Acumulação Indevida de Emprego público e Mandato Eletivo – Advocacia Trabalhista Curitiba – Zavadniak & Honorato Advogados Trabalhistas Curitiba
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 8ª REGIÃO
ACóRDãO - 4ª T. TRT-RO 173/97
Recorrente (s): Eduardo Melo Machado
Advogado: Dr. Antonio Sales Guimarães Cardoso
Recorrido (s): Companhia de Saneamento do Pará COSANPA
Advogado (s): Dr. Antonio Cândido Barra M. de Britto e outros
EMENTA
Acumulação Indevida de Emprego Público e Mandato Eletivo. Se o reclamante ocupou, indevidamente, inclusive com percepção de remuneração tríplice, um cargo público eletivo (vereador), uma função pública (conselheiro do Instituto de Previdência do Município) e um emprego público (gerente de sociedade de economia mista), postos públicos de trabalho que, como regra, são incompatíveis e inacumuláveis, por expressa vedação constitucional (arts. 37, XVII, e 38, II, da CF/88), sem a observância do requisito da compatibilidade de horários, é passível de dispensa por justa causa. Recurso improvido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário, oriundos da MM. Junta de Conciliação e Julgamento de Óbidos, em que são partes, como recorrente, Eduardo Melo Machado, e, como recorrida, Companhia de Saneamento do Pará COSANPA.
Recorre o reclamante, inconformado com a r. sentença de primeira instância (fls. 252/266), que julgou a reclamação procedente, em parte, inacolhendo a tese de nulidade do ato demissional. Requer a reforma, conforme as razões de fls. 268/273.
Contra-razões da reclamada às fls. 277/286.
Opina o Ministério Público do Trabalho, no parecer de fls. 291/296, pelo conhecimento e improvimento do apelo, determinando-se, outrossim, que sejam efetuados os descontos previdenciários (pela Justiça do Trabalho) e fiscais (pela reclamada).
É o Relatório.
Conheço do recurso, pois satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
Nulidade do ato de demissão/reintegração no emprego
Dois argumentos invoca o recorrente visando a nulidade do ato de demissão, por justa causa, e sua conseqüente reintegração no emprego: a) que a recorrida não lhe assegurou o direito ao contraditório e a ampla defesa, por ocasião do inquérito administrativo que serviu de base ao despedimento motivado, restando, no seu entender, violado o inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988; e, b) que era do conhecimento da recorrida a sua condição de vereador da Câmara Municipal de Óbidos, tratando-se de fato público e notório, posto haver exercido mandatos durante quatro legislaturas, existindo compatibilidade de horários no exercício da vereança e do emprego como gerente da reclamada, atribuindo o móvel da dispensa à represália por haver denunciado ao sindicato de classe a existência de irregularidades na empresa estatal.
A tese do recorrente, contudo, não prospera.
A empresa recorrida é uma sociedade de economia mista vinculada ao Estado do Pará, integrando, portanto, a administração estadual indireta, e, por isso mesmo, com natureza jurídica de direito privado. Apesar de sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (§ 1º, do art. 173 da CF/88), não se pode descurar esse ente estatal da adstrição aos princípios constitucionais que regem a administração pública em geral (art. 37, caput).
Nada obstante esse regime jurídico híbrido, ou um tertius genus, a sociedade de economia mista não segue, obrigatoriamente, as normas de Direito Público que informam o processo administrativo disciplinar, antes denominado de inquérito administrativo, previsto na Lei nº 8.112, de 11.12.90. Apesar disso e em cumprimento à previsão inserta em sentença normativa (fls. 216), a reclamada promoveu a apuração criteriosa dos fatos que levaram à dispensa motivada que o reclamante pretende ver anulada, iniciando por sindicância transformada, posteriormente, em inquérito administrativo, em face à gravidade das faltas apuradas, com o devido acompanhamento da entidade sindical profissional.
Ao contrário do que afirma o recorrente, resultou cabalmente comprovado nos autos, inclusive por sua confissão real (fls. 245v.), que a comissão processante assegurou-lhe o direito a ampla defesa, conforme noticia o documento de fls. 166, sendo-lhe até mesmo fornecida cópia do relatório final que fez juntar aos autos por ocasião do aditamento à peça de ingresso (fls. 40/87).
