ACORDO JUDICIAL – CONLUIO FRAUDULENTO ENTRE AS PARTES – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba

ACORDO JUDICIAL – CONLUIO FRAUDULENTO ENTRE AS PARTES – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba

Tribunal Superior do Trabalho

 

 

PROCESSO TST/RR Nº 108/2000.019.12.00-0

 

EMENTA

 

Coisa julgada – Relativização – Execução – Acordo judicial – Conluio entre as partes. 1. A garantia constitucional da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República) não constitui um princípio absoluto, mas condicionada a que se forme em processo regular e válido, nos termos da lei. Tanto que a própria lei autoriza rescindir a decisão de mérito em certos casos (CPC, artigos 485 e 741, inciso I), assim como autoriza o Juiz, em caso de processo fraudulento ou de processo simulado, a pôr cobro a tal situação de modo a obstar os objetivos das partes (CPC, artigo 129). 2. Somente a deusa que simboliza o valor Justiça tem os olhos vendados. A Instituição Justiça, contudo, precisa tê-los bem abertos para não se deixar enredar por litigantes maliciosos, cuja atuação pode comprometer a base ética e de moralidade que deve permear o exercício da atividade jurisdicional do Estado. Daí porque, em situações extraordinárias e teratológicas, há que superar o formalismo estreito da coisa julgada material para dar prevalência a outros princípios de que também é cioso o ordenamento jurídico. 3. Constatado por depoimentos e documentos nas instâncias ordinárias que o acordo anteriormente homologado em juízo, de valor elevado, resultou de conluio fraudulento entre as partes, visando a comprometer o direito de credores quirografários junto a empresa em situação financeira ruinosa, é dever do Juiz obstar o cumprimento da transação inadimplida e declarar extinto o processo, sem exame de mérito. 4. Não se vislumbra a acenada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ante a viabilidade de relativizar-se a coisa julgada, a fim de coibir-se a avença fraudulenta alcançada entre as partes.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista TST-RR nº 108/2000.019.12.00-0, em que é recorrente Vitor Luiz Possenti e recorrido Tecnologia Ruber Ltda.

 

Irresignado com o v. acórdão proferido pelo egrégio Décimo Segundo Regional (fls. 197/208), interpõe recurso de revista o reclamante (fls. 226/237).

 

O eg. Tribunal a quo, ao julgar o agravo de petição interposto pelo reclamante, assim se posicionou: negou-lhe provimento, mantendo a r. sentença que determinou a extinção do processo. Interpostos embargos de declaração por parte do reclamante-exeqüente (fls. 210/214), o eg. Tribunal a quo deu-lhes provimento para sanar a contradição apontada, fazendo constar da parte dispositiva do acórdão embargado de fls. 197 a 208 a seguinte redação: "por unanimidade, conceder ao agravante os benefícios da assistência judiciária gratuita, isentá-lo do recolhimento das custas processuais e conhecer do agravo; por igual votação, conhecer dos documentos de fls. 139 a 177; sem divergência, não conhecer da contraminuta, por intempestiva; por unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas pelo agravante. No mérito, por igual votação, negar-lhe provimento" (fls. 219/224).

 

Insiste agora o exeqüente-recorrente no acolhimento do recurso de revista no que tange aos seguintes temas: coisa julgada – violação.

 

Admitido o recurso de revista (fls. 239/241), não foram apresentadas contra-razões.

 

É o relatório.

 

1. CONHECIMENTO

 

Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

 

1.1. Coisa julgada. Violação

 

O eg. Tribunal Regional negou provimento ao agravo de petição interposto pelo reclamante, mantendo a r. sentença proferida pelo Juiz da Execução que, com espeque no artigo 129 do CPC, extinguiu o processo, sob o seguinte entendimento:

 

"Extinção do feito, com julgamento de mérito, após a homologação de acordo firmado entre as partes – Nulidade.

 

Homologado judicialmente o acordo firmado entre as partes, extinto o feito com julgamento de mérito fl. 11 e pagas duas das parcelas nele previstas (fls. 20 e 23), o autor comunicou ao Juízo de origem (fl. 25) o descumprimento da avença e requereu fosse promovida a execução do que lhe era devido.

 

Contudo, após colher o depoimento das partes (fls. 38/39), diligenciar junto ao Juízo Cível das comarcas catarinenses de Jaraguá do Sul e Guaramirim e determinar a juntada de procuração subscrita pelo BADESC Agência Catarinense de Fomento (fls. 74/78) e de diversas outras provas (fls. 79/90, 95/113 e 116/119) a ilustre Sentenciante de primeiro grau (fls. 123/125), asseverando existente conluio fraudulento, com base no artigo 129 do CPC, determinou a extinção do feito e condenou ambas as partes ao pagamento de custas processuais a serem calculadas sobre o valor do acordo que o autor pretendia executar.

 

Aduzindo que por esta via restou configurado um ‘abuso contra a boa ordem processual’ e um ‘atentado às fórmulas legais do processo, requer o obreiro seja declarada a nulidade dos atos praticados pela Juíza a quo no que diz respeito à extinção do processo’.

 

Após pormenorizados estudos, passei a ter uma nova visão sobre a intangibilidade da coisa julgada, principalmente se estiver em confronto com outros princípios constitucionais, dentre os quais destaco o da moralidade, o da legalidade e, principalmente, o da justiça.

 

Ainda que os Juízes possam, sob o argumento de manutenção de uma segurança jurídica, tornem-se irretocáveis sob quaisquer aspectos e condições às decisões judiciais passadas em julgado, não é crível que para isso firam ou olvidem as demais garantias constitucionais, deveres do Estado e direitos de seus cidadãos.

 

Friso para todos os efeitos, que, consonante o disposto no artigo 469 do CPC, a coisa julgada não alcança os motivos que levaram o Juiz a decidir a verdade dos fatos e apreciação de questões incidentais, à exceção desta, àquelas decididas em conformidade com o artigo 470 do mesmo Diploma Legal.

 

A importância dessa ressalva reside na premissa de que muitas vezes os motivos que fundamentam uma decisão e a verdade dos fatos podem estar inteiramente dissociados da realidade, e, por sua vez, a sua imutabilidade, se mantida, poderá levar a cabo uma injustiça irremediavelmente maior que a justiça aparente que se pretendia fazer.

