
a perceber-se danosa. Isto porque, tal relação (capital vs trabalho) é marcada
pela existência de uma profunda desigualdade material entre o detentor dos
meios-de-produção e aquele que despende sua força de trabalho.
Aludida desigualdade, aliada a total omissão estatal, culminou em
fenômenos sociais desastrosos, tais como a exploração desmesurada do trabalho da mulher e do menor, elevadas jornadas de trabalho, além do crescimento
no número de acidentes de trabalho oriundo da despreocupação com o meio
ambiente laboral.
Ocorre que o modelo capitalista liberal mostrava-se incapaz de, alicerçado em pilares não-intervencionistas, solucionar a celeuma social gerada.
Foi a partir dessas diversas tensões sociais que surgiu a necessidade de sair do
modelo político liberal para se chegar ao Estado Social ou Estado Providência.
O individualismo prevalecente no Estado Liberal deu lugar à solidariedade do Estado Social, não pela benevolência dos detentores de poder, mas
pela necessidade de sobrevivência do próprio capitalismo.
Sobre o tema, sábias são as palavras de Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione G. Correia
11
, ao dizerem que “o Direito Social e o seu consequente
Estado Social são produtos do modelo capitalista de produção. Significam,
entretanto, um modo do capitalismo tentar demonstrar-se viável como elemento
regulador dos padrões de conduta da humanidade”.
Assim, várias iniciativas foram sendo adotadas, em especial na Europa, com vistas a solver as problemáticas geradas pelo modelo capitalista de
produção, mormente no que concerne às relações de trabalho.
Com efeito, em 1889, o governo suíço propôs a realização de uma
conferência para fixar bases de um acordo sobre o trabalho nas fábricas. Já em
1891, quatorze países reuniram-se em Berlim na primeira conferência internacional para estudo da questão operária. Em 1900, realizou-se, em Paris, um
congresso internacional para a proteção legal dos trabalhadores. Em 1902, um
novo congresso em Colônia reconheceu a necessidade de intervenção legislativa para proibição do trabalho noturno das mulheres e vedação à utilização de 54 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
fósforo nas fábricas. Mais uma vez por iniciativa do governo suíço, outras
duas conferências diplomáticas sobre a questão trabalhista foram realizadas
em 1905 e 1906. Novos congressos também foram efetivados nos anos de
1908, 1910 e 1912
12
.
Sobrevindo a primeira guerra mundial, as reuniões foram suspensas.
Contudo, em 1919, com a instalação da conferência de paz, no palácio de
Versailles em Paris, fora designada uma comissão de legislação internacional
do trabalho, a qual, após várias sessões, concluiu o projeto que culminou na
criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como componente
da antiga Sociedade das Nações, tendo sua constituição disposta na Parte XIII
do Tratado de Versailles
13
.
Como se vê, a OIT foi criada num momento histórico de afirmação
do Estado Social, sendo este verdadeira opção de manutenção do modelo
econômico capitalista então prevalente, que já começava a sofrer abalos com
o advento do contraponto socialista.
Com a deflagração da segunda guerra mundial (1939-1945), as atividades da OIT permaneceram praticamente paralisadas. Porém, o pós-guerra
trouxe consigo a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, que, em
acordo firmado no ano de 1946, reconheceu a OIT como organismo especializado voltado à proteção dos direitos do trabalhador
14
.
Em 1946, fora discutida e elaborada uma nova constituição da Organização Internacional do Trabalho, em substitutivo àquela adotada em 1919 (ano
de criação do Organismo). O novel instrumento, vigente a partir de 1948, foi
ratificado pelo Brasil ainda na década de 40, conforme Decreto de Promulgação
nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.
De acordo com o artigo 2º da Constituição da OIT
15
, a organização
compreenderá:
a) uma Conferência geral constituída pelos Representantes
dos Estados-Membros;
b) um Conselho de Administração; e
c) uma Repartição Internacional do Trabalho sob a direção
de um Conselho de Administração.
A Conferência geral, por sua vez, será composta de quatro representantes de cada um dos Membros, dos quais dois serão Delegados do Governo e
os outros dois representarão, respectivamente, os empregados e empregadores
(Art. 3º da Constituição da OIT), o que revela a feição paritária do Organismo.
Em relação aos objetivos da Organização Internacional do Trabalho,
o artigo 1º de sua Constituição assinala que o organismo está encarregado de
promover a realização do programa exposto no respectivo preâmbulo, cujo
texto, por sua vez, é expresso em considerar que a paz, para ser universal e
duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 55
Aludido preâmbulo destaca, ademais, existirem condições de trabalho
que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o
descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais,
considerando ser urgente a melhora de tais condições.
Outrossim, o anexo da Constituição da OIT, trazendo declaração relativa a seus fins e objetivos – nos moldes como traçados pela sua Conferência
Geral – aduz, no item II, que:
a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou
sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e
o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da
dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas
possibilidades;
b) a realização de condições que permitam o exercício de
tal direito deve constituir o principal objetivo de qualquer
política nacional ou internacional;
c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou
internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e
somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem,
a realização desse objetivo principal;
d) compete à Organização Internacional do Trabalho
apreciar, no domínio internacional, tendo em vista tal
objetivo, todos os programas de ação e medidas de caráter
econômico e financeiro;
e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a
Organização Internacional do Trabalho tem capacidade
para incluir em suas decisões e recomendações quaisquer
disposições que julgar convenientes, após levar em conta
todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.
Note-se que não apenas os fatos sociais que envolveram sua criação
e desenvolvimento, mas as próprias finalidades institucionais da OIT deixam
clara sua preocupação com a garantia dos direitos humanos do trabalhador.
Nesse sentido, obtempera Arnaldo Süssekind
16
:
Se, antes da reforma constitucional de 1946, a OIT se
dedicava, quase que exclusivamente, à regulamentação
das condições de trabalho e das prestações de seguro
social, a partir da Conferência de São Francisco, como
reflexo da nova filosofia consagrada, passou a adotar
instrumentos relativos aos direitos humanos fundamentais do trabalhador […].56 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Sobressai evidente que a OIT, pelo próprio momento histórico que
marcou sua criação e à vista de seus fins e objetivos institucionais, cuida-se
de organismo internacional voltado ao resguardo de direitos sociais, os quais
integram o rol de direitos humanos, notadamente porque pautados pela prevalência da dignidade da pessoa humana.
Com efeito, os instrumentos normativos confeccionados no âmbito
da OIT, em especial suas convenções, retratam disciplinamentos que guardam
em si essência de verdadeiros tratados internacionais sobre direitos humanos,
assunto que será melhor analisado nas linhas que se seguem.
4 CONVENÇÕES DA OIT COMO ESPÉCIES DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
O art. 2, item I, “a”, da Convenção de Viena de 1969
17
dispõe que
“tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de
dois oumaisinstrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
O artigo 26 da mesma Convenção preleciona que “todo tratado em vigor obriga
as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé
18
”.
Flavia Piovesan
19
afirma que “os tratados internacionais, enquanto
acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes (pacta
sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito
Internacional”.
