TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 4ª REGIÃO  – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba   Ação de Consignação – Indefinição

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 4ª REGIÃO – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba Ação de Consignação – Indefinição

do Credor – Carência

 

 

 

COMENTÁRIOS: Nicanor Sena Passos

 

A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por maioria de votos, vencido o Juiz-Relator, afastou a hipótese de carência de ação arguida por uma das partes envolvidas em lide na qual se discutia sobre ilicitude ou não de depósitos, via ação de consignação em pagamento, dos descontos assistenciais.

 

Dessume-se do aresto que a consignante, entidade benemerente, não sabia a quem deveria “pagar”, razão pela qual, a fim de não correr o risco de ter que pagar duas vezes e buscando evitar o enriquecimento ilícito, fora proposta a ação.

 

O juízo a quo, ante a incerteza da consignante e à complexidade da matéria, julgou-a carecedora da ação e extinguiu o processo sem adentrar ao mérito, por lhe faltar interesse processual.

 

Não custa frisar, a consignação em pagamento tem sede no art. 895 do CPC: Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito. No mesmo sentido caminha o art. 973 do Estatuto Civil brasileiro: A consignação tem lugar se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento.

 

Insta observar que o aresto fustigado fala em desautorização dos descontos por parte dos empregados da consignante à entidade profissional hipoteticamente credora daqueles valores.

 

Assim, porque o Regional determinou o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito na forma da lei, é de todo conveniente traçarmos aqui, nestes curtos comentários, o rito processual a ser seguido pelo órgão a quo.

 

Restando claro que há dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, a consignante deverá requerer o depósito e a citação dos que o disputam (= empregados e respectivo sindicato profissional) para provarem o seu direito — cf. art. 895 do CPC, supletivo à CLT, ex-vi do art. 769 desta.

 

Na contestação, poderá o sindicato consignado alegar que não houve recusa ou mora em receber a quantia devida ou que o depósito não se efetuou no prazo ou lugar do pagamento, se for o caso (art.896, I e III, do CPC). Quanto aos empregados, por óbvio, poderão alegar: que foi justa a recusa ou, ainda, que o depósito não é integral (art. 896, II e IV, do CPC). Porém, é lícito a autora consignante completá-lo, dentro de dez dias (art. 899, CPC).

 

Alegada a insuficiência do depósito, poderão os empregados levantar, desde logo, a quantia depositada, com a consequente liberação parcial da consignante, prosseguindo o processo quanto à parcela tida como controversa (exegese do § 1º do art. 899, CPC).

 

E se o Juiz do Trabalho concluir pela insuficiência do depósito deverá, na sentença, determinar, sempre que possível, o montante devido. Neste caso, a decisão valerá como título executivo, hipótese em que poderá mover, de ofício, a execução nos mesmos autos.

 

De qualquer modo, os empregados só poderão aventar a hipótese do inciso IV do art. 896, se e somente se indicarem o montante que entendem devido (cf. parágrafo único do art. 896 do CPC, com a redação da Lei nº 8.951/94).

 

Não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o Juiz do Trabalho deverá julgar procedente o pedido de consignação, declarará extinta a obrigação e condenará o(s) réu(s) nas custas processuais (exegese do art. 897 do CPC, subsidiário à CLT). Proceder-se-á do mesmo modo se o(s) credor(es) receber(em) e der(em) quitação — cf. parágrafo único do mencionado artigo.

 

– Quid se a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber e não comparecer nenhum pretendente aos depósitos? Se tal ocorrer, deverá o Juízo converter o depósito em bens de ausentes? Com a palavra os doutos. De qualquer modo, entendemos não ser aplicável a primeira parte do art. 898 do CPC no processo trabalhista.

 

Situação oposta ocorrerá se comparecer apenas um dos pretendentes: o juiz deverá decidir de plano. E se comparecer mais dum pretendente, deverá declarar efetuado o depósito e extinta a obrigação — cf. art. 898, in fine, CPC.

 

Eis, a rápida tintas, o rito a ser traçado no prosseguimento do feito de que trata o aresto comentado, cuja prolação constitui verdadeira aula processual. Vale a pena conferir a sua íntegra.