 

Em tais casos não se poderia relativizar a coisa julgada a fim de proporcionar que a prestação jurisdicional faça, sim, a melhor Justiça?

 

Cito como resposta a tal indagação, os dizeres do Ministro José Augusto Delgado1, que sobre o tema muito bem se reporta:

 

‘A grave injustiça não deve prevalecer em época alguma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque ela afronta a soberania da proteção da cidadania.

 

A coisa julgada é uma entidade definida e regrada pelo direito formal, via instrumental, que não pode sobrepor aos princípios da legalidade, da moralidade, da realidade dos fatos, das condições impostas pela natureza ao homem e às regras postas na Constituição.

 

A segurança jurídica imposta pela coisa julgada há de imperar quando o ato que a gerou, a expressão sentencial, não esteja contaminada por desvios graves que afrontem o ideal de justiça.

 

A injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado.

 

Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual.’ (Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Texto básico da palestra proferida no I Simpósio de Direito Público da Advocacia Geral da União – 5ª Região.

 

Assim, permito-me afirmar a possibilidade de se relativizar a coisa julgada, com o propósito de se corrigir flagrante injustiça e vícios que contaminaram a sua motivação.

 

Não se queira, entretanto, dizer que se abrirá um leque de infinitas possibilidades para se desconstituir, seja total ou parcialmente, a autoridade da coisa julgada, mas como explicita Cândido Rangel Dinamarco2, ‘propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes.’ (Relativizar a Coisa Julgada Material. Meio Jurídico, São Paulo, v. 4, nº 44, abr. 2001).

 

Posto isso, afirmo, também, que a regra insculpida no artigo 129 do CPC não se encontra limitada tão-somente à instância de conhecimento, como se pretende fazer crer, e que autoriza ela a possibilidade de atacar a coisa julgada, no caso dos autos, acordo judicial homologado.

 

Cabe lembrar que o referido dispositivo legal impõe um dever ao Juiz, dever moral e legal, de, ‘convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.’

 

Com propriedade, Pontes de Miranda3, assim comenta o artigo: ‘A característica de tal pode (sic) do juiz, estranho à delimitação ao pedido em que tradicionalmente sempre se pôs o juiz, consiste em ter ele (verbo proferirá) de obstar ao objetivo indevido da parte. A parte adversa não lho pediu, ou lho pediu, ou lho sugeriu no curso da causa. Não importa. Os atos que ele pode impedir, invocando o artigo 129, foram considerados pelo Estado independentes de qualquer das partes. Ao ter de decidir, o juiz encontra em face do que aduziram as partes e os interessados, e desse pedido do Estado. Porque, em verdade, o artigo 129 funciona no processo, se queremos conservar os princípios que regem o Direito Processual, como pedido do Estado para que se coarcte a atividade daninha de qualquer dos litigantes, autor ou réu. Pedido permanente e para quaisquer processos’(grifei). (Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, Rio de Janeiro, Tomo II, p. 370.)

 

Os poderes, deveres e responsabilidades impostas ao Juiz não se encontram delimitados em jurisdição, instâncias, processos ou fases procedimentais.

 

O conhecimento pelo Magistrado de atos que desvirtuem a finalidade do processo, buscando através, neste caso, de ato simulado ou fraude à lei, prejudicar terceiros e a sociedade, impõe-lhe o poder-dever de obstá-los, independente do momento processual em que se encontre, em obediência aos princípios constitucionais já citados, da moralidade, legalidade e Justiça.

 

A situação excepcional de indícios da existência de colusão entre as partes, com o fito de prejudicar terceiros e fraudar a lei, permite que também excepcionalmente o Juiz possa obstar seu seguimento, ainda que existente sentença transitada em julgado ou acordo homologado com força de coisa julgada, cuja eficácia não produzirá efeitos, diante do vício substancial existente – desvirtuação do objetivo do processo, desrespeito aos princípios da moralidade e legalidade, prejuízo a terceiros de boa-fé, ao Estado e a Sociedade e atentado à dignidade da Justiça.

 

O permissivo para que assim faça o Juiz encontra-se como já frisado, nos princípios constitucionais tanto citados, e no artigo 129 do CPC, combinado com o artigo 125, III, do mesmo Diploma Legal, que estabelece outro dever, o de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça.

 

Por fim, apenas por apego ao debate, o fato da previsão legal de intentação de ação rescisória com base na existência de colusão (artigo 485, III, do CPC) não exclui outras possibilidades de coibir a utilização do Judiciário para fins fraudulentos, ainda que o ato esteja sob o manto da coisa julgada. O Juiz, vale lembrar, não tem legitimidade para propor tal ação, mas mantém o dever de obstar tais atos.

 

Cito julgado do STJ para ilustrar tal afirmação:

 

‘REsp – Constitucional – Previdenciário – Coisa julgada – Fraude à coisa julgada e resguardada pela Constituição da República (artigo 5º, XXXVI). A execução, por seu turno, instrumentaliza a satisfação obtida pelo exeqüente. O Judiciário não se restringe, na prestação jurisdicional, a mero chancelador de petições, ou encara a lei como símbolo, vazio de conteúdo. Cumpre-lhe fiscalizar o processo, a fim de emitir provimento justo. Não pode pactuar com atitudes indignas, espúrias, fraudulentas. Cumpre impedir o locupletamento ilícito, ainda que o fato seja conhecido após a coisa julgada. O princípio que a informa deve ser conectado com a lealdade processual.’ (STJ/EDResp nº 45174, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 26.09.94, p. 25670)

 

Em decorrência, não vislumbro nenhuma nulidade no procedimento adotado pelo Juízo a quo, razão pela qual rejeito a preliminar suscitada.

 

– CERCEAMENTO DE DEFESA

 

Os próprios termos do recurso em exame revelam que os documentos junto a ele acostados – que foram conhecidos por este Juízo – são, segundo o entendimento do recorrente, suficientes para elucidar a controvérsia.