Percebe-se, portanto, que tratado internacional compreende um acordo
juridicamente vinculante consubstanciado num instrumento escrito elaborado
por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos Internacionais),
com vistas a tratar juridicamente de temas de interesse comum.
O tratado internacional deve ser fruto de um consenso entre os seus
signatários. Tal consenso é, inclusive, enaltecido pelo art. 52 da Convenção
de Viena de 1969, que diz ser “[…] nulo um tratado cuja conclusão foi obtida
pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito
Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas
20
”.
Oportuno ressaltar que a denominação dada ao instrumento internacional com natureza jurídica de tratado é não é fundamental à caracterização do
instituto, de modo que um tratado internacional pode assumir diferentes nomes
sem que isso lhe retire a essência.
Nesse sentido, Rebeca M. M. Wallace, citada por Flávia Piovesan
21
,
alude que:
O termo tratado é um termo genérico, usado para incluir
as convenções, os acordos, os protocolos e a torça de
instrumentos. O Direito Internacional não distingue os Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 57
acordos identificados como tratados, dos outros acordos.
O termo escolhido para se referir a um acordo não é em
si mesmo importante e não apresenta maior conseqüência
jurídica.
A Organização Internacional do Trabalho, na qualidade de sujeito de
Direito Internacional, possui atribuição para celebrar acordos internacionais
com natureza de tratados.
O art. 19, item 1, da Constituição da OIT
22
assinala que
[…] se a Conferência pronunciar-se pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deverá
decidir se essas propostas tomarão a forma:
a) de uma convenção internacional;
b) de uma recomendação, quando o assunto tratado, ou
um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de
uma convenção.
Existem, basicamente, dois instrumentos de Direito Internacional
celebrados no âmbito da OIT: (1) a convenção, que é um tratado internacional por excelência, impondo o compromisso do Estado-Membro signatário
submetê-la, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão
da Conferência, ao parlamento do respectivo Estado para fins de internalização; e (2) a recomendação, que não é tratado vinculativo, desafiando tão
somente o conhecimento do Estado-Membro e a obrigação de o mesmo,
também no do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência, submeter ao parlamento nacional para que se apresente projeto de
lei sobre o assunto ou tome outras medidas cabíveis (vide art. 19, itens 5 e
6 da Constituição da OIT).
Com efeito, pode-se concluir que as convenções celebradas no âmbito
da OIT, apesar de não serem literalmente denominadas tratados internacionais,
possuem referida natureza jurídica, devendo ser analisadas como tal para fins
de estabelecer direitos e obrigações entre os sujeitos de Direito Internacional
que lhes são signatários.
Como dito em tópico anterior, a OIT foi criada com a pretensão de
promover patamares sociais minimamente dignos relacionados ao exercício
do trabalho humano nos domínios dos Estados que a compõem.
Viu-se, ainda, que os aludidos Direitos Sociais relacionados ao
trabalho humano integram o rol dos direitos da pessoa humana ou direitos
humanos, na medida em que possuem como elemento nodal a consecução da
dignidade do homem.
Assim, fácil intuir que as Convenções Internacionais da OIT, que carregam conteúdo voltado à ampla proteção do trabalho humano nas suas inúmeras
acepções, devem sim receber o reconhecimento de tratados internacionais de
direitos humanos.58 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Ratifica-se, pois, que a convenções internacionais da OIT, por consagrarem “valores comuns superiores consubstanciados em última análise na
proteção do ser humano”, como acima citado, guardam em sua essência a índole
de tratados internacionais de direitos humanos.
Para demonstrar a veracidade desta compreensão, pertinente a citação
de várias convenções da OIT que trazem em seus textos matérias eminentemente
relacionadas a direitos humanos, como é o caso da convenção 29 de 1932, que
dispõe sobre a erradicação do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas
formas; da convenção 138 da OIT de 1973, que estabelece a idade mínima para
o trabalho; da convenção 182 de 1999, que elenca as piores formas de trabalho
infantil; da convenção 111 de 1958, que veda a discriminação nas relações de
trabalho, entre outras.
Necessário se faz, a seguir, analisar como as convenções da OIT, assim
entendidas como tratados internacionais de direitos humanos, assumirão posição
no Ordenamento Jurídico Nacional frente as normas internas instituídas.
5 INTERNALIZAÇÃO DAS NORMAS CONCEBIDAS PERANTE A OIT
A PARTIR DA PERSPECTIVA DE QUE COMPREENDEM TRATADOS
INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
Antes de analisarmos a questão da internalização das convenções
da OIT no Ordenamento Jurídico brasileiro, afiguram-se necessários alguns
esclarecimentos acerca do processo de formação e incorporação dos tratados
internacionais.
Flávia Piovesan
23
, citando João Grandino Rodas esclarece que
[…] os tratados em forma solene, também conhecidos
como em devida forma, passam pelas seguintes fases:
negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa
por parte dos Estados interessados em se tornar parte no
tratado e, finalmente, ratificação ao adesão.
No Brasil, o art. 84, VIII, da Constituição de 1988, diz que “compete
privativamente ao Presidente da República: […] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Por
sua vez, o art. 49, I, da Constituição dispõe que “É da competência exclusiva
do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos
ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional”.
Vê-se, com isso, que a República Federativa do Brasil exige a colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo para a internalização de um
tratado internacional em seu ordenamento.
Após internalizados, os tratados internacionais, como regra, acabam
assumindo o status jurídico de leis ordinárias, portanto normas infraconstitucionais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 59
Acontece que, em se tratando de tratados internacionais que versam
sobre direitos humanos, a questão não é tão simplista.
Isto porque, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988 é claro ao
dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Note-se que, no referido dispositivo, a Carta Maior faz expressa menção
aos tratados internacionais em que o Brasil faça parte, de modo que, possuindo tais instrumentos conteúdo humanístico, poderão integrar o rol de direitos
fundamentais constitucionalmente reconhecidos.
Sobre o tema, ensina-nos Sarlet
24
(2008, p. 90):
[…] a citada norma traduz o entendimento de que, para
além do conceito formal de Constituição (e de direitos
fundamentais), há um conceito material, no sentido de
existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição
de um Estado, mesmo não constando no catálogo. Neste
contexto, importa salientar que o rol do art. 5º, apesar de
analítico, não tem cunho taxativo.”
Não se pode olvidar que, conforme dito em tópico anterior, direito
fundamental nada mais é do que denominação atribuída a direito humano
internamente positivado no ordenamento jurídico de determinado Estado.
Assim, é certo dizer que o ordenamento nacional brasileiro reverencia
duas modalidades de direitos fundamentais: (1) aqueles que são material e formalmente fundamentais, já que insertos no texto constitucional; e (2) aqueles
que são apenas materialmente constitucionais, vez que não inseridos expressamente no texto constitucional, mas reconhecidos como tais pela cláusula aberta
insculpida no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 fez inserir o § 3º,
no já tão citado art. 5º da Constituição, o qual possui a seguinte redação:
[…] os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
Aludido dispositivo passou a permitir a possibilidade de um tratado
internacional ratificado pelo Brasil que verse sobre direitos humanos assumir patamar de Emenda Constitucional, desde que aprovado pelo quórum
qualificado para tanto exigido, em moldes idênticos aos trazidos pelo art. 60,
§ 2º, da Lei Maior.60 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Diante destes esclarecimentos iniciais, resta enfrentar agora as questões
da internalização e hierarquia normativa das convenções da OIT, a partir da
perspectiva já elucidada de que tais instrumentos são tratados internacionais
de direitos humanos.