Releva acrescentar, de outra parte, que o reclamante reside livremente em Juízo pretendendo anular a dispensa por justa causa, invocando o controle judicial do ato praticado pelo empregador no exercício do poder disciplinar que lhe confere o ordenamento jurídico, sem qualquer prejuízo, posto que no processo judicial lhe foram oferecidas todas as oportunidades de comprovar o descabimento das acusações feitas pela empresa, não se podendo, destarte, falar de ausência de contraditório e cerceamento de defesa.
Relativamente ao segundo ponto questionado, o recorrente omitiu, de propósito, as outras faltas graves que levaram o MM. Juízo de origem a acolher a tese de dispensa motivada, robustamente comprovadas na instrução processual.
Com efeito, tanto no inquérito administrativo, quanto no processo judicial a cargo da MM. Junta de origem, resultou cabalmente demonstrado que o reclamante, ora recorrente, praticou as seguintes faltas:
a) Exercício do mandato de vereador de Óbidos e de conselheiro do Instituto de Previdência e Assistência Social do Município
Avultou incontestável do conjunto probatório, inclusive em razão de sua confissão real lavrada às fls. 244/246, que o reclamante ocupou o cargo de vereador da Câmara Municipal de Óbidos, durante quatro legislaturas consecutivas, com início no ano de 1977 e término em dezembro de 1996, sendo que, a partir de maio/95, ele foi eleito por seus pares para integrar o Instituto de Previdência e Assistência Social dos Servidores do Município de Óbidos-IPASO, como representante do Poder Legislativo municipal.
Pelo exercício da função de conselheiro do IPASO, em cada uma das duas sessões mensais que ocorriam às 18 horas, o reclamante auferia um salário mínimo. Como vereador, seus subsídios importavam na quantia de R$ 840,00 mensais, em razão de seu comparecimento às sessões realizadas às segundas, terças e quartas-feiras, no horário de 17 horas, sem prejuízo do salário e vantagens do emprego de gerente da reclamada, onde ele estava subordinado ao cumprimento de horário de trabalho de 8 às 12 e de 14 às 18 horas, com exigência de registro de freqüência a partir do ano de 1993.
Assim, é fácil notar que o reclamante ocupou, indevidamente, inclusive com percepção de remuneração tríplice, um cargo público eletivo (vereador), uma função pública (conselheiro do Instituto de Previdência do Município de Óbidos) e um emprego público (gerente de sociedade de economia mista), postos públicos de trabalho que, como regra, são incompatíveis e inacumuláveis, por expressa vedação constitucional (art. 37, XVII, da CF/88).
Vale dizer: ao servidor ou empregado público em exercício de mandato eletivo, se investido no cargo de vereador e desde que haja compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração, ex vi do art. 38, incisos II e III, da Constituição de 1988.
No caso vertente, é bem de ver, inexistiu a compatibilidade de horários exigida no texto constitucional vigente, já que, como é cediço, são compatíveis os horários descoincidentes, de sorte a permitir a acumulação de duas atividades. Assim como é vedada a acumulação de cargos públicos quando houver incompatibilidade de horários, também ao exercício do mandato de vereador se aplica a mesma regra proibitiva, salvo se o exercício da função pública não coincidir com a eletiva (J. Cretella Jr.).
Ora, se o reclamante deixava seu posto de trabalho na reclamada, às 17 horas, dentro de seu expediente de trabalho, com a finalidade de participar, na condição de vereador, de sessão na Câmara Municipal, como usualmente fazia em todas as segundas-feiras, terças-feiras e quartas-feiras, resulta inegável que não havia compatibilidade de horários entre o emprego público e a função pública eletiva, restando violada a norma constitucional proibitiva de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos.
Ainda mais grave se apresenta o exercício remunerado da função pública de conselheiro do Instituto de Previdência e Assistência Social do Município de Óbidos, onde o reclamante participava de sessões que iniciavam em horário que coincidia exatamente com o término de sua jornada de trabalho na reclamada (18 horas), transgredindo, destarte, a preceito de índole constitucional.