 

 

 

 

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

 

 

 

 

ACÓRDÃO Nº RO 94.014017-9

 

 

 

 

EMENTA

 

 

 

 

Ação de consignação em pagamento motivada por dúvida acerca de quem seja o credor. Carência de ação por ausência de interesse processual declarada em 1º grau que ora se afasta. Hipótese em que a consignante, Comissão Municipal de amparo à Infância – COMAI, entidade beneficente de Caxias do Sul, teve manifestada por seus empregados a oposição expressa a que fosse efetuado o desconto assistencial em favor do Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, previsto em decisão normativa. Efetuado o desconto sobre o salário dos empregados, e estabelecida a controvérsia acerca da titularidade daquele valor, se do sindicato ou dos empregados descontados, optou a entidade por consignar a importância em Juízo, amparada no que dispõem os artigos 972 e 973, IV, do Código Civil, e 895 do Código de Processo Civil. Ainda que acertada a tese de que a dúvida infundada, decorrente de “fantasia, má-fé ou malícia do devedor” não justifica o remédio processual adotado, tem-se que não é esta a hipótese dos autos. A discussão acerca de ser ou não lícito o desconto assistencial quando há oposição do empregado é controvertida na doutrina e na jurisprudência, justificando-se mais ainda a dúvida quando a questão se apresenta para o corpo diretivo de uma entidade benemerente como é a consignante, supostamente composto por leigos em Direito. Não se podendo supor a má-fé na atitude da recorrente, ainda mais por se tratar de uma entidade benemerente voltada não para o lucro, mas para a assistência social, tem-se como procedente o remédio processual buscado para solucionar o impasse ante a incerteza da titularidade do crédito. Recurso a que se dá provimento para, afastando a carência de ação declarada em 1º grau, determinar o retorno dos autos à Junta de origem para o prosseguimento do feito na forma da lei.

 

 

 

 

Vistos e relatados estes autos de recurso ordinário, interposto de decisão da MM. 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Caxias do Sul, sendo recorrente Comissão Municipal de Amparo à Infância – COMAI e recorridos Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, Alceu Marchioro e Alex Carane e outros.

 

Inconformada com a decisão de primeiro grau, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, recorre a consignante, aduzindo ser procedente o ajuizamento da presente ação de consignação em pagamento, face à dúvida de quem deva receber os valores descontados a título de contribuição assistencial, tendo em vista que os empregados desautorizaram tal desconto.

 

Existe contradita nas fls. 236/238 e 241/243.

 

O Ministério Público do Trabalho, na fl. 252, opina pelo conhecimento e não-provimento do recurso.

 

É o relatório, aprovado em sessão.

 

Isto posto:

 

Enfrenta-se, na presente demanda, hipótese onde a recorrente, na dúvida sobre a quem atender, se ao Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, que exigia o repasse do desconto assistencial previsto na cláusula trigésima terceira (fl. 55) da decisão normativa juntada com a inicial, ou aos empregados nominados nesta ação, que opuseram formalmente a que fossem efetuados tais descontos, conforme se vê pelas manifestações de fls. 06/42, optou por efetuar os descontos e depositar a quantia respectiva em Juízo, para que as partes interessadas discutissem a titularidade do crédito. Buscaria a consignante, com tal procedimento, ver desde logo extinta a sua obrigação.

 

A sentença extinguiu o processo sem julgamento do mérito, entendendo que a entidade beneficente autora da ação de consignação era carecedora de ação, por faltar-lhe interesse processual. Segundo o Juízo de origem, para justificar a ação de consignação em pagamento motivada por dúvida acerca de quem seja o credor, esta deve ser razoável, e não decorrente de “fantasia, malícia, ou má-fé do devedor”.

 

Preceitua o artigo 972 do Código Civil: “considera-se pagamento, e extingue a obrigação o depósito judicial da coisa devida, nos casos e forma legais”. Já o artigo 973 dispõe que “A consignação tem lugar: (...) IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento”.

 

Também o artigo 895 do Código de Processo Civil prevê a hipótese dos autos, ao dispor:

 

“Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito”.

 

É coerente a posição da sentença de que esta dúvida referida na legislação deva ser razoável, e não decorrente de mero capricho do credor, que fosse assim poderia buscar na proteção legal à incerteza acerca da titularidade do crédito um meio para dificultar o recebimento da coisa pelo credor. Vê-se que a sentença, ao motivar a respeitável decisão tomada, muitas vezes buscou nos ensinamentos de Adroaldo Furtado Fabrício, em seus “Comentários ao Código de Processo Civil – Volume VIII – Tomo III”, os fundamentos necessários ao julgamento da lide.