 

Assim, não há falar em retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

 

Ademais, a prova de existência de ato simulado ou fraude ocorrerá diante de circunstância e indícios de sua existência, os quais serão analisados pelo Julgador, dentro dos princípios da persuasão racional e razoabilidade. A necessidade de instrução do feito, neste caso, nem sempre será condição essencial para a decisão.

 

Rejeito a preliminar.

 

2. MÉRITO

 

Colusão

 

A existência de conluio entre os litigantes é clara.

 

Os depoimentos colhidos em Juízo são contraditórios em relação à remuneração paga ao autor e esclarecedores a respeito da inexistência de uma relação de emprego no caso dos autos. Aliás, nesse sentido, o obreiro afirmou que ‘tinha total autonomia na execução das suas atividades’. Assim, em respeito ao princípio da imediatidade – também aplicável ao Juízo Trabalhista – mantenho a interpretação que lhe conferiu o Juízo de origem.

 

Perquirindo a essência desse preceito, Manoel Antônio Teixeira Filho4, a propósito do contato direto que o Juiz tem com as partes e suas testemunhas e, ainda, do valor que irá atribuir a suas declarações, afirma que, ao inquiri-las:

 

... poderá acompanhar – olhos nos olhos – a reação emocional das partes e das testemunhas diante das perguntas efetuadas, verificando se as respondem com segurança, se tergiversam, se procuram contorná-las com evasivas, se o fazem com serenidade ou com grande nervosismo e o mais; é nesse instante, enfim, que o juiz, mais do que um condutor da audiência, age como analista sutil do psiquismo humano, habilidade que a experiência lhe vai gradativamente aprimorando. Olhos inquietos, quase saltando da órbita, à procura de um ponto vago no espaço ou dos olhos do próprio advogado, sudorese intensa, balbuciação, podem ser sintomas de que a parte ou a testemunha esteja falseando a verdade dos fatos. Paradoxalmente, contudo, atitudes de arrogância, de onisciência desassombrada, de respostas imediatas ou dadas quando a pergunta nem sequer foi feita, podem ser indício de depoimentos industriados ou prolépticos. (In A Sentença no Processo do Trabalho,

2. ed., São Paulo: LTr., p. 82/83.)

 

Por outro lado, as provas acostadas pelo autor dão conta de que à época em que foi celebrado o acordo entre as partes e, principalmente, muito após ter sido formulado (fl. 51) pedido de habilitação dos créditos produzidos pela citada avença, a ré ainda era devedora de um montante considerável que, se acolhido tal pleito, seria preterido.

 

Nego provimento ao recurso." (fls. 199/207).

 

Instado, ainda, por meio dos embargos de declaração interpostos pelo reclamante, a emitir pronunciamento acerca da indigitada violação ao artigo 5º, incisos XXXVI e LV, da Constituição Federal, assim consignou o eg. Regional:

 

"Em relação à regra inserta no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, consta do citado acórdão arrazoado dirigido (fl. 200) ‘a intangibilidade da coisa julgada’. Principalmente, quando estiver sendo confrontado com outros princípios constitucionais, como os ‘da moralidade, da legalidade e da justiça’. Foram acrescentados (fls. 201/203) a essa linha de raciocínio a aplicação do disposto nos artigos 125, III, 129, 469, 470 e 485, II, do CPC, a doutrina elaborada pelo Ministro José Augusto Delgado e por Cândido Rangel Dinamarco e Pontes de Miranda, além de precedente oriundo do Superior Tribunal de Justiça. Só após, como conclusão, admiti (fl. 202) a possibilidade de serem, no caso vertente, relativizados os efeitos da coisa julgada. Portanto, já tendo sido expostos os normativos que serviram de fundamento à decisão embargada, não se podendo falar em ausência de pronunciamento a respeito da matéria em foco.

 

De outro norte, quanto aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e às demais razões expostas no agravo de petição do embargante, exposto nos motivos pelos quais a preliminar de cerceamento de defesa foi rejeitada (fls. 205/206), em respeito ao livre convencimento fundamentado, um dos cânones do nosso sistema processual – o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos" (fls. 220/221).

 

Nas razões do recurso de revista, inconformado, o reclamante aponta violação à coisa julgada. Sustenta que a sentença que homologou o acordo firmado entre as partes, ao transitar em julgado, não poderia ser objeto de discussão quanto às questões já decididas no acordo.

 

Sustenta ainda violação ao direito do contraditório e da ampla defesa, quando as instâncias ordinárias basearam o entendimento firmado apenas no depoimento das partes, negando o direito de retorno dos autos à Vara de origem para instrução processual do feito.

 

A fim de viabilizar o conhecimento do recurso de revista, indigita violação ao artigo 5º, incisos XXXVI, LV, da Constituição Federal, bem como transcreve arestos para comprovação de conflito de teses.

 

Impende ressaltar que o recurso de revista, interposto em processo de execução, somente se viabiliza caso demonstrada ofensa literal e direta à Constituição da República (artigo 896, § 2º, da CLT e Súmula nº 266 do eg. TST).

 

Assim, a transcrição de arestos para comprovação do conflito de teses não rende ensejo ao cabimento do recurso de revista interposto em processo de execução, ante os termos do § 2º do artigo 896 da CLT. Imperioso, pois, o não-conhecimento do recurso de revista, no tocante aos julgados trazidos à colação.

 

De outro lado, no que tange à apontada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, a questão tormentosa e atormentadora a que somos chamados a decidir cinge-se a isto: é cabível a relativização dos efeitos da coisa julgada material quando homologado judicialmente acordo firmado entre as partes.

 

Como se recorda, coisa julgada material é a qualidade da sentença que torna imutáveis e indiscutíveis seus efeitos substanciais. Trata-se da intangibilidade do conteúdo da sentença, o que se verifica após o trânsito em julgado da decisão.

 

A fórmula constitucional da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República) não constitui um princípio absoluto, mas condicionada a que se forme em processo regular e válido, nos termos da lei. Tanto que a própria lei autoriza rescindir a decisão de mérito em certos casos (CPC, artigos 485 e 741, inciso I), assim como autoriza o Juiz, em caso de processo fraudulento ou de processo simulado, a pôr cobro a tal situação de modo a obstar os objetivos das partes (CPC, artigo 129).