Acrescente-se que o reclamante, como líder do Prefeito, na Câmara Municipal, ausentava-se regularmente da empresa, em horário de trabalho, para tratar de assuntos de natureza política e inerentes à vereança (ver depoimento das testemunhas Raimundo Nélson Almeida de Souza, ex-Prefeito municipal fls. 247 v. e Pedro Carlos Bentes Picanço fls. 249), sinalizando, dessa forma, com a plena ausência de compatibilidade de horários.
Como se vê, resultou cabalmente evidenciada a acumulação indevida de postos públicos de trabalho pelo reclamante, posto que ausente o requisito constitucional pertinente à compatibilidade de horários, conduta essa revestida de gravidade suficiente a autorizar o despedimento motivado, não aproveitando ao recorrente, como pretendido, a alegação de ausência de imediatidade entre a falta e a pena aplicada, fundando-se em que o exercício da função eletiva, durante quatro legislaturas, não era desconhecido da reclamada.
Isso porque, a possível conduta omissiva e ilegal em que teria incorrido a empregadora estatal ao permitir, tacitamente, a aludida acumulação não tem, por si só, o condão de legitimar o ato praticado pelo reclamante em desconformidade com as normas legais. Nesse tema, vale lembrar a lição de M. Planiol, que se adapta plenamente à hipótese em exame, segundo o qual, do que é contrário ao direito não pode nascer um direito, muito menos o exercício regular de um direito. O direito cessa onde o abuso começa e não pode haver uso abusivo de um direito qualquer, pela razão irrefutável de que um só e único ato não pode ser ao mesmo tempo conforme ao direito e contrário ao direito.
No plano rigoroso da interpretação constitucional, como não poderia ser diferente, destaca-se a supremacia do princípio que apregoa a vedação de acumulação remunerada de um emprego público com a função eletiva de vereador, se ausente a compatibilidade de horários, como no presente caso, quando esses princípios confrontam-se com as outras determinações normativas inseridas em nosso sistema jurídico, ainda que se trate de um princípio trabalhista de caráter tutelar, que esteja a exigir a imediatidade entre a falta e a punição, visto que, na interpretação constitucional, a natureza suprema dos princípios deve direcionar o intérprete.
Gravita em torno desse tema, que a administração pública, seja direta ou indireta, tem como finalidade fazer com que os efeitos determinados pelas normas jurídicas se concretizem, mas sempre com o objetivo de que o interesse público prepondere sobre o individual. Aliás, pelo princípio da juricidade administrativa (ou da legalidade), não há como ser convalidado um ato da administração pública que não poderia (e não pode) produzir efeitos jurídicos válidos, como se dá, v.g., na acumulação indevida de postos públicos de trabalho, posto que, como é consabido, na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza(cf. Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 1989, pág. 78).
Também não se pode perder de vista, de outro lado, que a reclamada somente veio a saber, oficialmente, da acumulação irregular de emprego público com a função eletiva pelo reclamante, e da ausência de compatibilidade de horários, quando da investigação efetuada mediante a sindicância e o inquérito administrativo prefalados. Por conseguinte, não há como considerar ser um fato público e notório, a eleição e posse do reclamante no cargo de vereador, para os efeitos por ele pretendidos, quando se sabe que a reclamada possui pontos de atuação em quase todo o Estado do Pará, centralizando sua direção administrativa na capital paraense.
Sendo assim, exigia-se do reclamante, em razão do elemento fiduciário que alicerça o contrato de trabalho, confiança essa que, no caso dele, revestia-se de índole especial em face do exercício da função de confiança, a comunicação à ex-empregadora, em caráter oficial, do exercício da vereança, pelo menos a partir de 05.10.88, em razão da norma insculpida no art. 38, III, da Constituição vigente, e, a par disso, fazê-la ver da incompatibilidade de horários, caso em que o reclamante teria de optar por sua remuneração.