 

Ao reconhecer, contudo, como injustificada a dúvida do autor no caso dos autos, dizendo inexistente o interesse de agir, o Juízo de origem foi além mesmo do que ensina o precitado mestre em sua obra.

 

Com efeito, a fundamentação da sentença a princípio indica absoluta filiação do julgador de origem à tese preconizada por Adroaldo Furtado Fabrício, tantas vezes nela citado e transcrito. À página 131 dos “Comentários ao Código de Processo Civil – Volume VIII, Tomo III” (Fabrício, Adroaldo Furtado; Rio de Janeiro; Forense; 1980), ao analisar a questão da natureza da dúvida a que se refere o artigo 895 do CPC, afirma aquele autor: “Não exige a lei que a dúvida seja “séria”, ou “fundada”. A sentença, no mesmo sentido, fez constar da fundamentação: “A lei, contudo, não exige que a dúvida seja séria ou fundada” (fl. 226). Ainda às mesmas páginas aqui referidas, tanto do livro quanto da sentença, lê-se: “como no conceito também se compreende a dúvida puramente subjetiva, poderia tornar-se difícil e arriscada qualquer tentativa de, no texto legal, qualificar-se a dúvida” (no livro), e “A lei processual não definiu a dúvida, sendo óbvias as dificuldades, e até mesmo o risco, a que se tente, a partir do texto legal, tipificá-la em suas várias facetas” (na sentença).

 

Embora pareça haver total comunhão de opiniões, diverge a sentença da interpretação que faz o precitado autor do conceito de “dúvida razoável”, quando afirma, ao longo da fundamentação, que “em regra, a ignorância pura do direito, e a incerteza meramente subjetiva sobre a identidade de quem deva receber não é valorável juridicamente e não dá azo ao procedimento consignatório”. Já Adroaldo Furtado Fabrício, embora a sentença não o refira neste ponto, entende que “Não é óbice à aplicação do artigo (895 do CPC) ou à admissibilidade da consignação o tratar-se de dúvida envolvendo questão de direito. A proteção legal dispensada ao devedor vacilante representa, para o efeito de que se trata, uma derrogação do princípio ignorantia iuris nocet; não fora assim, ficaria excluída a incerteza subjetiva, que por vezes pode ser gravíssima e, para o homem mediano, insuperável”. Ambos os excertos acima transcritos encontram-se nas mesmas páginas antes referidas tanto da sentença, quanto dos “Comentários ao CPC”.

 

Parece-nos mais acertado, sobre a matéria, o entendimento adotado pelo precitado jurista do que aquele da sentença.

 

Dizer-se injustificada a dúvida na matéria debatida nos autos, onde se discute se é devido o recolhimento de desconto assistencial ao sindicato ainda que haja expressa oposição dos empregados, parece excessivamente rigoroso para com a consignante. Se a celeuma acerca desta quaestio juris impera mesmo na doutrina e na jurisprudência, fontes formais de direito que emanam de pessoas de notório saber jurídico, poder-se-ia exigir uma posição firme a respeito da questão do corpo diretivo da “Comissão Municipal de Amparo à Infância”, entidade beneficente de Caxias do Sul, autora da presente ação de consignação?

 

De outro lado, não pode a sentença pressupor, como de fato pressupôs, que a alegada dúvida decorreria aqui de “fantasia, malícia ou má-fé do devedor”.

 

Não parece que a consignante esteja agindo de má-fé ou maliciosamente, pois de seu procedimento não logra nenhum benefício, já que, de qualquer forma, consignou o valor dos descontos em Juízo. Não se percebe qualquer outro objetivo da autora desta ação senão a certeza de não se ver constituída em mora, ou de afastar o risco de vir a pagar duas vezes por ter pago, diante da incerteza que a sentença não vê no direito de ser dirimida, a quem não era credor de direito. Lembre-se, ainda, que a consignante é uma entidade de amparo à infância, sem fins lucrativos, não havendo razão para que pautasse suas atitudes, supostamente assistenciais, pela malícia e má-fé.

 

Forçoso reconhecer, assim, a plausibilidade da dúvida que ensejou a presente ação de consignação em paga-mento.