 

Com efeito, havendo incompatibilidade entre preceitos constitucionais, dado que nenhuma regra pode ser considerada absoluta, a constatação de qual deve prevalecer dependerá sempre do caso concreto, pois somente nesse momento poderemos definir qual regra é mais importante preservar.

 

Penso que há situações específicas nas quais se considere presente uma razão especial para superar o instituto da coisa julgada material, que a Constituição assegura (artigo 5º, inciso XXXVI) e a lei processual disciplina (CPC, artigo 467).

 

Oportuno aqui o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, em artigo doutrinário relativamente recente (Revista de Processo, ano 28, janeiro/março de 2003, p. 33):

 

"Para dar efetividade à equilibrada flexibilização da coisa julgada em casos extremos, insisto também na afirmação do dever, que a ordem político-jurídica outorga ao juiz, de postar-se como autêntico canal de comunicação entre os valores da sociedade em que vive e os casos que julga. Não é lícito entrincheirar-se comodamente detrás da barreira da coisa julgada, e em nome desta, sistematicamente, assegurar a eternização de injustiças, de absurdos de fraudes ou de inconstitucionalidades.

 

O juiz deve ter a consciência de que ordem jurídica é composta de um harmonioso equilíbrio entre certezas, probabilidades e riscos, sendo humanamente impossível pensar no exercício jurisdicional imune a erros.

 

Sem a coragem de assumir racionalmente certos riscos razoáveis, reduz-se a possibilidade de fazer justiça. O importante é saber que onde há riscos há também meios para corrigi-los, o que deve afastar do espírito do juiz o exagerado apego à perfeição e o temor pânico aos erros que possa cometer.

 

O juiz que racionalmente negar a autoridade da coisa julgada em um caso saberá que, se estiver errado, haverá tribunais com o poder suficiente para reformar-lhe a decisão. Deixe a vaidade de lado e não tema o erro, sempre que estiver convencido da injustiça, da fraude ou da inconstitucionalidade de uma sentença aparentemente coberta pela coisa julgada."

 

O Excelso Supremo Tribunal Federal já proclamou a viabilidade de mitigação do princípio constitucional da coisa julgada quando presentes fatos e circunstâncias especiais da causa, como faz ver o seguinte precedente:

 

"Desapropriação – Terrenos da atual base aérea de Parnamerim, em Natal, RN – Liquidação de sentença – Determinação de nova avaliação – Hipóteses em que o STF tem admitido nova avaliação, não obstante, em decisão anterior, já transita em julgado, se haja definido o valor da indenização.

 

Diante das peculiaridades do caso concreto, não se pode acolher a alegação constante do recurso extraordinário de ofensa, pelo acórdão, ao artigo 153, § 3º, da Constituição Federal, em virtude do deferimento de nova avaliação dos terrenos. O aresto teve presentes fatos e circunstâncias especiais da causa a indicarem a injustiça da indenização, nos termos em que resultaria da só aplicação da correção monetária, a contar da Lei nº 4.686/1965, quando a primeira avaliação aconteceu em 1957. Critério a ser seguido na nova avaliação. Decreto-Lei nº 3.365/1941, artigo 26. Questão que não constituiu objeto do recurso extraordinário da União. Relativamente aos juros compensatórios, havendo sido fixado, em decisão transitada em julgado, o percentual de 6% a.a., não caberia, no acórdão recorrido, estipular seu cálculo a base de 12% a.a.. A incidência do percentual de 6% a.a. dar-se-á, a partir da ocupação do imóvel. Nesse ponto, o acórdão ofendeu o artigo 153, § 3º, da lei maior. No que respeita aos honorários advocatícios, estabelecidos em quantia certa, a vista da primitiva avaliação, não vulnera o artigo 153, § 3º, da Carta Magna, o acórdão, ao estipular novo critério para seu cálculo, em determinando nova avaliação do imóvel expropriado. Conhecimento, apenas, em parte, do recurso extraordinário, quanto aos juros compensatórios, para, nesta parte, dar-lhe provimento." (STF Primeira Turma – RE nº 105012/RN – Rio Grande do Norte – DJ de 1º.07.88 – Relator Ministro Néri da Silveira)

 

Na espécie, constatado por depoimentos e documentos nas instâncias ordinárias que o acordo anteriormente homologado em juízo, de valor elevado, resultou de conluio fraudulento entre as partes, visando a comprometer o direito de credores quirografários junto a empresa em situação financeira ruinosa, é dever do Juiz obstar o cumprimento da transação inadimplida e declarar extinto o processo, sem exame de mérito.

 

Nesse contexto, reputo incensurável o douto e percuciente acórdão regional da ilustre lavra da Doutora Sandra Márcia Wambier. Louvo igualmente a perspicácia e o acendrado amor à Justiça revelados pela Doutora Patrícia Almeida Ramos, Juíza do Trabalho Substituta que, intuindo a possibilidade de fraude após homologar a avença, desencadeou sucessivas diligências para elucidar o episódio e, assim, pôr cobro à fraude. Ambas as decisões bem souberam compreender que somente a deusa que simboliza o valor Justiça tem os olhos vendados. A Instituição Justiça, contudo, precisa tê-los – e os tem! – bem abertos para não se deixar enredar por litigantes maliciosos, cuja atuação pode comprometer a base ética e de moralidade que deve permear o exercício da atividade jurisdicional do Estado.

 

Não se vislumbra, portanto, a acenada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ante a viabilidade de relativizar-se a coisa julgada, a fim de coibir-se a avença fraudulenta alcançada entre as partes.

 

No que tange à acenada violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, não vislumbro na hipótese a indigitada afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Pelo contrário, do excerto reproduzido, depreende-se que as instâncias ordinárias firmaram convencimento da existência de ato simulado para fraudar a reclamada em face dos depoimentos colhidos em Juízo e da prova documental existente nos autos.

 

Ante o exposto, não conheço do recurso de revista.

 

Isto posto, acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, unanimemente, não conhecer do recurso de revista.

 

Brasília, 2 de março de 2005.