Assim não agiu o reclamante, que ainda acumulou, ilegalmente, outra função pública com percepção indevida de remuneração (conselheiro do Instituto de Previdência Municipal), concorrendo para o seu despendimento por justa causa.
b) Assinalação irregular nas folhas de freqüência e ausência durante o expediente de trabalho
Outro aspecto que concorreu para a resolução do contrato de trabalho do recorrente, reside no fato de que ele assinalava, irregularmente, na folha de freqüência, de forma antecipada, que sua saída do serviço ocorria às 18 horas, nos dias de sessão na Câmara Municipal, quando, na realidade, isso se dava por volta de 17 horas. Tal conduta do recorrente, se não configura ato de improbidade, caracteriza, no mínimo, a figura do mau procedimento, sem falar na desídia funcional, pois ficou patente nos autos que o reclamante, em horário de trabalho, deixava a empresa e seus clientes ficavam sem atendimento, como, acertadamente, proclamou o primeiro grau.
Como se vê, não há como acolher-se as argumentações do recorrente, em que pese o denodado esforço de seu diligente patrono, daí porque nego provimento ao apelo, para manter a r. sentença recorrida.
Descontos previdenciários e fiscais
Tendo em vista o que dispõe o Provimento nº 01/96, da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, acolho o requerimento do Ministério Público do Trabalho (fls. 291/296) e atribuo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação observada a legislação pertinente.
Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento para confirmar a r. sentença recorrida, inclusive quanto às custas, atribuindo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação, nos termos do requerimento do Ministério Público do Trabalho, mantido o r. decisório em seus demais termos, conforme os fundamentos.
Isto Posto,
Acordam os juízes da 4ª Turma do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, unanimemente, em conhecer do recurso; sem divergência, negar-lhe provimento para confirmar a r. sentença recorrida, inclusive quanto às custas, atribuindo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação, nos termos do requerimento do Ministério Público do Trabalho, mantido o r. decisório em seus demais termos, conforme os fundamentos.
Sala de Sessões da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região. Belém, 11 de março de 1997.
Francisca Oliveira Formigosa
Juíza Togada, no exercício da Presidência
Walmir Oliveira da Costa
Juiz Convocado Relator
Ciente: Procuradoria Regional do Trabalho
RDT 04/97, p. 32
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 8ª REGIÃO
ACóRDãO – 4ª T. TRT-RO 173/97
Recorrente (s): Eduardo Melo Machado
Advogado: Dr. Antonio Sales Guimarães Cardoso
Recorrido (s): Companhia de Saneamento do Pará COSANPA
Advogado (s): Dr. Antonio Cândido Barra M. de Britto e outros
EMENTA
Acumulação Indevida de Emprego Público e Mandato Eletivo. Se o reclamante ocupou, indevidamente, inclusive com percepção de remuneração tríplice, um cargo público eletivo (vereador), uma função pública (conselheiro do Instituto de Previdência do Município) e um emprego público (gerente de sociedade de economia mista), postos públicos de trabalho que, como regra, são incompatíveis e inacumuláveis, por expressa vedação constitucional (arts. 37, XVII, e 38, II, da CF/88), sem a observância do requisito da compatibilidade de horários, é passível de dispensa por justa causa. Recurso improvido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário, oriundos da MM. Junta de Conciliação e Julgamento de Óbidos, em que são partes, como recorrente, Eduardo Melo Machado, e, como recorrida, Companhia de Saneamento do Pará COSANPA.
Recorre o reclamante, inconformado com a r. sentença de primeira instância (fls. 252/266), que julgou a reclamação procedente, em parte, inacolhendo a tese de nulidade do ato demissional. Requer a reforma, conforme as razões de fls. 268/273.
Contra-razões da reclamada às fls. 277/286.
Opina o Ministério Público do Trabalho, no parecer de fls. 291/296, pelo conhecimento e improvimento do apelo, determinando-se, outrossim, que sejam efetuados os descontos previdenciários (pela Justiça do Trabalho) e fiscais (pela reclamada).
É o Relatório.