 

Nesse sentido, aliás, a decisão proferida por este egrégio Tribunal, ao julgar, em 02.06.86, o Processo TRT-2164/84. A ementa deste acórdão, cujo Relator foi o hoje Ministro Ermes Pedrassani, é do seguinte teor:

 

“Desconto de contribuição assistencial instituída por acordo coletivo de trabalho. Ajuizamento pelo empregador de ação de consignação em pagamento em face da dúvida sobre quem deveria legitimamente receber o pagamento, os empregados ou a Federação. Tal dúvida restou evidenciada por motivo da oposição dos empregados ao desconto realizado e a jurisprudência trabalhista, como é notório, está dividida no âmbito Regional sobre a possibilidade do empregado opor-se ao desconto, quando inexistente qualquer ressalva nesse sentido na cláusula de dissídio coletivo. Se a dúvida é procedente, deve o juiz aplicar a parte final do disposto no art. 898 do CPC: quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber...; comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores, caso em que se observará o procedimento ordinário. Não cabe desde já o exame do mérito sobre a quem pertence a quantia consignada, pois isso importaria em supressão de instância.

 

Julga-se, pois, mantido o depósito e extinta a obrigação da consignante e se determina a baixa do processo à Instância de origem para o prosseguimento da demanda entre os credores, na forma prevista no artigo 898 do CPC” (in Revista do TRT 4ª Região, vol. 20, 1987, págs. 59/64).

 

Merece solução idêntica a presente demanda, já que idêntico também é o suporte fático de ambas as ações, ressaltando-se apenas a diferença de que naquela ocasião o Juízo de origem havia julgado improcedente (e não extinta sem julgamento do mérito) a ação de consignação, ao fundamento de que era ilícito o desconto efetuado sem a autorização dos empregados (o que bem demonstra a razoabilidade da dúvida da ora consignante acerca de a quem deveria “pagar”).

 

Dá-se, pois, provimento ao recurso, para afastar a carência de ação, determinando o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do feito na forma da lei.

 

Ante o exposto,

 

Acordam os Exmos. Juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por maioria de votos, vencido o Exmo. Juiz-Relator, em dar provimento ao recurso para, afastando a carência de ação, determinar o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do feito na forma da lei.

 

Intimem-se.

 

Porto Alegre, 10 de abril de 1996.

 

Gelson de Azevedo

 

Presidente

 

Fabiano de Castilhos Bertoluci

 

Relator Designado

 

Ciente:

 

Ministério Público do Trabalho

 

(*) RDT 09/96, p. 39

Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba
Advocacia Especializada – Robson Zavadniak advogado
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do Credor – Carência

 

COMENTÁRIOS: Nicanor Sena Passos

 

A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por maioria de votos, vencido o Juiz-Relator, afastou a hipótese de carência de ação arguida por uma das partes envolvidas em lide na qual se discutia sobre ilicitude ou não de depósitos, via ação de consignação em pagamento, dos descontos assistenciais.

 

Dessume-se do aresto que a consignante, entidade benemerente, não sabia a quem deveria “pagar”, razão pela qual, a fim de não correr o risco de ter que pagar duas vezes e buscando evitar o enriquecimento ilícito, fora proposta a ação.

 

O juízo a quo, ante a incerteza da consignante e à complexidade da matéria, julgou-a carecedora da ação e extinguiu o processo sem adentrar ao mérito, por lhe faltar interesse processual.

 

Não custa frisar, a consignação em pagamento tem sede no art. 895 do CPC: Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito. No mesmo sentido caminha o art. 973 do Estatuto Civil brasileiro: A consignação tem lugar se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento.

 

Insta observar que o aresto fustigado fala em desautorização dos descontos por parte dos empregados da consignante à entidade profissional hipoteticamente credora daqueles valores.

 

Assim, porque o Regional determinou o retorno dos autos à instância de origem para o prosseguimento do feito na forma da lei, é de todo conveniente traçarmos aqui, nestes curtos comentários, o rito processual a ser seguido pelo órgão a quo.

 

Restando claro que há dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, a consignante deverá requerer o depósito e a citação dos que o disputam (= empregados e respectivo sindicato profissional) para provarem o seu direito — cf. art. 895 do CPC, supletivo à CLT, ex-vi do art. 769 desta.

 

Na contestação, poderá o sindicato consignado alegar que não houve recusa ou mora em receber a quantia devida ou que o depósito não se efetuou no prazo ou lugar do pagamento, se for o caso (art.896, I e III, do CPC). Quanto aos empregados, por óbvio, poderão alegar: que foi justa a recusa ou, ainda, que o depósito não é integral (art. 896, II e IV, do CPC). Porém, é lícito a autora consignante completá-lo, dentro de dez dias (art. 899, CPC).