 

João Oreste Dalazen

Ministro-relator

 

(Publicado em 08.04.05.)

 

RDT  nº 07 de Junlho de 2005

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Tribunal Superior do Trabalho

 

PROCESSO TST/RR Nº 108/2000.019.12.00-0

 

EMENTA

 

Coisa julgada – Relativização – Execução – Acordo judicial – Conluio entre as partes. 1. A garantia constitucional da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República) não constitui um princípio absoluto, mas condicionada a que se forme em processo regular e válido, nos termos da lei. Tanto que a própria lei autoriza rescindir a decisão de mérito em certos casos (CPC, artigos 485 e 741, inciso I), assim como autoriza o Juiz, em caso de processo fraudulento ou de processo simulado, a pôr cobro a tal situação de modo a obstar os objetivos das partes (CPC, artigo 129). 2. Somente a deusa que simboliza o valor Justiça tem os olhos vendados. A Instituição Justiça, contudo, precisa tê-los bem abertos para não se deixar enredar por litigantes maliciosos, cuja atuação pode comprometer a base ética e de moralidade que deve permear o exercício da atividade jurisdicional do Estado. Daí porque, em situações extraordinárias e teratológicas, há que superar o formalismo estreito da coisa julgada material para dar prevalência a outros princípios de que também é cioso o ordenamento jurídico. 3. Constatado por depoimentos e documentos nas instâncias ordinárias que o acordo anteriormente homologado em juízo, de valor elevado, resultou de conluio fraudulento entre as partes, visando a comprometer o direito de credores quirografários junto a empresa em situação financeira ruinosa, é dever do Juiz obstar o cumprimento da transação inadimplida e declarar extinto o processo, sem exame de mérito. 4. Não se vislumbra a acenada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ante a viabilidade de relativizar-se a coisa julgada, a fim de coibir-se a avença fraudulenta alcançada entre as partes.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista TST-RR nº 108/2000.019.12.00-0, em que é recorrente Vitor Luiz Possenti e recorrido Tecnologia Ruber Ltda.

 

Irresignado com o v. acórdão proferido pelo egrégio Décimo Segundo Regional (fls. 197/208), interpõe recurso de revista o reclamante (fls. 226/237).

 

O eg. Tribunal a quo, ao julgar o agravo de petição interposto pelo reclamante, assim se posicionou: negou-lhe provimento, mantendo a r. sentença que determinou a extinção do processo. Interpostos embargos de declaração por parte do reclamante-exeqüente (fls. 210/214), o eg. Tribunal a quo deu-lhes provimento para sanar a contradição apontada, fazendo constar da parte dispositiva do acórdão embargado de fls. 197 a 208 a seguinte redação: “por unanimidade, conceder ao agravante os benefícios da assistência judiciária gratuita, isentá-lo do recolhimento das custas processuais e conhecer do agravo; por igual votação, conhecer dos documentos de fls. 139 a 177; sem divergência, não conhecer da contraminuta, por intempestiva; por unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas pelo agravante. No mérito, por igual votação, negar-lhe provimento” (fls. 219/224).

 

Insiste agora o exeqüente-recorrente no acolhimento do recurso de revista no que tange aos seguintes temas: coisa julgada – violação.

 

Admitido o recurso de revista (fls. 239/241), não foram apresentadas contra-razões.

 

É o relatório.

 

1. CONHECIMENTO

 

Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

 

1.1. Coisa julgada. Violação

 

O eg. Tribunal Regional negou provimento ao agravo de petição interposto pelo reclamante, mantendo a r. sentença proferida pelo Juiz da Execução que, com espeque no artigo 129 do CPC, extinguiu o processo, sob o seguinte entendimento:

 

“Extinção do feito, com julgamento de mérito, após a homologação de acordo firmado entre as partes – Nulidade.

 

Homologado judicialmente o acordo firmado entre as partes, extinto o feito com julgamento de mérito fl. 11 e pagas duas das parcelas nele previstas (fls. 20 e 23), o autor comunicou ao Juízo de origem (fl. 25) o descumprimento da avença e requereu fosse promovida a execução do que lhe era devido.

 

Contudo, após colher o depoimento das partes (fls. 38/39), diligenciar junto ao Juízo Cível das comarcas catarinenses de Jaraguá do Sul e Guaramirim e determinar a juntada de procuração subscrita pelo BADESC Agência Catarinense de Fomento (fls. 74/78) e de diversas outras provas (fls. 79/90, 95/113 e 116/119) a ilustre Sentenciante de primeiro grau (fls. 123/125), asseverando existente conluio fraudulento, com base no artigo 129 do CPC, determinou a extinção do feito e condenou ambas as partes ao pagamento de custas processuais a serem calculadas sobre o valor do acordo que o autor pretendia executar.

 

Aduzindo que por esta via restou configurado um ‘abuso contra a boa ordem processual’ e um ‘atentado às fórmulas legais do processo, requer o obreiro seja declarada a nulidade dos atos praticados pela Juíza a quo no que diz respeito à extinção do processo’.

 

Após pormenorizados estudos, passei a ter uma nova visão sobre a intangibilidade da coisa julgada, principalmente se estiver em confronto com outros princípios constitucionais, dentre os quais destaco o da moralidade, o da legalidade e, principalmente, o da justiça.

 

Ainda que os Juízes possam, sob o argumento de manutenção de uma segurança jurídica, tornem-se irretocáveis sob quaisquer aspectos e condições às decisões judiciais passadas em julgado, não é crível que para isso firam ou olvidem as demais garantias constitucionais, deveres do Estado e direitos de seus cidadãos.

 

Friso para todos os efeitos, que, consonante o disposto no artigo 469 do CPC, a coisa julgada não alcança os motivos que levaram o Juiz a decidir a verdade dos fatos e apreciação de questões incidentais, à exceção desta, àquelas decididas em conformidade com o artigo 470 do mesmo Diploma Legal.

 

A importância dessa ressalva reside na premissa de que muitas vezes os motivos que fundamentam uma decisão e a verdade dos fatos podem estar inteiramente dissociados da realidade, e, por sua vez, a sua imutabilidade, se mantida, poderá levar a cabo uma injustiça irremediavelmente maior que a justiça aparente que se pretendia fazer.