O enfrentamento do problema passa necessariamente pela análise no
momento de ratificação das mencionadas convenções: se antes ou depois da
Emenda Constitucional 45 de 2004.
Com efeito, para as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil posteriormente à citada Emenda, duas são as possibilidades:
A primeira delas decorre da submissão e aprovação da convenção da
OIT, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, momento em que seriam equivalentes às
emendas constitucionais, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF.
Ingo Wolfgang Sarlet (2007. p 350) sustenta pela compulsoriedade
de submissão dos tratados internacionais sobre direitos humanos ao quórum
qualificado:
Com relação a esse aspecto, parece-nos que há, sim,
pelo menos espaço para uma interpretação teleológica e
sistemática em prol da compulsoriedade do procedimento
reforçado das emendas constitucionais. […] poder-se-á
sustentar que, a partir da promulgação da Emenda
Constitucional 45/2004 a incorporação destes tratados
deverá ocorrer pelo processo mais rigoroso das reformas
constitucionais.
Na segunda, a convenção da OIT não seria submetida ao quórum qualificado das emendas constitucionais. Neste caso, a convenção poderia assumir
dois caracteres: (1) legal e, portanto, equiparada à lei ordinária; (2) supralegal,
estando acima das leis e abaixo da Constituição.
Vale lembrar que o STF, desde o julgamento do recurso extraordinário
nº 80.04/1977, vinha compreendendo que ostratadosinternacionaisratificados
pelo Brasil, versem ou não sobre direitos humanos, assumiriam status jurídico
de lei ordinária.
Nada obstante, no ano de 2007, ao analisar o recurso extraordinário
nº 466.343 e o habeas corpus nº 90.172, o STF modificou seu posicionamento
quanto aos tratados internacionais sobre direitos humanos, passando a entender
que os mesmos gozam de status supralegal.
Por outro lado, para as convenções da OIT já ratificadas pelo Brasil
em momento anterior à Emenda Constitucional 45 de 2004, não haveria a
possibilidade de submissão das mesmas ao quórum qualificado previsto no art.
5º, § 3º, da CF, de modo que não poderiam tais instrumentos assumir caráter
formalmente constitucional, embora, para alguns
25
, possam ser materialmente
constitucionais, por integrarem o chamado “bloco de constitucionalidade”
inserto na cláusula aberta trazida no art. 5º, § 2º, da CF.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 61
Nesse sentido, sábios são os ensinamentos de Sarlet
26
(2007. p. 339):
De acordo com a interpretação mais afinada com o espírito
na norma contida no art. 5º, § 2º, da CF, vale lembrar que
a abertura material do catálogo de direitos fundamentais
abrange tanto direitos expressamente positivados em outras
partes do texto constitucional quanto sediados em tratados
internacionais, incluindo, de resto, os assim (genericamente) designados direitos implícitos, no sentido de posições
jusfundamentais não amparadas em texto constitucional
expresso (portanto, direitos não explicitados), aos quais o
constituinte se referiu ao mencionar direitos decorrentes do
regime e dos princípios da Constituição.
Restaria, apenas, a possibilidade de as convenções da OIT já ratificadas
assumirem o caráter legal, com status de lei ordinária; ou supralegais, estando
acima das leis, mas em posição inferior à constituição.
Defendemos que as convenções da OIT, com nítida índole humanística, por si já merecem status de materialmente constitucionais. Concordamos,
ainda, com a posição já citada por Sarlet no sentido da compulsoriedade na
submissão das convenções ratificadas pelo Brasil após a Emenda 45 de 2004
ao procedimento trazido pelo novel art. 5º, § 3º, da CF, passando a serem formalmente constitucionais.
Finalmente, para as convençõesjá ratificadas pelo Brasil em momento
anterior ao advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, concordamos que
tais tratados possuam, ao menos, hierarquia supralegal, conforme vem-se inclinando o STF.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
a) direitos humanos são o conjunto de normas e preceitos que
protegem o homem considerado em sua essência, tendo o
ser humano como seu titular e destinatário último, possuindo
como elemento nodal a dignidade da pessoa humana, sendo,
pois, universais e atemporais;
b) o surgimento da OIT se deu no âmago do Estado Social,
com vistas a promover patamares mínimos de proteção ao
trabalhador, sobrelevando sua dignidade;
c) os tratados internacionais são instrumentos escritos, elaborados
por sujeitos de Direito Internacional (Estados e Organismos
Internacionais), com vistas a tratar juridicamente de temas de
interesse comum. A denominação dada ao instrumento não é
relevante para sua caracterização como tratado;62 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
d) no âmbito da OIT dois são os instrumentos passíveis de serem
produzidos:
– a convenção, que é pacto vinculativo e passível de ser internalizado no âmbito dos Estados signatários,
– a recomendação, que não tem escopo vinculativo e deve ser
submetido ao parlamento dos Estados signatários para que produza norma interna sobre a matéria ou adote outras medidas
cabíveis.
e) as convenções da OIT são tratados internacionais de direitos
humanos, porque versam sobre direitos sociais;
f) a internalização das convenções da OIT no ordenamento
jurídico brasileiro, enquanto tratados internacionais de direitos
humanos, deve ser analisada em dois momentos distintos: o
primeiro se ratificadas anteriormente à Emenda Constitucional
45 de 2004 e o segundo se ratificadas após a referida Emenda;
g) se ratificadas posteriormente à Emenda Constitucional 45 de
2004, as convenções da OIT podem assumir status de emenda
constitucional, passando a integrar formalmente à Constituição,
desde que submetidas ao quórum qualificado de aprovação em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros. Podem, todavia,
assumir status de lei ordinária ou de norma supralegal;
h) se as convenções tiveram sido ratificadas anteriormente à
Emenda Constitucional não poderão, ao menos em princípio,
serem submetidas ao quórum qualificado previsto no art. 5º,
§ 3º, da CF, embora para alguns possam ter status materialmente
constitucional, com base no art. 5º, § 2º, da CF. Porém,
poderiam assumir caráter legal, equiparável a lei ordinária, ou
supralegal, acima das leis, mas abaixo da Constituição.
ciTações
1
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr,
1987, p. 119.
2
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:
LTr, 2006, p. 49.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 63
3
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:
Rideel, 2006, p. 259.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados
internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,
Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho
(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335.
5
DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 108.
6
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 334-335.
7
QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na
Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006, p. 34.
8
A menção feita a apenas três dimensões dos direitos humanos não exclui a doutrina que
admite a existência de uma quarta dimensão, tal como adotada por Paulo Bonavides,
no seu Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
9
CANÇADO, Antônio Augusto Trindade in PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o
direito constitucional internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Apresentação.
10
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004, p. 29.