 

Alegada a insuficiência do depósito, poderão os empregados levantar, desde logo, a quantia depositada, com a consequente liberação parcial da consignante, prosseguindo o processo quanto à parcela tida como controversa (exegese do § 1º do art. 899, CPC).

 

E se o Juiz do Trabalho concluir pela insuficiência do depósito deverá, na sentença, determinar, sempre que possível, o montante devido. Neste caso, a decisão valerá como título executivo, hipótese em que poderá mover, de ofício, a execução nos mesmos autos.

 

De qualquer modo, os empregados só poderão aventar a hipótese do inciso IV do art. 896, se e somente se indicarem o montante que entendem devido (cf. parágrafo único do art. 896 do CPC, com a redação da Lei nº 8.951/94).

 

Não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o Juiz do Trabalho deverá julgar procedente o pedido de consignação, declarará extinta a obrigação e condenará o(s) réu(s) nas custas processuais (exegese do art. 897 do CPC, subsidiário à CLT). Proceder-se-á do mesmo modo se o(s) credor(es) receber(em) e der(em) quitação — cf. parágrafo único do mencionado artigo.

 

– Quid se a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber e não comparecer nenhum pretendente aos depósitos? Se tal ocorrer, deverá o Juízo converter o depósito em bens de ausentes? Com a palavra os doutos. De qualquer modo, entendemos não ser aplicável a primeira parte do art. 898 do CPC no processo trabalhista.

 

Situação oposta ocorrerá se comparecer apenas um dos pretendentes: o juiz deverá decidir de plano. E se comparecer mais dum pretendente, deverá declarar efetuado o depósito e extinta a obrigação — cf. art. 898, in fine, CPC.

 

Eis, a rápida tintas, o rito a ser traçado no prosseguimento do feito de que trata o aresto comentado, cuja prolação constitui verdadeira aula processual. Vale a pena conferir a sua íntegra.

 

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

 

ACÓRDÃO Nº RO 94.014017-9

 

EMENTA

 

Ação de consignação em pagamento motivada por dúvida acerca de quem seja o credor. Carência de ação por ausência de interesse processual declarada em 1º grau que ora se afasta. Hipótese em que a consignante, Comissão Municipal de amparo à Infância – COMAI, entidade beneficente de Caxias do Sul, teve manifestada por seus empregados a oposição expressa a que fosse efetuado o desconto assistencial em favor do Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, previsto em decisão normativa. Efetuado o desconto sobre o salário dos empregados, e estabelecida a controvérsia acerca da titularidade daquele valor, se do sindicato ou dos empregados descontados, optou a entidade por consignar a importância em Juízo, amparada no que dispõem os artigos 972 e 973, IV, do Código Civil, e 895 do Código de Processo Civil. Ainda que acertada a tese de que a dúvida infundada, decorrente de “fantasia, má-fé ou malícia do devedor” não justifica o remédio processual adotado, tem-se que não é esta a hipótese dos autos. A discussão acerca de ser ou não lícito o desconto assistencial quando há oposição do empregado é controvertida na doutrina e na jurisprudência, justificando-se mais ainda a dúvida quando a questão se apresenta para o corpo diretivo de uma entidade benemerente como é a consignante, supostamente composto por leigos em Direito. Não se podendo supor a má-fé na atitude da recorrente, ainda mais por se tratar de uma entidade benemerente voltada não para o lucro, mas para a assistência social, tem-se como procedente o remédio processual buscado para solucionar o impasse ante a incerteza da titularidade do crédito. Recurso a que se dá provimento para, afastando a carência de ação declarada em 1º grau, determinar o retorno dos autos à Junta de origem para o prosseguimento do feito na forma da lei.

 

Vistos e relatados estes autos de recurso ordinário, interposto de decisão da MM. 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Caxias do Sul, sendo recorrente Comissão Municipal de Amparo à Infância – COMAI e recorridos Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, Alceu Marchioro e Alex Carane e outros.

 

Inconformada com a decisão de primeiro grau, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, recorre a consignante, aduzindo ser procedente o ajuizamento da presente ação de consignação em pagamento, face à dúvida de quem deva receber os valores descontados a título de contribuição assistencial, tendo em vista que os empregados desautorizaram tal desconto.

 

Existe contradita nas fls. 236/238 e 241/243.