 

Em tais casos não se poderia relativizar a coisa julgada a fim de proporcionar que a prestação jurisdicional faça, sim, a melhor Justiça?

 

Cito como resposta a tal indagação, os dizeres do Ministro José Augusto Delgado1, que sobre o tema muito bem se reporta:

 

‘A grave injustiça não deve prevalecer em época alguma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque ela afronta a soberania da proteção da cidadania.

 

A coisa julgada é uma entidade definida e regrada pelo direito formal, via instrumental, que não pode sobrepor aos princípios da legalidade, da moralidade, da realidade dos fatos, das condições impostas pela natureza ao homem e às regras postas na Constituição.

 

A segurança jurídica imposta pela coisa julgada há de imperar quando o ato que a gerou, a expressão sentencial, não esteja contaminada por desvios graves que afrontem o ideal de justiça.

 

A injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado.

 

Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual.’ (Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Texto básico da palestra proferida no I Simpósio de Direito Público da Advocacia Geral da União – 5ª Região.

 

Assim, permito-me afirmar a possibilidade de se relativizar a coisa julgada, com o propósito de se corrigir flagrante injustiça e vícios que contaminaram a sua motivação.

 

Não se queira, entretanto, dizer que se abrirá um leque de infinitas possibilidades para se desconstituir, seja total ou parcialmente, a autoridade da coisa julgada, mas como explicita Cândido Rangel Dinamarco2, ‘propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes.’ (Relativizar a Coisa Julgada Material. Meio Jurídico, São Paulo, v. 4, nº 44, abr. 2001).

 

Posto isso, afirmo, também, que a regra insculpida no artigo 129 do CPC não se encontra limitada tão-somente à instância de conhecimento, como se pretende fazer crer, e que autoriza ela a possibilidade de atacar a coisa julgada, no caso dos autos, acordo judicial homologado.

 

Cabe lembrar que o referido dispositivo legal impõe um dever ao Juiz, dever moral e legal, de, ‘convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.’

 

Com propriedade, Pontes de Miranda3, assim comenta o artigo: ‘A característica de tal pode (sic) do juiz, estranho à delimitação ao pedido em que tradicionalmente sempre se pôs o juiz, consiste em ter ele (verbo proferirá) de obstar ao objetivo indevido da parte. A parte adversa não lho pediu, ou lho pediu, ou lho sugeriu no curso da causa. Não importa. Os atos que ele pode impedir, invocando o artigo 129, foram considerados pelo Estado independentes de qualquer das partes. Ao ter de decidir, o juiz encontra em face do que aduziram as partes e os interessados, e desse pedido do Estado. Porque, em verdade, o artigo 129 funciona no processo, se queremos conservar os princípios que regem o Direito Processual, como pedido do Estado para que se coarcte a atividade daninha de qualquer dos litigantes, autor ou réu. Pedido permanente e para quaisquer processos’(grifei). (Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, Rio de Janeiro, Tomo II, p. 370.)

 

Os poderes, deveres e responsabilidades impostas ao Juiz não se encontram delimitados em jurisdição, instâncias, processos ou fases procedimentais.

 

O conhecimento pelo Magistrado de atos que desvirtuem a finalidade do processo, buscando através, neste caso, de ato simulado ou fraude à lei, prejudicar terceiros e a sociedade, impõe-lhe o poder-dever de obstá-los, independente do momento processual em que se encontre, em obediência aos princípios constitucionais já citados, da moralidade, legalidade e Justiça.

 

A situação excepcional de indícios da existência de colusão entre as partes, com o fito de prejudicar terceiros e fraudar a lei, permite que também excepcionalmente o Juiz possa obstar seu seguimento, ainda que existente sentença transitada em julgado ou acordo homologado com força de coisa julgada, cuja eficácia não produzirá efeitos, diante do vício substancial existente – desvirtuação do objetivo do processo, desrespeito aos princípios da moralidade e legalidade, prejuízo a terceiros de boa-fé, ao Estado e a Sociedade e atentado à dignidade da Justiça.

 

O permissivo para que assim faça o Juiz encontra-se como já frisado, nos princípios constitucionais tanto citados, e no artigo 129 do CPC, combinado com o artigo 125, III, do mesmo Diploma Legal, que estabelece outro dever, o de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça.

 

Por fim, apenas por apego ao debate, o fato da previsão legal de intentação de ação rescisória com base na existência de colusão (artigo 485, III, do CPC) não exclui outras possibilidades de coibir a utilização do Judiciário para fins fraudulentos, ainda que o ato esteja sob o manto da coisa julgada. O Juiz, vale lembrar, não tem legitimidade para propor tal ação, mas mantém o dever de obstar tais atos.

 

Cito julgado do STJ para ilustrar tal afirmação:

 

‘REsp – Constitucional – Previdenciário – Coisa julgada – Fraude à coisa julgada e resguardada pela Constituição da República (artigo 5º, XXXVI). A execução, por seu turno, instrumentaliza a satisfação obtida pelo exeqüente. O Judiciário não se restringe, na prestação jurisdicional, a mero chancelador de petições, ou encara a lei como símbolo, vazio de conteúdo. Cumpre-lhe fiscalizar o processo, a fim de emitir provimento justo. Não pode pactuar com atitudes indignas, espúrias, fraudulentas. Cumpre impedir o locupletamento ilícito, ainda que o fato seja conhecido após a coisa julgada. O princípio que a informa deve ser conectado com a lealdade processual.’ (STJ/EDResp nº 45174, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 26.09.94, p. 25670)

 

Em decorrência, não vislumbro nenhuma nulidade no procedimento adotado pelo Juízo a quo, razão pela qual rejeito a preliminar suscitada.

 

– CERCEAMENTO DE DEFESA

 

Os próprios termos do recurso em exame revelam que os documentos junto a ele acostados – que foram conhecidos por este Juízo – são, segundo o entendimento do recorrente, suficientes para elucidar a controvérsia.

 

Assim, não há falar em retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

 

Ademais, a prova de existência de ato simulado ou fraude ocorrerá diante de circunstância e indícios de sua existência, os quais serão analisados pelo Julgador, dentro dos princípios da persuasão racional e razoabilidade. A necessidade de instrução do feito, neste caso, nem sempre será condição essencial para a decisão.