11
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é
direito social – Curso de Direito do Trabalho. Marcus Orione Gonçalves Correia (org.).
Vol I. São Paulo: LTr, 2007, p. 23.
12
Dados históricos colhidos em SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. op. cit., p. 20-21.
13
SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 98-99.
14
Ibid., p. 108-111.
15
Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.
16
SÜSSEKINK, Arnaldo. op. cit., p. 112.
17
Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acessado em 26 de março
de 2010.
18
Idem.
19
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.
20
Idem.64 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
21
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 44.
22
Disponível em: <www.oitbrasil.orb.br>. Acessado em 06 de março de 2009.
23
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 43.
24
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual.
e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 90.
25
SARLET, Ingo Wolfgang e PIOVESAN, Flávia no Brasil e J.J. Gomes Canotilho,
na Europa.
26
op cit., p. 339.
ReFeRências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
DAVID ARAÚJO, Luis Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo:
LTr, 2006.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na
Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados
internacionais de direitos humanos – Direitos humanos e democracia. CLÈVE,
Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho
(orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações provadas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; GONÇALVES CORREIA, Marcus Orione. O que é
direito social – Curso de Direito do Trabalho. GONÇALVES CORREIA, Marcus
Orione (org.). vol I. São Paulo: LTr, 2007.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1987.
TORRIERI, Deocleciano Guimarães. Dicionário Técnico Jurídico. 8. ed. São Paulo:
Rideel, 2006.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 65
“A HOMENAGEM AOS ASCENDENTES COMO MOTIVO
JUSTO AO ACRÉSCIMO DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO ‘MOTIVADAMENTE’,
CONSTANTE DO ART. 57 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS,
À LUZ DA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA”
Rodolfo PamPlona filho
Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador – BA (TRT da Quinta Região)
Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da
Universidade Salvador – UNIFACS
Professor (licenciado) do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UCSAL – Universidade Católica de Salvador
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA – Universidade Federal da Bahia
Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA
Coordenador do Curso de Especialização em
Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm – BA
Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Cadeira 58) e da
Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira 27)
Autor de diversas Obras Jurídicas
heRmano fabRício oliveiRa Guanais e QueiRoz
Formado em Magistério pelo CNMP
Monitor do Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e
Assessor do Poder Executivo do Município de Palmeiras-Bahia
Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS)
Pós-graduado em Direito latu sensu pela Escola de Magistrados da Bahia (EMAB)
Advogado da Procuradoria do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC)
Ganhador de Menção Honrosa no Prêmio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães – 2004
Autor de diversos artigos jurídicos publicados na Revista Jurídica da Editora Síntese
do Rio Grande do Sul e na Revista Jurídica Eletrônica da UNIFACS
Coautor e organizador da obra “João da Paz”
Prefaciou a obra “Encontro com a Villa Bella das Palmeiras”
publicada pelo Governo do Estado da Bahia
“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: cada um
pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis
de se satisfazerem com qualquer outra coisa não acostumam desejar
mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se
enganem: mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem
julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que 66 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual, em todos os
homens; e portanto, a diversidade de nossas opiniões não decorre de
uns serem mais razoáveis que o outro, mas somente porque conduzimos
nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas
coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo
bem. As maiores almas são capazes de maiores vícios, assim como das
maiores virtudes; e aqueles que só caminham muito lentamente podem
avançar muito mais, se bem seguirem o caminho certo, do que aqueles
que correm e deles se afastam”.
René Descartes (Discurso do Método)
RESUMO: Tomando como ponto de partida a diversidade e equivocidade na análise
hermenêutica de alguns magistrados e membros do Ministério Público, a respeito do
requisito “motivadamente”, presente no art. 57 da Lei 6.015/73, que ao rechaçarem a
possibilidade de acréscimo de sobrenome, alegando ausência de justo motivo, tendo
por fundamento, causa de pedir, a homenagem aos antepassados, acabam por ensejar
retrocesso aos avanços da Ciência do Direito, é que este artigo trata da “Homenagem
aos ascendentes como motivo justo ao acréscimo de sobrenome: uma interpretação da
expressão ‘motivadamente’, constante do art. 57 da Lei de Registros Públicos, à luz da
hermenêutica pós-positivista”, tendo-se, pois, a hermenêutica como vertente norteadora
a explicitar que a homenagem aos ascendentes constitui, sim, motivo justo a acrescer
sobrenome que integra a linhagem familiar de quem requer.
PALAVRAS-CHAVE: homenagem aos ascendentes. motivo justo. acréscimo de sobrenome. hermenêutica. lei de registros públicos.
ABSTRACT: Starting on the diversity and ambiguity in the hermeneutics analysis of
some judges and members of the public prosecutor, regarding the induced’ requirement,
provided in art. 57 of Law 6,015/73, that rejects the possibility of inclusion of a
surname, claiming the lack of due cause, based, in the cause of action, a tribute to the
ancestors, ultimately setbacks the advances of law, is that this article deals with “Honor
to the ancestors as a due cause to the inclusion of surname: an interpretation of the
term ‘induced’, in the art. 57 of the Public Records Law, in the light of hermeneutics
post-positivist “ therefore, hermeneutics as the guiding part to clarify that the tribute
to the ancestors is a good cause, in adding surname lineage that includes his family.
KEY-WORDS: tribute to the ancestors. just cause. inclusion of surname. hermeneutics.
law of public records.
SUMÁRIO: 1 Intróito; 2 A importância da hermenêutica no contexto jurídico
pós-positivista; 3 A função do nome e a relativização da sua imutabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro; 4 O art. 57 da Lei 6.015/73 e a possibilidade de
acréscimo de sobrenome: uma interpretação jurisprudencial; 5 O alcance conceitual
da expressão “motivadamente”: uma revelação hermenêutica; 6 A homenagem aos
ascendentes como motivo razoável a justificar o acréscimo de sobrenome e a equivocidade interpretativa de alguns magistrados e membros do Parquet: um retrocesso
hermenêutico?; 7 Considerações Finais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 67
1 INTRÓITO
Registra-se crescente, na ordem jurídica brasileira, a propositura de
ações de retificação em assentamento de registro civil, tendo como fundamento
o quanto estatuído no art. 57 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 2008b), a “conhecida”
Lei de Registros Públicos (LRP), que autoriza ao jurisdicionado requerer ao
Estado-juiz a alteração posterior de nome, desde que, por exceção e “motivadamente”, após a audiência do Ministério Público (MP).
Diante dessa previsão, ações são ajuizadas nas Varas de Registros
Públicos, pleiteando-se o acréscimo de qualquer um dos sobrenomes dos ascendentes ao nome do descendente que deseja lhes prestar homenagem ou até
mesmo ao seu núcleo familiar, ainda que já constante no seu os respectivos
sobrenomes identificadores dos seus progenitores, configurando-se, pois, tal
justificativa como justo motivo a embasar o acréscimo, consoante possibilita
a leitura e aplicação do art. 57 da LRP, sob as luzes da hermenêutica.