 

O Ministério Público do Trabalho, na fl. 252, opina pelo conhecimento e não-provimento do recurso.

 

É o relatório, aprovado em sessão.

 

Isto posto:

 

Enfrenta-se, na presente demanda, hipótese onde a recorrente, na dúvida sobre a quem atender, se ao Sindicato dos Empregados em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, que exigia o repasse do desconto assistencial previsto na cláusula trigésima terceira (fl. 55) da decisão normativa juntada com a inicial, ou aos empregados nominados nesta ação, que opuseram formalmente a que fossem efetuados tais descontos, conforme se vê pelas manifestações de fls. 06/42, optou por efetuar os descontos e depositar a quantia respectiva em Juízo, para que as partes interessadas discutissem a titularidade do crédito. Buscaria a consignante, com tal procedimento, ver desde logo extinta a sua obrigação.

 

A sentença extinguiu o processo sem julgamento do mérito, entendendo que a entidade beneficente autora da ação de consignação era carecedora de ação, por faltar-lhe interesse processual. Segundo o Juízo de origem, para justificar a ação de consignação em pagamento motivada por dúvida acerca de quem seja o credor, esta deve ser razoável, e não decorrente de “fantasia, malícia, ou má-fé do devedor”.

 

Preceitua o artigo 972 do Código Civil: “considera-se pagamento, e extingue a obrigação o depósito judicial da coisa devida, nos casos e forma legais”. Já o artigo 973 dispõe que “A consignação tem lugar: (…) IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento”.

 

Também o artigo 895 do Código de Processo Civil prevê a hipótese dos autos, ao dispor:

 

“Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito”.

 

É coerente a posição da sentença de que esta dúvida referida na legislação deva ser razoável, e não decorrente de mero capricho do credor, que fosse assim poderia buscar na proteção legal à incerteza acerca da titularidade do crédito um meio para dificultar o recebimento da coisa pelo credor. Vê-se que a sentença, ao motivar a respeitável decisão tomada, muitas vezes buscou nos ensinamentos de Adroaldo Furtado Fabrício, em seus “Comentários ao Código de Processo Civil – Volume VIII – Tomo III”, os fundamentos necessários ao julgamento da lide.

 

Ao reconhecer, contudo, como injustificada a dúvida do autor no caso dos autos, dizendo inexistente o interesse de agir, o Juízo de origem foi além mesmo do que ensina o precitado mestre em sua obra.

 

Com efeito, a fundamentação da sentença a princípio indica absoluta filiação do julgador de origem à tese preconizada por Adroaldo Furtado Fabrício, tantas vezes nela citado e transcrito. À página 131 dos “Comentários ao Código de Processo Civil – Volume VIII, Tomo III” (Fabrício, Adroaldo Furtado; Rio de Janeiro; Forense; 1980), ao analisar a questão da natureza da dúvida a que se refere o artigo 895 do CPC, afirma aquele autor: “Não exige a lei que a dúvida seja “séria”, ou “fundada”. A sentença, no mesmo sentido, fez constar da fundamentação: “A lei, contudo, não exige que a dúvida seja séria ou fundada” (fl. 226). Ainda às mesmas páginas aqui referidas, tanto do livro quanto da sentença, lê-se: “como no conceito também se compreende a dúvida puramente subjetiva, poderia tornar-se difícil e arriscada qualquer tentativa de, no texto legal, qualificar-se a dúvida” (no livro), e “A lei processual não definiu a dúvida, sendo óbvias as dificuldades, e até mesmo o risco, a que se tente, a partir do texto legal, tipificá-la em suas várias facetas” (na sentença).

 

Embora pareça haver total comunhão de opiniões, diverge a sentença da interpretação que faz o precitado autor do conceito de “dúvida razoável”, quando afirma, ao longo da fundamentação, que “em regra, a ignorância pura do direito, e a incerteza meramente subjetiva sobre a identidade de quem deva receber não é valorável juridicamente e não dá azo ao procedimento consignatório”. Já Adroaldo Furtado Fabrício, embora a sentença não o refira neste ponto, entende que “Não é óbice à aplicação do artigo (895 do CPC) ou à admissibilidade da consignação o tratar-se de dúvida envolvendo questão de direito. A proteção legal dispensada ao devedor vacilante representa, para o efeito de que se trata, uma derrogação do princípio ignorantia iuris nocet; não fora assim, ficaria excluída a incerteza subjetiva, que por vezes pode ser gravíssima e, para o homem mediano, insuperável”. Ambos os excertos acima transcritos encontram-se nas mesmas páginas antes referidas tanto da sentença, quanto dos “Comentários ao CPC”.