Conheço do recurso, pois satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
Nulidade do ato de demissão/reintegração no emprego
Dois argumentos invoca o recorrente visando a nulidade do ato de demissão, por justa causa, e sua conseqüente reintegração no emprego: a) que a recorrida não lhe assegurou o direito ao contraditório e a ampla defesa, por ocasião do inquérito administrativo que serviu de base ao despedimento motivado, restando, no seu entender, violado o inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988; e, b) que era do conhecimento da recorrida a sua condição de vereador da Câmara Municipal de Óbidos, tratando-se de fato público e notório, posto haver exercido mandatos durante quatro legislaturas, existindo compatibilidade de horários no exercício da vereança e do emprego como gerente da reclamada, atribuindo o móvel da dispensa à represália por haver denunciado ao sindicato de classe a existência de irregularidades na empresa estatal.
A tese do recorrente, contudo, não prospera.
A empresa recorrida é uma sociedade de economia mista vinculada ao Estado do Pará, integrando, portanto, a administração estadual indireta, e, por isso mesmo, com natureza jurídica de direito privado. Apesar de sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (§ 1º, do art. 173 da CF/88), não se pode descurar esse ente estatal da adstrição aos princípios constitucionais que regem a administração pública em geral (art. 37, caput).
Nada obstante esse regime jurídico híbrido, ou um tertius genus, a sociedade de economia mista não segue, obrigatoriamente, as normas de Direito Público que informam o processo administrativo disciplinar, antes denominado de inquérito administrativo, previsto na Lei nº 8.112, de 11.12.90. Apesar disso e em cumprimento à previsão inserta em sentença normativa (fls. 216), a reclamada promoveu a apuração criteriosa dos fatos que levaram à dispensa motivada que o reclamante pretende ver anulada, iniciando por sindicância transformada, posteriormente, em inquérito administrativo, em face à gravidade das faltas apuradas, com o devido acompanhamento da entidade sindical profissional.
Ao contrário do que afirma o recorrente, resultou cabalmente comprovado nos autos, inclusive por sua confissão real (fls. 245v.), que a comissão processante assegurou-lhe o direito a ampla defesa, conforme noticia o documento de fls. 166, sendo-lhe até mesmo fornecida cópia do relatório final que fez juntar aos autos por ocasião do aditamento à peça de ingresso (fls. 40/87).
Releva acrescentar, de outra parte, que o reclamante reside livremente em Juízo pretendendo anular a dispensa por justa causa, invocando o controle judicial do ato praticado pelo empregador no exercício do poder disciplinar que lhe confere o ordenamento jurídico, sem qualquer prejuízo, posto que no processo judicial lhe foram oferecidas todas as oportunidades de comprovar o descabimento das acusações feitas pela empresa, não se podendo, destarte, falar de ausência de contraditório e cerceamento de defesa.
Relativamente ao segundo ponto questionado, o recorrente omitiu, de propósito, as outras faltas graves que levaram o MM. Juízo de origem a acolher a tese de dispensa motivada, robustamente comprovadas na instrução processual.
Com efeito, tanto no inquérito administrativo, quanto no processo judicial a cargo da MM. Junta de origem, resultou cabalmente demonstrado que o reclamante, ora recorrente, praticou as seguintes faltas:
a) Exercício do mandato de vereador de Óbidos e de conselheiro do Instituto de Previdência e Assistência Social do Município
Avultou incontestável do conjunto probatório, inclusive em razão de sua confissão real lavrada às fls. 244/246, que o reclamante ocupou o cargo de vereador da Câmara Municipal de Óbidos, durante quatro legislaturas consecutivas, com início no ano de 1977 e término em dezembro de 1996, sendo que, a partir de maio/95, ele foi eleito por seus pares para integrar o Instituto de Previdência e Assistência Social dos Servidores do Município de Óbidos-IPASO, como representante do Poder Legislativo municipal.
Pelo exercício da função de conselheiro do IPASO, em cada uma das duas sessões mensais que ocorriam às 18 horas, o reclamante auferia um salário mínimo. Como vereador, seus subsídios importavam na quantia de R$ 840,00 mensais, em razão de seu comparecimento às sessões realizadas às segundas, terças e quartas-feiras, no horário de 17 horas, sem prejuízo do salário e vantagens do emprego de gerente da reclamada, onde ele estava subordinado ao cumprimento de horário de trabalho de 8 às 12 e de 14 às 18 horas, com exigência de registro de freqüência a partir do ano de 1993.