Para explicitação maior da temática proposta, este artigo discutirá, inicialmente, a importância da hermenêutica para o Direito na era pós-positivista,
destacando-se, após, a primordial função do nome e relativização da sua imutabilidade na ordem jurídica brasileira, por meio das inovadoras e avançadas
interpretações conferidas pela jurisprudência dos Tribunais pátrios, que, de
forma acertada, vem admitindo a homenagem aos ascendentes como “motivo
justo” a fundamentar o requerimento de acréscimo de sobrenome.
A seguir, será demonstrado que, por meio de elementos hermenêuticos
postos ao intérprete do Direito, notadamente aqueles relacionados à teoria
da linguagem e da argumentação, é possível extrair da expressão conceitual
“motivadamente” a justeza e a razoabilidade pelas quais se afirma a possibilidade de homenagear os ascendentes, promovendo-se a adição de mais um
dos sobrenomes dos genitores ao descendente que assim pretender. Por fim,
serão tecidas as necessárias críticas aos, data venia, equivocados posicionamentos manifestados por alguns membros do MP e magistrados brasileiros,
os quais, num retrocesso hermenêutico, reconhecem tal pedido como “mero
capricho pessoal”.
2 A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA NO CONTEXTO JURÍDICO
PÓS-POSITIVISTA
A hermenêutica é a ciência da interpretação, fixadora das condições
de potencialização das normas jurídicas, sendo, ao mesmo tempo, a reflexão, a
análise e a epistemologia da interpretação do Direito. Confere ao jurista instrumentos para a interpretação, sem, ao mesmo tempo, exercer atividade legislativa.
Sobressai o seu caráter epistemológico, sendo a interpretação a compreensão da 68 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
norma jurídica e a realidade que a ela se integra – concretização da norma
jurídica frente à realidade – e a hermenêutica, uma linguagem ideal que
traduz o Direito.
Originariamente, desde a Antiguidade, a expressão hermenêutica
possuía três significados: “dizer, explicar e traduzir”. Todos esses sentidos
pressupunham que o texto tivesse uma existência própria, que caberia ao intérprete apreender. Procurava-se, então, alcançar o que o autor do texto quis
dizer, qual a sua intenção, especialmente quando se referia à interpretação das
Sagradas Escrituras, em que se buscava a compreensão da exata vontade de
Deus, e também de obras literárias. (GADAMER, 1998)
Nos idos do século XVIII, Schleiermacher (1999) procurou desmistificar esse caráter fragmentário da hermenêutica, lançando as bases de uma
hermenêutica geral, destacando que todo indivíduo, quando se depara com
alguma obra, já leva consigo uma pré-compreensão, a do texto e do seu autor.
Afilosofia da consciência, pautada no idealismo cartesiano, encontrou na teoria
romântica de Schleirmacher uma nova concepção de hermenêutica, já de cunho
científico e universal, que privilegiava não apenas o texto escrito, mas também
toda expressão da linguagem, seja escrita ou falada, seja gestual ou simbólica.
Logo após, vários outros teóricos o sucederam, destacando-se Gadamer
(1998), o qual vem afirmar que não existe esta ideia de sentido objetivo do texto
nem do autor. Ele não estava preocupado com o método e sim com o processo
de compreensão: a partir do contato com o texto o leitor altera o seu sentido,
da mesma forma que o texto interfere no leitor. Esta interação vai formar o
círculo hermenêutico, interação recíproca entre o texto e o sujeito. Por esta
teoria, conclui-se que cada indivíduo poderia ter a sua própria norma, o que
não deixaria de ser uma ameaça à segurança jurídica.
Daí por diante, outras teorias surgiram, algumas reforçando as até
então predominantes, defendendo a necessidade de se buscar o “verdadeiro
significado da norma”, outras apontando para a importância da compreensão
zetética do Direito e não apenas dogmática. A nova hermenêutica de Gadamer
(1997) vai relevar, deste modo, a necessidade de observância do contexto para
interpretação do texto, não se podendo desvincular um do outro. Diante dessa
nova visão, não há nada mais incoerente do que a possibilidade de interpretação
baseada na busca da vontade da lei ou do legislador.
A nova hermenêutica, para livrar-se da insegurança jurídica que poderia
advir da teoria pura de Gadamer, buscou contemporizar com a teoria de Betti
(1990), a qual impunha limites a esta interpretação, de modo que o intérprete
não poderia transcender à literalidade do texto normativo.
O objeto da hermenêutica jurídica estava centrado no estudo e na sistematização de processos sobrepostos para determinar o sentido e o alcance das
expressões do Direito. A positivação das normas é realizada em termos gerais, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 69
estabelecendo regras, solidificando princípios, fixando normas, em linguagem
precisa, porém ampla, ensejadora de variadas interpretações. No escólio de
Habermas (1997, p. 297) a interpretação, tal qual as artes em geral, tem a sua
técnica, os seus meios para alcançar os fins pretendidos. Seu embasamento
adveio de princípios e regras desenvolvidos e aprimorados por meio da interpretação constante das noções vagas e imprecisas contidas na legislação. Diz-se
que “a arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma
ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia;
e a outra, especial, a Hermenêutica”.
Foram rompidos, desta maneira, os paradigmas do legislador racional,
do juízo subsuntivo, do pensamento lógico-dedutivo, da exegese e das teorias:
objetivista e subjetivista.
Neste contexto, superado historicamente o jusnaturalismo e percebendo-se
o declínio político do positivismo,surgiram vastos espaços para reflexõessobre
a interpretação como ato político, sob o respaldo da teoria da argumentação e da
função social do Direito, o pós-positivismo. Dentre seus objetivos primordiais,
sobreleva-se a necessidade de se repensar os aspectos da chamada nova hermenêutica, à luz da valorização dos princípios, desenvolvendo o esforço teórico
a fim de transformar o progresso filosófico em instrumental técnico-jurídico
aplicável aos problemas concretos, produzindo sobre eles efeitos positivos. A
expressão hermenêutica passou a significar o estudo da linguagem, baseando-se
na leitura e interpretação do homem num determinado contexto sócio-cultural,
a partir da sua historicidade e temporalidade.
A hermenêutica, concebida como uma teoria sobre a interpretação,
passa, efetivamente, a auxiliar o juiz na tarefa de bem pensar o Direito,
trazendo possibilidades para decidir democraticamente a melhor forma de
aplicar a justiça social. Daí, o que legitima uma decisão judicial é a sua
fundamentação razoável e coerente com a realidade, em sintonia com a
evolução dos tempos, dos fatos, das teorias e das necessidades do homem
como protagonista da história. E é a nova hermenêutica que conduzirá
os operadores do Direito à certeza de que a homenagem aos ascendentes
constitui, sim, motivo justo à adição de sobrenome.