 

Parece-nos mais acertado, sobre a matéria, o entendimento adotado pelo precitado jurista do que aquele da sentença.

 

Dizer-se injustificada a dúvida na matéria debatida nos autos, onde se discute se é devido o recolhimento de desconto assistencial ao sindicato ainda que haja expressa oposição dos empregados, parece excessivamente rigoroso para com a consignante. Se a celeuma acerca desta quaestio juris impera mesmo na doutrina e na jurisprudência, fontes formais de direito que emanam de pessoas de notório saber jurídico, poder-se-ia exigir uma posição firme a respeito da questão do corpo diretivo da “Comissão Municipal de Amparo à Infância”, entidade beneficente de Caxias do Sul, autora da presente ação de consignação?

 

De outro lado, não pode a sentença pressupor, como de fato pressupôs, que a alegada dúvida decorreria aqui de “fantasia, malícia ou má-fé do devedor”.

 

Não parece que a consignante esteja agindo de má-fé ou maliciosamente, pois de seu procedimento não logra nenhum benefício, já que, de qualquer forma, consignou o valor dos descontos em Juízo. Não se percebe qualquer outro objetivo da autora desta ação senão a certeza de não se ver constituída em mora, ou de afastar o risco de vir a pagar duas vezes por ter pago, diante da incerteza que a sentença não vê no direito de ser dirimida, a quem não era credor de direito. Lembre-se, ainda, que a consignante é uma entidade de amparo à infância, sem fins lucrativos, não havendo razão para que pautasse suas atitudes, supostamente assistenciais, pela malícia e má-fé.

 

Forçoso reconhecer, assim, a plausibilidade da dúvida que ensejou a presente ação de consignação em paga-mento.

 

Nesse sentido, aliás, a decisão proferida por este egrégio Tribunal, ao julgar, em 02.06.86, o Processo TRT-2164/84. A ementa deste acórdão, cujo Relator foi o hoje Ministro Ermes Pedrassani, é do seguinte teor:

 

“Desconto de contribuição assistencial instituída por acordo coletivo de trabalho. Ajuizamento pelo empregador de ação de consignação em pagamento em face da dúvida sobre quem deveria legitimamente receber o pagamento, os empregados ou a Federação. Tal dúvida restou evidenciada por motivo da oposição dos empregados ao desconto realizado e a jurisprudência trabalhista, como é notório, está dividida no âmbito Regional sobre a possibilidade do empregado opor-se ao desconto, quando inexistente qualquer ressalva nesse sentido na cláusula de dissídio coletivo. Se a dúvida é procedente, deve o juiz aplicar a parte final do disposto no art. 898 do CPC: quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber…; comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores, caso em que se observará o procedimento ordinário. Não cabe desde já o exame do mérito sobre a quem pertence a quantia consignada, pois isso importaria em supressão de instância.

 

Julga-se, pois, mantido o depósito e extinta a obrigação da consignante e se determina a baixa do processo à Instância de origem para o prosseguimento da demanda entre os credores, na forma prevista no artigo 898 do CPC” (in Revista do TRT 4ª Região, vol. 20, 1987, págs. 59/64).

 

Merece solução idêntica a presente demanda, já que idêntico também é o suporte fático de ambas as ações, ressaltando-se apenas a diferença de que naquela ocasião o Juízo de origem havia julgado improcedente (e não extinta sem julgamento do mérito) a ação de consignação, ao fundamento de que era ilícito o desconto efetuado sem a autorização dos empregados (o que bem demonstra a razoabilidade da dúvida da ora consignante acerca de a quem deveria “pagar”).

 

Dá-se, pois, provimento ao recurso, para afastar a carência de ação, determinando o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do feito na forma da lei.

 

Ante o exposto,

 

Acordam os Exmos. Juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por maioria de votos, vencido o Exmo. Juiz-Relator, em dar provimento ao recurso para, afastando a carência de ação, determinar o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do feito na forma da lei.

 

Intimem-se.

 

Porto Alegre, 10 de abril de 1996.

 

Gelson de Azevedo

 

Presidente

 

Fabiano de Castilhos Bertoluci

 

Relator Designado

 

Ciente:

 

Ministério Público do Trabalho

 

(*) RDT 09/96, p. 39

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