Assim, é fácil notar que o reclamante ocupou, indevidamente, inclusive com percepção de remuneração tríplice, um cargo público eletivo (vereador), uma função pública (conselheiro do Instituto de Previdência do Município de Óbidos) e um emprego público (gerente de sociedade de economia mista), postos públicos de trabalho que, como regra, são incompatíveis e inacumuláveis, por expressa vedação constitucional (art. 37, XVII, da CF/88).
Vale dizer: ao servidor ou empregado público em exercício de mandato eletivo, se investido no cargo de vereador e desde que haja compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração, ex vi do art. 38, incisos II e III, da Constituição de 1988.
No caso vertente, é bem de ver, inexistiu a compatibilidade de horários exigida no texto constitucional vigente, já que, como é cediço, são compatíveis os horários descoincidentes, de sorte a permitir a acumulação de duas atividades. Assim como é vedada a acumulação de cargos públicos quando houver incompatibilidade de horários, também ao exercício do mandato de vereador se aplica a mesma regra proibitiva, salvo se o exercício da função pública não coincidir com a eletiva (J. Cretella Jr.).
Ora, se o reclamante deixava seu posto de trabalho na reclamada, às 17 horas, dentro de seu expediente de trabalho, com a finalidade de participar, na condição de vereador, de sessão na Câmara Municipal, como usualmente fazia em todas as segundas-feiras, terças-feiras e quartas-feiras, resulta inegável que não havia compatibilidade de horários entre o emprego público e a função pública eletiva, restando violada a norma constitucional proibitiva de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos.
Ainda mais grave se apresenta o exercício remunerado da função pública de conselheiro do Instituto de Previdência e Assistência Social do Município de Óbidos, onde o reclamante participava de sessões que iniciavam em horário que coincidia exatamente com o término de sua jornada de trabalho na reclamada (18 horas), transgredindo, destarte, a preceito de índole constitucional.
Acrescente-se que o reclamante, como líder do Prefeito, na Câmara Municipal, ausentava-se regularmente da empresa, em horário de trabalho, para tratar de assuntos de natureza política e inerentes à vereança (ver depoimento das testemunhas Raimundo Nélson Almeida de Souza, ex-Prefeito municipal fls. 247 v. e Pedro Carlos Bentes Picanço fls. 249), sinalizando, dessa forma, com a plena ausência de compatibilidade de horários.
Como se vê, resultou cabalmente evidenciada a acumulação indevida de postos públicos de trabalho pelo reclamante, posto que ausente o requisito constitucional pertinente à compatibilidade de horários, conduta essa revestida de gravidade suficiente a autorizar o despedimento motivado, não aproveitando ao recorrente, como pretendido, a alegação de ausência de imediatidade entre a falta e a pena aplicada, fundando-se em que o exercício da função eletiva, durante quatro legislaturas, não era desconhecido da reclamada.
Isso porque, a possível conduta omissiva e ilegal em que teria incorrido a empregadora estatal ao permitir, tacitamente, a aludida acumulação não tem, por si só, o condão de legitimar o ato praticado pelo reclamante em desconformidade com as normas legais. Nesse tema, vale lembrar a lição de M. Planiol, que se adapta plenamente à hipótese em exame, segundo o qual, do que é contrário ao direito não pode nascer um direito, muito menos o exercício regular de um direito. O direito cessa onde o abuso começa e não pode haver uso abusivo de um direito qualquer, pela razão irrefutável de que um só e único ato não pode ser ao mesmo tempo conforme ao direito e contrário ao direito.
No plano rigoroso da interpretação constitucional, como não poderia ser diferente, destaca-se a supremacia do princípio que apregoa a vedação de acumulação remunerada de um emprego público com a função eletiva de vereador, se ausente a compatibilidade de horários, como no presente caso, quando esses princípios confrontam-se com as outras determinações normativas inseridas em nosso sistema jurídico, ainda que se trate de um princípio trabalhista de caráter tutelar, que esteja a exigir a imediatidade entre a falta e a punição, visto que, na interpretação constitucional, a natureza suprema dos princípios deve direcionar o intérprete.