3 A FUNÇÃO DO NOME E A RELATIVIZAÇÃO DA SUA IMUTABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Conforme melhor doutrina, a função primária do nome em nossa
sociedade, para além mesmo do direito fundamental da pessoa humana, diz
respeito à individualização do sujeito, titular de direitos e obrigações, sendo que
o princípio geral atinente à matéria, consagrado pela Lei de Registros Públicos
vigente, estabelece a imutabilidade do nome, compreendendo este termo tanto
o prenome quanto o nome de família ou patronímico. 70 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
No que tange ao prenome, somente situações excepcionais, como são
aquelas nas quais a designação expõe o indivíduo ao ridículo social ou homonímia,
entre outras, viabilizam a retificação judicial. Sobre tal temática, destaquem-se os
registros de NERY JÚNIOR e ANDRADE NERY (2003, p. 161):
[…] 9 Imutabilidade do nome. É a regra geral: feito o registro,
não mais se poderá modificar o nome. A alteração somente
será possível por autorização judicial, em casos excepcionais
(LRP 57). Os casos mais comuns de alteração do nome são:
a) homonímia, que prejudica a identificação do sujeito,
podendo trazer-lhe prejuízos econômicos e morais;
b) exposição ao ridículo, em decorrência de nomes ou de
combinações de nomes que possam constranger a pessoa
(LRP 55 par. ún., a contrario sensu);
c) acréscimo para melhor identificação da pessoa para fins
sociais e políticos (convivente que acrescenta aos seus o
apelido do companheiro – LRP 57 § 2º; político que acrescendo ao seu nome apelido pelo qual é conhecido junto a
seus eleitores – LRP 58 par. ún.);
d) proteção de vítima ou testemunha de crime, alteração
que é autorizada quando houver fundada coação ou ameaça
decorrente da colaboração para a apuração de crime (LRP
58 par. ún.; L 9.807/99 9º § 3º).
Essa imutabilidade do nome decorre do princípio da segurança jurídica.
Não obstante, há situações em que esse princípio pode ser relativizado, como forma de se efetivar princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana. Preserva-se o nome, traço basilar da personalidade, com o fim de não
se prejudicar a terceiros e os apelidos de família. É a partir dele que a pessoa
se relaciona consigo mesma, com outros e com o mundo, constituindo-se uma
representação simbólica da pessoa humana, dando-lhe um traço distintivo e
singular perante a universalidade de pessoas. Daí porque a sua imutabilidade
pode ser flexibilizada, quando o sujeito desejar e não gerar lesão à ordem pú-
blica brasileira, ainda mais por tratar-se de acréscimo de sobrenome e não de
mudança de prenome. (SWENSSON, 2003)
O prenome é, pois, inalterável. Mas, como exceção à regra, desde que
haja justo motivo e não se prejudiquem os apelidos de família, permite-se,
ouvido o MP, a retificação do nome civil no assento do nascimento no cartório
de registro civil. As hipóteses de mudança encontram-se nos artigos 55 a 58
da Lei nº 6.015/73 (BRASIL, 2008b).
Destaque-se que o art. 56 da LRP estabelece um prazo decadencial
para a alteração imotivada do nome, quando estabelece que
[…] o interessado, no primeiro ano após ter atingido a
maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique
os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa.Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 71
Para o exercício deste direito potestativo, não exige realmente a Lei
uma motivação peculiar para a pretensão deduzida em juízo.
Todavia, esta autorizada alteração imotivada de nome, porém, deve
ser entendida modus in rebus.
Isto porque o prenome, na forma do art. 58, é imutável relativamente,
somente podendo ser alterado em estritas hipóteses legais. Da mesma forma,
nesta hipótese de alteração espontânea, devem ser mantidos os apelidos de
família, o que limita também as possibilidades de modificação do nome,
sendo mais comum a incorporação de sobrenomes maternos ou de avós,
traduções de nomes estrangeiros ou transformações de prenomes simples
em compostos ou vice-versa.
Para o ajuizamento desta ação constitutiva negativa (retificação voluntária de registro de nome), além do prazo decadencial previsto de 1 ano, soa
imprescindível que o autor comprove, através de certidões negativas extraídas
de órgãos públicos, que não há qualquer intuito fraudulento a direito de terceiros
na sua pretensão de modificação de nome.
Ao se buscar razoável interpretação da lei, em consonância com os
ditames constitucionais, atentando-se ao referido princípio da definitividade,
deve-se ter em mente que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade. E a adição de sobrenome,
sob esta ótica, não tem o condão de prejudicar a individualização da pessoa.
Conforme posicionamento jurisprudencial emanado do Tribunal de
Justiça (TJ) de Minas Gerais:
O nome civil, em regra, é imutável. Todavia, a lei admite
exceções em determinadas circunstâncias, autorizando a
alteração […] É possível a alteração no registro de nascimento para acrescer ao nome do menor um apelido de família, embora avoengo. (BRASIL, 2008c; grifos nossos).
Já o Des. Nepomuceno Silva acrescenta:
A regra da imutabilidade do nome reveste-se de caráter
relativo, razão porque admissível sua integração pelo apelido de família paternal, que designa a linhagem da pessoa,
não se vislumbrando prejuízo a terceiros ou à ordem
pública, sendo que o acréscimo do patronímico evitará,
inclusive, a ocorrência de homonímia, já que o assento
original – bastante comum – mostra-se hábil à geração de
embaraços sócio-jurídicos. (AP 1.0372.04.007943-9/001;
Des. Nepomuceno Silva, publicação: 26.11.2004) (grifos
nossos).
Verifica-se do exame, ainda que perfunctório, das posições doutrinárias
e jurisprudenciais, que a regra da imutabilidade, especificamente o acréscimo
de sobrenome para homenagear ascendentes e preservação de linhagem, decorrente diretamente do dever de identificação, vem sendo amplamente suavizada.72 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Percebe-se, notadamente na jurisprudência, uma forte tendência no sentido de
admitir-se a alteração do registro civil mesmo quando não constatada a ocorrência
de erro cartorial, desde que motivadamente, não se prejudicando os apelidos de
família e nem se violando a ordem pública. (QUINTANILHA, 1981)
Tal posicionamento, à luz dos ensinamentos hermenêuticos, justifica-se
largamente, haja vista que, recentemente, o valor soberano do ordenamento jurí-
dico é de ser conferido à pessoa humana certa margem de liberdade na disposição
de seu sobrenome, particularizado por meio do direito personalíssimo de possuir
um nome como melhor lhe aprouver, por mais íntimo que esse pleito pareça
aos olhos de alguns representantes do Poder Judiciário e do MP. Neste sentido,
saliente-se o julgado do TJ do Rio Grande do Sul, o qual acolheu o requerimento de
mudança de nome,sob o argumento de que: “Amoderna compreensão de atributo
da personalidade cuida hoje da pessoa, superando a inflexibilidade da doutrina
reacionariamente patrimonialista que impedia a troca”. (RTJRGS 150/643)
Por fim, registra-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
(BRASIL, 2008b):
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA. PRODUÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO.
Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, o
princípio da imutabilidade do nome de família não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente, desde que presentes
a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério
Público, a alteração do patronímico, mediante sentença
judicial. No caso dos autos, atendidos os requisitos do artigo 57 c/c o parágrafo 1º do artigo 109 da Lei nº 6.015/73,
deve ser autorizada a produção de prova requerida pela
autora, quanto aos fatos que embasam o seu pedido inicial.
Recurso provido. (STJ – RESP 401138-MG – Rel. Min.
Castro Filho – DJU 12.08.2003 – p. 00219)”
Vê-se, a partir dos argumentos expostos, que a regra da imutabilidade
deve ser relativizada, como medida da mais lídima justiça.