 

Rejeito a preliminar.

 

2. MÉRITO

 

Colusão

 

A existência de conluio entre os litigantes é clara.

 

Os depoimentos colhidos em Juízo são contraditórios em relação à remuneração paga ao autor e esclarecedores a respeito da inexistência de uma relação de emprego no caso dos autos. Aliás, nesse sentido, o obreiro afirmou que ‘tinha total autonomia na execução das suas atividades’. Assim, em respeito ao princípio da imediatidade – também aplicável ao Juízo Trabalhista – mantenho a interpretação que lhe conferiu o Juízo de origem.

 

Perquirindo a essência desse preceito, Manoel Antônio Teixeira Filho4, a propósito do contato direto que o Juiz tem com as partes e suas testemunhas e, ainda, do valor que irá atribuir a suas declarações, afirma que, ao inquiri-las:

 

… poderá acompanhar – olhos nos olhos – a reação emocional das partes e das testemunhas diante das perguntas efetuadas, verificando se as respondem com segurança, se tergiversam, se procuram contorná-las com evasivas, se o fazem com serenidade ou com grande nervosismo e o mais; é nesse instante, enfim, que o juiz, mais do que um condutor da audiência, age como analista sutil do psiquismo humano, habilidade que a experiência lhe vai gradativamente aprimorando. Olhos inquietos, quase saltando da órbita, à procura de um ponto vago no espaço ou dos olhos do próprio advogado, sudorese intensa, balbuciação, podem ser sintomas de que a parte ou a testemunha esteja falseando a verdade dos fatos. Paradoxalmente, contudo, atitudes de arrogância, de onisciência desassombrada, de respostas imediatas ou dadas quando a pergunta nem sequer foi feita, podem ser indício de depoimentos industriados ou prolépticos. (In A Sentença no Processo do Trabalho,

2. ed., São Paulo: LTr., p. 82/83.)

 

Por outro lado, as provas acostadas pelo autor dão conta de que à época em que foi celebrado o acordo entre as partes e, principalmente, muito após ter sido formulado (fl. 51) pedido de habilitação dos créditos produzidos pela citada avença, a ré ainda era devedora de um montante considerável que, se acolhido tal pleito, seria preterido.

 

Nego provimento ao recurso.” (fls. 199/207).

 

Instado, ainda, por meio dos embargos de declaração interpostos pelo reclamante, a emitir pronunciamento acerca da indigitada violação ao artigo 5º, incisos XXXVI e LV, da Constituição Federal, assim consignou o eg. Regional:

 

“Em relação à regra inserta no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, consta do citado acórdão arrazoado dirigido (fl. 200) ‘a intangibilidade da coisa julgada’. Principalmente, quando estiver sendo confrontado com outros princípios constitucionais, como os ‘da moralidade, da legalidade e da justiça’. Foram acrescentados (fls. 201/203) a essa linha de raciocínio a aplicação do disposto nos artigos 125, III, 129, 469, 470 e 485, II, do CPC, a doutrina elaborada pelo Ministro José Augusto Delgado e por Cândido Rangel Dinamarco e Pontes de Miranda, além de precedente oriundo do Superior Tribunal de Justiça. Só após, como conclusão, admiti (fl. 202) a possibilidade de serem, no caso vertente, relativizados os efeitos da coisa julgada. Portanto, já tendo sido expostos os normativos que serviram de fundamento à decisão embargada, não se podendo falar em ausência de pronunciamento a respeito da matéria em foco.

 

De outro norte, quanto aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e às demais razões expostas no agravo de petição do embargante, exposto nos motivos pelos quais a preliminar de cerceamento de defesa foi rejeitada (fls. 205/206), em respeito ao livre convencimento fundamentado, um dos cânones do nosso sistema processual – o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos” (fls. 220/221).

 

Nas razões do recurso de revista, inconformado, o reclamante aponta violação à coisa julgada. Sustenta que a sentença que homologou o acordo firmado entre as partes, ao transitar em julgado, não poderia ser objeto de discussão quanto às questões já decididas no acordo.

 

Sustenta ainda violação ao direito do contraditório e da ampla defesa, quando as instâncias ordinárias basearam o entendimento firmado apenas no depoimento das partes, negando o direito de retorno dos autos à Vara de origem para instrução processual do feito.

 

A fim de viabilizar o conhecimento do recurso de revista, indigita violação ao artigo 5º, incisos XXXVI, LV, da Constituição Federal, bem como transcreve arestos para comprovação de conflito de teses.

 

Impende ressaltar que o recurso de revista, interposto em processo de execução, somente se viabiliza caso demonstrada ofensa literal e direta à Constituição da República (artigo 896, § 2º, da CLT e Súmula nº 266 do eg. TST).

 

Assim, a transcrição de arestos para comprovação do conflito de teses não rende ensejo ao cabimento do recurso de revista interposto em processo de execução, ante os termos do § 2º do artigo 896 da CLT. Imperioso, pois, o não-conhecimento do recurso de revista, no tocante aos julgados trazidos à colação.

 

De outro lado, no que tange à apontada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, a questão tormentosa e atormentadora a que somos chamados a decidir cinge-se a isto: é cabível a relativização dos efeitos da coisa julgada material quando homologado judicialmente acordo firmado entre as partes.

 

Como se recorda, coisa julgada material é a qualidade da sentença que torna imutáveis e indiscutíveis seus efeitos substanciais. Trata-se da intangibilidade do conteúdo da sentença, o que se verifica após o trânsito em julgado da decisão.

 

A fórmula constitucional da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República) não constitui um princípio absoluto, mas condicionada a que se forme em processo regular e válido, nos termos da lei. Tanto que a própria lei autoriza rescindir a decisão de mérito em certos casos (CPC, artigos 485 e 741, inciso I), assim como autoriza o Juiz, em caso de processo fraudulento ou de processo simulado, a pôr cobro a tal situação de modo a obstar os objetivos das partes (CPC, artigo 129).