Gravita em torno desse tema, que a administração pública, seja direta ou indireta, tem como finalidade fazer com que os efeitos determinados pelas normas jurídicas se concretizem, mas sempre com o objetivo de que o interesse público prepondere sobre o individual. Aliás, pelo princípio da juricidade administrativa (ou da legalidade), não há como ser convalidado um ato da administração pública que não poderia (e não pode) produzir efeitos jurídicos válidos, como se dá, v.g., na acumulação indevida de postos públicos de trabalho, posto que, como é consabido, na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza(cf. Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 1989, pág. 78).
Também não se pode perder de vista, de outro lado, que a reclamada somente veio a saber, oficialmente, da acumulação irregular de emprego público com a função eletiva pelo reclamante, e da ausência de compatibilidade de horários, quando da investigação efetuada mediante a sindicância e o inquérito administrativo prefalados. Por conseguinte, não há como considerar ser um fato público e notório, a eleição e posse do reclamante no cargo de vereador, para os efeitos por ele pretendidos, quando se sabe que a reclamada possui pontos de atuação em quase todo o Estado do Pará, centralizando sua direção administrativa na capital paraense.
Sendo assim, exigia-se do reclamante, em razão do elemento fiduciário que alicerça o contrato de trabalho, confiança essa que, no caso dele, revestia-se de índole especial em face do exercício da função de confiança, a comunicação à ex-empregadora, em caráter oficial, do exercício da vereança, pelo menos a partir de 05.10.88, em razão da norma insculpida no art. 38, III, da Constituição vigente, e, a par disso, fazê-la ver da incompatibilidade de horários, caso em que o reclamante teria de optar por sua remuneração.
Assim não agiu o reclamante, que ainda acumulou, ilegalmente, outra função pública com percepção indevida de remuneração (conselheiro do Instituto de Previdência Municipal), concorrendo para o seu despendimento por justa causa.
b) Assinalação irregular nas folhas de freqüência e ausência durante o expediente de trabalho
Outro aspecto que concorreu para a resolução do contrato de trabalho do recorrente, reside no fato de que ele assinalava, irregularmente, na folha de freqüência, de forma antecipada, que sua saída do serviço ocorria às 18 horas, nos dias de sessão na Câmara Municipal, quando, na realidade, isso se dava por volta de 17 horas. Tal conduta do recorrente, se não configura ato de improbidade, caracteriza, no mínimo, a figura do mau procedimento, sem falar na desídia funcional, pois ficou patente nos autos que o reclamante, em horário de trabalho, deixava a empresa e seus clientes ficavam sem atendimento, como, acertadamente, proclamou o primeiro grau.
Como se vê, não há como acolher-se as argumentações do recorrente, em que pese o denodado esforço de seu diligente patrono, daí porque nego provimento ao apelo, para manter a r. sentença recorrida.
Descontos previdenciários e fiscais
Tendo em vista o que dispõe o Provimento nº 01/96, da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, acolho o requerimento do Ministério Público do Trabalho (fls. 291/296) e atribuo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação observada a legislação pertinente.
Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento para confirmar a r. sentença recorrida, inclusive quanto às custas, atribuindo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação, nos termos do requerimento do Ministério Público do Trabalho, mantido o r. decisório em seus demais termos, conforme os fundamentos.
Isto Posto,
Acordam os juízes da 4ª Turma do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, unanimemente, em conhecer do recurso; sem divergência, negar-lhe provimento para confirmar a r. sentença recorrida, inclusive quanto às custas, atribuindo à reclamada o ônus de calcular, deduzir e recolher, ao Tesouro Nacional e ao INSS, respectivamente, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias incidentes sobre a condenação, nos termos do requerimento do Ministério Público do Trabalho, mantido o r. decisório em seus demais termos, conforme os fundamentos.
Sala de Sessões da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região. Belém, 11 de março de 1997.
Francisca Oliveira Formigosa
Juíza Togada, no exercício da Presidência
Walmir Oliveira da Costa
Juiz Convocado Relator
Ciente: Procuradoria Regional do Trabalho
RDT 04/97, p. 32
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