4 O ART. 57 DA LEI 6.015/73 E A POSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO
DE SOBRENOME: UMA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL
Preambularmente, torna-se mister reiterar, neste tópico, que a hipótese
aqui defendida, a propositura de ação de retificação para acrescer sobrenome
de ascendente ao descendente, versa não sobre retificação, no sentido estritoRevista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 73
do termo (significando emenda, correção ou conserto, do nome), mas sobre a
possibilidade de acréscimo de patronímico dos ascendentes, como forma de
homenagear-lhes diante dos fortes laços de afeto que guardam.
Esse procedimento de jurisdição graciosa, previsto na Lei nº 6.015/73
(2008b), Título II, Capítulo XIV, obedece ao rito previsto no art. 109 e ss., encontrando amparo em seus arts. 56 e 57, caput, que assim versam, respectivamente:
Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou
retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em
petição fundamentada e instruída com documentos ou com
indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o
órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo
de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido
a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique
os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa.
Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do
Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a
que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração, pela imprensa. (grifos nossos)
A jurisprudentia, vetor de onde promana a admissibilidade da inclusão de sobrenome outro, já que fruto da hermenêutica, traduz, genericamente,
um Direito elaborado com prudência “como conhecimento moral, capaz de
sopesar, diante da mutabilidade das coisas, o valor e a utilidade delas, bem
como a correção e justeza do comportamento humano.” (FERRAZ JÚNIOR,
1980, p.19-20). A prudência revela uma racionalidade própria, cuja ferramenta
pontual é a dialética, enquanto arte das contradições e caminho coerente ao
desenvolvimento da tese ora sustentada.
No caso de ajuizamento de ação de retificação, desejando qualquer
cidadão adicionar ao seu nome o sobrenome de qualquer dos seus ascendentes,
com o objetivo único de dar continuidade ao nome da família, homenageando
os seus, não há razão para não se deferir tal pleito, mesmo porque não se está
infringindo nenhuma norma legal ou princípio da ordem jurídica brasileira,
ao contrário, há uma justa homenagem em favor da família pátria que, não se
pode obscurecer, está em intensa desintegração. Como decidido pelo TJ de São
Paulo, em acórdão publicado na Revista dos Tribunais(1997, p. 72): “Alei não
proíbe a adição de sobrenome”. 74 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
Observando-se tais orientações, interessa saber, no tema ora debatido,
se o acréscimo de outro sobrenome ou apelido de família, de ascendente paterno ou materno, ao nome de seu ascendente, encontra óbice no ordenamento
jurídico brasileiro.
Embora quando da lavratura da certidão de nascimento os genitores
revelem qual o sobrenome a ser adotado pelo filho, não há razão para que se
vede a possibilidade de inclusão de outro sobrenome que, de fato, pertença
àquele, o qual, já consciente de sua posição de cidadão, portador de direitos e
obrigações, pode manifestar esse anseio, apresentando, para efeito de controle
judicial, o motivo específico do pedido.
Sobre isso, a jurisprudência vem firmando o entendimento de que
poderá se incluir ao nome oficialmente registrado o sobrenome de qualquer
dos ascendentes, visando a perpetuar o nome de sua família e manter sua tradição. Além de identificar ainda mais o postulante na sociedade, integrar sua
personalidade, individualizá-lo, um outro sobrenome melhor indicará a sua
procedência familiar, identificando a sua origem, mesmo que remota.
Cabível, nesta senda, escorreita menção ao julgado oriundo do TJ/MG,
em que o apelante objetivava alterar o seu nome para homenagear o seu avô
paterno, justificando que foi este quem, efetivamente, lhe deu o carinho, criação
e amor de avô. Com suporte nesse argumento, decidiu a ilustre julgadora:
Nada mais justo e digno. Afinal o nome permite a continuidade no mundo de uma pessoa, dando-lhe a idéia de
eternidade, já que se transfere de geração para geração.
Não há no pedido do apelante qualquer capricho, apenas
uma justa homenagem a quem lhe tratou como verdadeiro neto. Manter o sobrenome de um avô biológico, mas
ausente, ao argumento de segurança jurídica, é descurar a
aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no
campo do registro público. O nome do avô adotivo possui
um significado afetivo muito maior para o apelante do que
o do avô biológico, daí porque não vislumbro razão para
se impedir a alteração, ainda mais que não há prejuízo
para terceiros e para os apelidos de família, já que será
preservado o sobrenome paterno e materno de seu nome.
(BRASIL, 2008d)
Segue a ementa do voto supramencionado:
RETIFICAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. ADIÇÃO DE PATRONÍMICO AO NOME.
ASCENDENTE DE FAMÍLIA TRADICIONAL NA
CIDADE. HOMENAGEM. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO
AOS APELIDOS DE FAMÍLIA. VIABILIDADE. Viável
é a adição do patronímico da avó materna de tradicional Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 75
família italiana da cidade no nome da apelante dada a
excepcionalidade do caso, máxime quando comprovada
que a inclusão em nada prejudica os apelidos de família,
e o pedido foi acompanhado de certidões negativas de
distribuição de ações cíveis, criminais e protestos, as quais
atestam a idoneidade da requerente. (APELAÇÃO CÍVEL
Nº 1.0518.03.043527-6/001 – COMARCA DE POÇOS
DE CALDAS – APELANTE(S): PATRÍCIA GOMES
BASTOS – PROCESSO SEM RÉUS CADASTRADOS
– RELATOR: EX.MO SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA). (BRASIL, 2008d)
A jurisprudência dos Pretórios brasileiros, manifesta-se remansosa,
nesse mesmo diapasão, verbo ad verbum:
Sabido que o prenome é imutável, nos termos do art. 58,
caput, da Lei nº 6.015/73, não havendo, todavia, qualquer
impedimento que os nomes sejam alterados, mediante determinação judicial, mormente quando o motivo
apontado se apresenta razoável, como no caso, onde se
busca homenagear as avós. Não existe qualquer norma
jurídica que impeça essa providência, salientando-se que
o disposto no artigo 56, da lei referida, ao estabelecer que
essa alteração não pode prejudicar os apelidos de família,
não obstaculiza, obviamente, o acréscimo ou a eliminação
de certos apelidos, mormente quando a pretensão busca,
na verdade, preservar os nomes de seus ascendentes. Essa
vedação tem o sentido exatamente contrário, qual seja o de
impedir que o requerente se desvincule de sua família. O
que não é o caso da apelante. Ademais, deve ser lembrado
que, em matéria de emprego de nomes, na falta de regra
expressa a respeito da adoção dos apelidos dos pais, impera
a tradição. Inobstante (sic) os argumentos aduzidos pelo
prolator da sentença e pelos representantes do Ministério
Público, entendo que os motivos invocados são razoáveis,
podendo, assim, a pretensão ser enquadrada na excepcionalidade prevista no artigo 57, da Lei dos Registros
Públicos, sendo, assim, lícita e admissível. Quando do
julgamento da apelação cível n.º 595026196 tive a oportunidade de salientar que, pelo exame dos dispositivos
que regem a matéria, que foram acima citados, apenas o
prenome é imutável, podendo, assim, o nome ser alterado, desde que a alteração se apresente motivada. É o
caso dos autos, já que a pretensão busca homenagear os
ascendentes. E a homenagem que se pretende prestar 76 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
aos avós maternos não pode ser repelida. Retificação
que, ao contrário do entendido, não desfiguraria o nome da
autora, não dificultaria a identificação imediata da origem
dos respectivos titulares e, muito menos, não caracterizaria
ameaça concreta à segurança jurídica que o nome de cada
um proporciona à sociedade. (O TJ/RS, Des. Tael João
Selistre, Ap Cível nº 033.810, sessão de 22.05.97, na 3ª
Câmara Cível). (grifos nossos) (BRASIL, 2008e)
Por seu turno, na Ap. Cível, nº 1997.013250-6, o Des. Gaspar Rubik,
do TJ/SC, decidiu:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – PEDIDO DE
INCLUSÃO DE SEGUNDO PRENOME OU, TECNICAMENTE, DE SOBRENOME, QUE NÃO SE CONFUNDE
COM O PATRONÍMICO OU APELIDO DE FAMÍLIA-
RECURSO PROVIDO. (Data: 26/03/1998) (BRASILf)
Alguns dispositivos infraconstitucionais revelam a presença, na linguagem das normas jurídicas, de signos e expressões vagos e essa circunstância
torna a atividade de interpretação e aplicação do Direito, sobretudo na jurisprudência, bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos,
sociais e políticos de uma comunidade.