 

Com efeito, havendo incompatibilidade entre preceitos constitucionais, dado que nenhuma regra pode ser considerada absoluta, a constatação de qual deve prevalecer dependerá sempre do caso concreto, pois somente nesse momento poderemos definir qual regra é mais importante preservar.

 

Penso que há situações específicas nas quais se considere presente uma razão especial para superar o instituto da coisa julgada material, que a Constituição assegura (artigo 5º, inciso XXXVI) e a lei processual disciplina (CPC, artigo 467).

 

Oportuno aqui o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, em artigo doutrinário relativamente recente (Revista de Processo, ano 28, janeiro/março de 2003, p. 33):

 

“Para dar efetividade à equilibrada flexibilização da coisa julgada em casos extremos, insisto também na afirmação do dever, que a ordem político-jurídica outorga ao juiz, de postar-se como autêntico canal de comunicação entre os valores da sociedade em que vive e os casos que julga. Não é lícito entrincheirar-se comodamente detrás da barreira da coisa julgada, e em nome desta, sistematicamente, assegurar a eternização de injustiças, de absurdos de fraudes ou de inconstitucionalidades.

 

O juiz deve ter a consciência de que ordem jurídica é composta de um harmonioso equilíbrio entre certezas, probabilidades e riscos, sendo humanamente impossível pensar no exercício jurisdicional imune a erros.

 

Sem a coragem de assumir racionalmente certos riscos razoáveis, reduz-se a possibilidade de fazer justiça. O importante é saber que onde há riscos há também meios para corrigi-los, o que deve afastar do espírito do juiz o exagerado apego à perfeição e o temor pânico aos erros que possa cometer.

 

O juiz que racionalmente negar a autoridade da coisa julgada em um caso saberá que, se estiver errado, haverá tribunais com o poder suficiente para reformar-lhe a decisão. Deixe a vaidade de lado e não tema o erro, sempre que estiver convencido da injustiça, da fraude ou da inconstitucionalidade de uma sentença aparentemente coberta pela coisa julgada.”

 

O Excelso Supremo Tribunal Federal já proclamou a viabilidade de mitigação do princípio constitucional da coisa julgada quando presentes fatos e circunstâncias especiais da causa, como faz ver o seguinte precedente:

 

“Desapropriação – Terrenos da atual base aérea de Parnamerim, em Natal, RN – Liquidação de sentença – Determinação de nova avaliação – Hipóteses em que o STF tem admitido nova avaliação, não obstante, em decisão anterior, já transita em julgado, se haja definido o valor da indenização.

 

Diante das peculiaridades do caso concreto, não se pode acolher a alegação constante do recurso extraordinário de ofensa, pelo acórdão, ao artigo 153, § 3º, da Constituição Federal, em virtude do deferimento de nova avaliação dos terrenos. O aresto teve presentes fatos e circunstâncias especiais da causa a indicarem a injustiça da indenização, nos termos em que resultaria da só aplicação da correção monetária, a contar da Lei nº 4.686/1965, quando a primeira avaliação aconteceu em 1957. Critério a ser seguido na nova avaliação. Decreto-Lei nº 3.365/1941, artigo 26. Questão que não constituiu objeto do recurso extraordinário da União. Relativamente aos juros compensatórios, havendo sido fixado, em decisão transitada em julgado, o percentual de 6% a.a., não caberia, no acórdão recorrido, estipular seu cálculo a base de 12% a.a.. A incidência do percentual de 6% a.a. dar-se-á, a partir da ocupação do imóvel. Nesse ponto, o acórdão ofendeu o artigo 153, § 3º, da lei maior. No que respeita aos honorários advocatícios, estabelecidos em quantia certa, a vista da primitiva avaliação, não vulnera o artigo 153, § 3º, da Carta Magna, o acórdão, ao estipular novo critério para seu cálculo, em determinando nova avaliação do imóvel expropriado. Conhecimento, apenas, em parte, do recurso extraordinário, quanto aos juros compensatórios, para, nesta parte, dar-lhe provimento.” (STF Primeira Turma – RE nº 105012/RN – Rio Grande do Norte – DJ de 1º.07.88 – Relator Ministro Néri da Silveira)

 

Na espécie, constatado por depoimentos e documentos nas instâncias ordinárias que o acordo anteriormente homologado em juízo, de valor elevado, resultou de conluio fraudulento entre as partes, visando a comprometer o direito de credores quirografários junto a empresa em situação financeira ruinosa, é dever do Juiz obstar o cumprimento da transação inadimplida e declarar extinto o processo, sem exame de mérito.

 

Nesse contexto, reputo incensurável o douto e percuciente acórdão regional da ilustre lavra da Doutora Sandra Márcia Wambier. Louvo igualmente a perspicácia e o acendrado amor à Justiça revelados pela Doutora Patrícia Almeida Ramos, Juíza do Trabalho Substituta que, intuindo a possibilidade de fraude após homologar a avença, desencadeou sucessivas diligências para elucidar o episódio e, assim, pôr cobro à fraude. Ambas as decisões bem souberam compreender que somente a deusa que simboliza o valor Justiça tem os olhos vendados. A Instituição Justiça, contudo, precisa tê-los – e os tem! – bem abertos para não se deixar enredar por litigantes maliciosos, cuja atuação pode comprometer a base ética e de moralidade que deve permear o exercício da atividade jurisdicional do Estado.

 

Não se vislumbra, portanto, a acenada violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ante a viabilidade de relativizar-se a coisa julgada, a fim de coibir-se a avença fraudulenta alcançada entre as partes.

 

No que tange à acenada violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, não vislumbro na hipótese a indigitada afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Pelo contrário, do excerto reproduzido, depreende-se que as instâncias ordinárias firmaram convencimento da existência de ato simulado para fraudar a reclamada em face dos depoimentos colhidos em Juízo e da prova documental existente nos autos.

 

Ante o exposto, não conheço do recurso de revista.

 

Isto posto, acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, unanimemente, não conhecer do recurso de revista.

 

Brasília, 2 de março de 2005.

 

João Oreste Dalazen

Ministro-relator

 

(Publicado em 08.04.05.)

 

RDT  nº 07 de Junlho de 2005

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