5 O ALCANCE CONCEITUAL DA EXPRESSÃO “MOTIVADAMENTE”:
UMA REVELAÇÃO HERMENÊUTICA
A grande discussão acerca da admissibilidade ou não do acréscimo de
sobrenome, objetivando a homenagem a ascendentes por descendentes, tem sua
gênese na expressão “motivadamente”, constante do art. 57 da Lei 6.015/73,
cuja interpretação atribuída em alguns julgados vem se revelando contrária aos
ditames da hermenêutica jurídica pós-positivista.
O Direito, como instrumento de comunicação que é, traz em si um
forte poder de violência simbólica, expressado por meio dos signos linguísticos
contidos nas normas jurídicas. Sob este prisma, o signo deve ser visto não como
uma unidade semântica isolada, mas como uma ideia de ligação significativa
de certos conjuntos de signos linguísticos.
Partindo de uma análise do signo linguístico “motivadamente”, fincada
na trilogia semiótica, que é subdivida em semântica, sintática e pragmática,
chega-se ao alcance conceitual de tal expressão.
No plano semântico, os termos lingüísticos são considerados em seu
aspecto referente à realidade e ao contexto em que são colocados, buscando-se Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009 77
o significado e o sentido da palavra, também por meio do dicionário, posto
que, em algumas vezes, a palavra é imprecisa, ainda mais quando integrante
da norma jurídica formulada por meio de orações e enunciados vagos.
Nesta linha, a expressão “motivadamente”, sob a luz do dicionário,
significa “expor ou explicar a razão ou motivo de; fundamentar.” (FERREIRA,
p. 1988). No entanto, a semântica da linguagem do Direito não se resume apenas
em um tecnicismo oriundo de dicionário, mas também na evolução e dinâmica
dos conceitos, materializadas na contínua elaboração de leis, as quais criam e
recriam novas terminologias, para representarem novos fatos jurídicos, objeto
de estudo da doutrina e da jurisprudência que, ininterrupta e elogiosamente,
no pleno exercício da hermenêutica, fixam diretrizes interpretativas das novas
expressões incorporadas à linguagem do Direito. Destaca Ferraz Júnior (2007,
p. 256) que: “A determinação do sentido das normas, o correto entendimento
do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de
conflitos constitui a tarefa dogmática da hermenêutica.”
Assim, norteado por uma hermenêutica coerente com a evolução do
Direito, não se pode conceber o equivocado entendimento de que o signo
“motivadamente” implicitamente signifique o sintagma “motivo justo”, como
se vem fazendo aleatoriamente. Ainda mais porque “motivo justo”, para a
hipótese de requerimento de acréscimo de sobrenome, tem sido erroneamente
interpretado como “capricho pessoal”, “mero capricho”, “ausência de motivação
séria e excepcional”. Entretanto, nesses casos, o princípio a ser aplicado é o
de que deve, em regra, ser deferida a retificação do nome quando, além de não
ser expressamente proibida por lei, melhora a situação social do interessado e
não acarreta prejuízo à ordem pública nem a terceiro.
No plano da sintática, sob os ventos da interpretação gramatical, o
vocábulo é considerado a partir do sistema no qual está inserido, observando-se
uma determinação dos múltiplos sentidos das expressões utilizadas no Direito.
Na concepção de Ferraz Júnior (1991), as questões sintáticas dizem respeito a
problemas de conexão das palavras nas sentenças: questões léxicas; e à conexão de uma expressão com outras dentro de um contexto: questões lógicas; e
à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.
A primeira questão analisada pelo aludido jurista vem afirmar que a
ordem das palavras e a forma pela qual elas estão atreladas no texto são de suma
relevância para se extrair o significado da norma. Com base nessa premissa, ao
verificar-se o texto do art. 57, nota-se que a palavra “motivadamente” está ao
lado da expressão “por exceção e”. Daí uma das causas de atribuir-se àquele
vocábulo um sentido negativo como o é este último. É a partir disso que
alguns operadores do Direito, de maneira infeliz, defendem que a expressão 78 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região – jan./dez. de 2009
“motivadamente” quer significar, para a hipótese de acréscimo do sobrenome,
o sintagma “motivo justo”, que, por sua vez, estaria relacionada somente às
situações excepcionais de alteração de prenome.
Não se leva em conta, em vista dessa má interpretação, que os motivos
que impulsionam osjurisdicionados a buscarem no Judiciário a modificação, por
mínima que seja, de algo tão pessoal quanto o próprio nome, são, algumas vezes,
de foro exclusivamente íntimo, sem correspondência, portanto, a uma situação
objetiva necessariamente de dificuldade ou humilhação – a excepcionalidade
supramencionada. Apenas quem requer tal acréscimo pode mensurar o quanto
lhe afeta constar em seu nome o sobrenome daqueles que tanto contribuíram
para a sua formação como pessoa humana.
Ademais,de relaçãoàpartícula aditiva “e”,presentena locução“por exceção
e motivadamente”, segundo Vilanova (1969), sua função sintático-gramatical
tem relevância formal e, por vezes, confere ambiguidade ao texto, o que compromete a significância de outras palavras a ela conectadas.
No terceiro e último plano, dentro dos estudos da semiótica ou semiologia, tem-se a pragmática, nascida da relação firmada entre os signos e as
pessoas que deles se utilizam, a fim de que a comunicação entabulada entre os
comunicadores alcance a sua finalidade: a sua exata compreensão nos moldes
em que foi transmitida. Sob este enfoque, e voltando-se para a temática proposta, questiona-se, por exemplo, como é que o emissor e o receptor do elemento

